Economia

REDE ESCOLAR DE PINTADAS CRIA DISCIPLINA PARA A ECONOMIA MUNICIPAL

Veja com informações da Revista Nova Escola
| 29/09/2009 às 19:06
Encravado na região do semiárido baiano, a 272 quilômetros de
Salvador, o pequeno município de Pintadas, com cerca de 11 mil
habitantes, é reconhecido pela cultura do cooperativismo. Esse sistema
de organização social, implantado na década de 1990 na cidade para
desenvolver a agricultura local, deu muitos e variados frutos.

Um deles foi a geração de renda: uma parte dos legumes, das hortaliças e
de outros hortifrutigranjeiros produzidos para o consumo dos
agricultores familiares começou a ser vendida para a preparação da
merenda dos alunos. Outros foram os diversos movimentos que surgiram
para melhorar a Educação local.

Primeiro, apareceram iniciativas isoladas, que, apesar de bem
intencionadas, não correspondiam às necessidades educacionais.
Percebendo isso, a Secretaria Municipal de Educação resolveu intervir.
Foi feito um levantamento dos problemas do ensino e das ações que os
grupos comunitários se dispunham a realizar. Uma delas era o reforço
escolar oferecido no contraturno pela Associação Cultural Beneficente
Padre Ricardo.
 
IDADE INADEQUADA

Em 2006, 28% dos alunos de Ensino Fundamental do
município estavam na série inadequada para a idade, segundo o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. O número estava abaixo da média estadual (49%), mas não
deixava de ser preocupante. Portanto, o projeto era necessário, mas da
maneira como era conduzido não produzia resultados. "Faltava
orientação pedagógica", afirma Solange Paixão de Jesus Oliveira,
secretária executiva da associação.

A rede municipal firmou, então, uma parceria com a entidade: o poder
público passaria a cuidar da formação dos professores, do lanche e do
acompanhamento do projeto, e a associação continuaria a ceder o espaço
e a oferecer atividades complementares de música, capoeira e
informática. O Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, conhecido
por Sicoob Sertão (leia o quadro abaixo), apoiou a proposta e
financiou o pagamento de monitores. O programa foi elaborado com base
nos conteúdos do currículo e nas dificuldades de sala de aula.

Outra parceria da rede com organizações sociais foi feita para a
criação e implementação de uma nova disciplina - a Organização Social,
Comunitária e Política de Pintadas, que trata de questões da realidade
local e está na grade das turmas de 5ª a 8ª série desde 2007. Dois
anos antes, a secretaria se reuniu com diretores, professores, pais e
representantes de cooperativas e movimentos sociais para definir os
conteúdos, as estratégias de ensino e a articulação com o currículo da
rede.

Até hoje, um grupo de trabalho composto de secretário,
professores e representantes da comunidade se encontra regularmente
para avaliar a produção dos alunos e planejar novos projetos
didáticos. Os temas representam bem o que o coletivo acredita ser
importante para o futuro da cidade: desenvolvimento humano, cultura de
cooperação e solidariedade, empreendedorismo e sustentabilidade,
trabalhados em aulas semanais, com muita pesquisa e trabalho de campo.
"Pintadas conseguiu levar o sertão para o currículo escolar na forma
de estudos sobre as características do clima local e as possibilidades
de exploração econômica com a intenção de transformar a realidade",
afirma Ladislau Dowbor, economista da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.

A disciplina é a que mais utiliza espaços alternativos de ensino. Os
alunos visitam as propriedades que produzem mel e hortifrutigranjeiros
e criam gado para fazer pesquisas. Para Marlene Nunes Machado da
Silva, diretora da EMEF Professora Zilda Dias da Silva, os saberes
regionais vindos das famílias dos próprios estudantes começaram a ser
mais respeitados. "Contudo, não restringimos o conhecimento somente a
questões regionais. Sempre procuramos relacionar a nossa realidade a
temas mais amplos", aponta Carlos Alberto da Silva Almeida, secretário
municipal de Educação.

Vocação para a cooperação

Há algumas décadas, a seca e a concentração de mais de 50% das terras
nas mãos de poucos proprietários foram os responsáveis pela expulsão
da população de Pintadas, que chegava a perder até 3 mil pessoas por
ano, que buscavam trabalho em outras regiões. Em 1996, a população foi
surpreendida com o fechamento do único estabelecimento bancário do
lugar. Sem ele, era preciso viajar 48 quilômetros até a cidade vizinha
para pagar as contas, receber a aposentadoria e fazer movimentações
bancárias.

A organização da comunidade e a retomada da economia local permitiram
que esse quadro fosse revertido. Um grupo de 50 pessoas fundou a
Cooperativa de Crédito Rural Pintadas. "A proposta transformou os
recursos das pessoas em créditos e o dinheiro começou a circular,
fomentando a produção", lembra Milton Aparecido Pessoa Ramos,
presidente do Sicoob Sertão, nome pelo qual a cooperativa passou a ser
chamada depois de expandir as atividades para outras cidades. Essa foi
a mola-mestra para transformações em outros campos e a consolidação de
outras associações e cooperativas. A agricultura familiar recebeu mais
investimentos e foram criados sistemas de captação de água e
irrigação. Na Educação, a entidade é parceira certa das iniciativas
educacionais e participa das reuniões para decidir os rumos do ensino
do município. Atualmente, as associações são autônomas e participam da
Rede Pintadas, associação de 13 entidades que discute estratégias para
a captação de recursos para o desenvolvimento da região. A iniciativa
foi finalista do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação
Getúlio Vargas em 2002.

Reforço nas refeições

A parceria das escolas do município de Pintadas incrementou a merenda
escolar com produtos naturais a partir de 2007, quando a cidade aderiu
ao Programa de Aquisição de Alimentos, da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), que facilita a aquisição de produtos dos
agricultores familiares. São compradas frutas como umbu e cajá,
hortaliças, leite, mel e carne de ovelha.
 
Além disso, há o acréscimo
no investimento por aluno. Com a parte do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação que vai para a alimentação, a rede gastava
44 reais ao ano por estudante. O programa de doação da Conab permitiu
que esse valor subisse para 170 reais por ano - um aumento de 286%,
garantindo assim mais qualidade, quantidade e variedade na
alimentação.