Com o recebimento da denúncia, tem início a fase de instrução da ação penal. (Com informações do STJ)
Tasso Franco , da redação em Salvador |
07/05/2020 às 10:17
Segundo o relator do STJ há indícios concretos de organização criminosa no TJBA
Foto: STJ
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sua primeira sessão por videoconferência, recebeu nesta quarta-feira (6) a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), além de outras oito pessoas – entre empresários, advogados e servidores públicos, todos investigados na Operação Faroeste. A operação apurou esquema de venda de decisões judiciais para favorecer grilagem de terras no Oeste da Bahia.
Estão entre os denunciados os ex-presidentes do TJBA Maria do Socorro Barreto Santiago e Gesivaldo Nascimento Britto, os desembargadores José Olegário Monção Caldas e Maria da Graça Osório Pimentel, os juízes Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, Márcio Reinaldo Miranda Braga e Marivalda Almeida Moutinho, além do suposto idealizador do esquema, Adailton Maturino.
Ao receber a denúncia pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro – exceto no caso do juiz Márcio Braga, denunciado apenas por organização criminosa –, o colegiado ratificou a decisão afastamento dos magistrados pelo prazo de um ano, contado a partir de fevereiro – data em que a corte determinou o afastamento dos quatro desembargadores e dos juízes Sérgio Humberto de Quadros Sampaio e Marivalda Almeida Moutinho.
Entretanto, a situação das prisões preventivas dos réus será analisada pela corte em sessão futura, quando o relator da ação penal, ministro Og Fernandes, levar ao colegiado os recursos contra as decisões monocráticas que negaram a concessão de prisão domiciliar.
Por unanimidade, a corte afastou, no recebimento da denúncia, a possibilidade de majoração das penas pela incidência do artigo 2º, parágrafo 4º, inciso IV, da Lei 12.850/2013 (conexão da organização criminosa com outras organizações criminosas independentes).
Núcleos
De acordo com o MPF, com base em inquérito de mais de 40 mil páginas, o esquema de venda de decisões judiciais para a legitