A vida é uma sucessão de encontros casuais disse o poeta Álvaro. Ora, que ladino! O poeta Álvaro é ficção de minha pena, nunca existiu. Os encontros casuais, sim. Estes existem e acontecem quando menos se espera.
Estava eu flanando próximo ao Convento das Mercês, Av. 7, imaginando até ir às orações, impedido que fui por um cadeado que grudado a uma corrente trancava a porta principal do templo, segui adiante olhando casarões abandonados ao lado do edifício Maroin, a precisar tinta na fachada, quando esbarro-me com Getúlio Santana, ex livreiro, ex Estúdio bar da boemia dos anos 1980, também a flanar, assim suponho.
- Há tempos não nos vemos, disse o vate, inquirindo o que eu fazia na Sete.
- Garimpo crônicas de restaurantes a pedido do Andrailho que está escrevendo um livro sobre a Avenida 7.
- É fantástico essa ideia. Aqui é também minha casa. Tive durante os anos 1970 a Literarte na galeria do Edifício Santo Amaro e sei de muitas coisas.
- Ora, então conte-me.
- São muitas histórias. Há um livro sobre a Literarte que vou lhe arranjar um exemplar.
Andamos mais um pouco e nos deparamos com o Comida Caseira DS e apontei que podíamos experimentar o pirão desta tenda.
- Tenho outro compromisso em linha e não será possível. Mas, marcaremos na Edna, a baiana mais antiga em operação nesta avenida e que tem seu tabuleiro localizado nas imediações do Santo Amaro.
- Sem dúvida, avaliei e nos despedimos.
Então, depois de ler a placa de boas-vindas do DS subi uma escadinha do primeiro piso acesso a galeria do edifício Shalom e eis-me diante da Sorveteria Santiago. Então, na dúvida, perguntei ao porteiro do prédio se ali (apontei para a sorveteria) era o tal restaurante DS e ele confirmou.
Adentrei, faceiro e desconfiado, pois, à minha frente tinha três 'freezeres" com ‘gelatos’ e, felizmente, numa das mesas, apurei às vistas, havia um senhor baixinho, chapéu sobre a mesa a espera de sua pedida, e à sua frente e sobre a mesa prato, os talheres e os azeites.
Menos mal, ponderei comigo mesmo, estou no lugar certo. Ora, quem me atendeu foi o D que redimiu todas as dúvidas quando quis saber se estava certo no DS Comida Caseira ou na Sorveteria Santiago.
- Si, está nos dois. Sou Daniel, o proprietário.
- Que admirável.
- Sente-se naquela mesa de canto - indicou. Vou trazer o cardápio para o senhor.
Leio o cardápio: bife a cavalo, arroz, macarrão e feijão: R$18,00. Bife de carne, bisteca e filé de frango R$18,00 cada; fígado acebolado com arroz, macarrão e feijão R$15,00; comida baiana - arroz, caruru, vatapá e feijão fradinho R$22,00; peixe frito com caruru e vatapá R$22,00
- Então, que sugeres destes pratos – inquiri ao D?
- A moqueca de arraia com caruru, vatapá, arroz e feijão fradinho. O senhor vai adorar.
- Traga-a, respondi.
De repente um ferreiro que estava a consertar o portão de entrada do Shalon liga uma máquina e aciona um martelo provocando uma zoada ensurdecedora. O senhor que estava mais próximo desse barulho levantou-se e sentou próximo de mim solicitando ao D que apressasse seu bife a cavalo.
- É duro suportar esse baticum - disse-me com reserva.
Logo depois chegaram seu bife a cavalo e minha pedida a moqueca de arraia com tudo combinado. Começamos então a traça-los.
- Que tal, ponderei ao senhor que me pareceu um personagem conhecido, o Godô amolador de alicates, baixinho, bigodinho a Galhadro, boa pinta.
- Está louvável. Almoço sempre aqui. A comida é bem feita e tem preço Avenida 7.
Fiquei curioso e ponderei: - Que preço Avenida é esse.
- Nesse trecho comercial da 7 entre a Mercês e o São Bento os almoços custam nessa média, entre R$15,00 até R$30,00 no máximo. Passou disso o cliente não entra.
- Absolutamente fantástico, comentei.
- E os carrinhos e tendas da rua, a céu aberto, vendem pratos feitos entre R$8,00 e R$12,00 e vivem com lotação máxima.
- Mas, como assim se são a céu aberto?
- Alguns tem cadeiras e bancos na avenida e recebem ‘pix’, recebem ‘tiquetes’, o ‘diabo’ - desculpe a expressão.
- Os restaurantes da 7 na Barra têm preços mais salgados.
- Conceda-me contar uma história - falou o Godô( permita-me apelidado assim) no dia de aniversário de uma amiga, eu que sou solteiro, mas dou meus pulinhos numa alcova, decidi convidá-la para ir a um grã-fino na Barra, e vestidos que fomos a rigor, eu de terno branco como manda a sexta feira e a senhora Alice, assim ela se chama, sentamos num desses restaurantes que se fala classe A e quando o garçom trouxe a carta, assustei, amarelei.
A Alice perguntou se eu estava sentindo algo no coração visto que tenho três ‘stentes’, disse que não era nada (e sendo) uma vez que a moqueca de camarão que planejávamos jantar custava R$140,00 para dois e mais a cerveja, uma ‘long neck’ dessas pequenas, R$18,00 cada.
- E aí, desistiram ou jantaram?
- Pensei em desistir a Alice até nem se incomodaria com isso porque sabe de minhas posses, mas, sou homem com H, esse bigode aqui tem respeito (confiou o peludo) e mandei ver a moqueca e as cervejas.
- São as duas cidades da Bahia, uma dos ricos, dos afortunados; e outra dos pobres, dos remediados como nós - palpitei.
- Um absurdo. Depois de nosso jantar onde também pedimos um sorvete de tiramisu de sobremesa e a conta com 10% de serviço passou dos R$230.00 paguei o devido porque sou homem de honrar todos os meus compromissos e ainda seguimos adiante, para comemorações mais íntimas que não posso contar ao senhor, que conheci agora e não tenho intimidade.
- Nanda, nada! A vida tem seus prazeres e também apronto umas idas as noites, cara vez mais raras com a dona Céu.
- És viúvo!
- Céu é o nome da minha esposa abreviatura carinhosa de Celeste.
- Ah! entendo. Imaginem Céu do outro mundo. Olha – seguiu falando - não estou a fazer contas. Tem gente que gosta. Meu jantar com a Alice são dez dias de boia aqui no DS.
Chega a nossa mesa o D - diria nossa porque uma próxima da outra - e pergunta como estamos.
- Maravilha de moqueca a ponto de levar uma porção para aa madame. Parabenize a cozinheira.
- É minha esposa a Silda, excelente cozinheira.
Entendi que ele tivesse falado Zilda e comentei: Tem o nome de minha mãe. Zilda é pouco usado.
- Senhor! Senhor! é Silda com S daí o nome do restaurante DS
- Ah! perdon, perdon, falei em espanhol e Godó sorriu.
Daniel chama Silda na cozinha e nos apresenta: - Quem comanda é ela.
- Muito encantado, a senhora tem excelente tempero – disse.
- Fazemos o possível e melhor para agradar nossos clientes, respondeu a S.
Gpdô pagou sua conta e se despediu de nós. Eu decidi experimentar bolas de sorvete de coco e baunilha e também paguei o devido e despedi-me do casal.
Diria, amado leitor, simpática leitora, que o DS de comida caseira parece sorveteria na plotagem, mas o principal é a comidinha de dona S, deliciosa a barata, como diz o sábado Godô, preço de AV. 7
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COMIDA CASEIRA DS
EDIFICIO SHALON, AV 7 1012
MERCÊS SOBRELOJA
FONE 71 99717 - 9665
MOQUECA DE ARRAIA R$22,00
SORVETE R$8,00
CLASSIFICAÇÃO 2 DONS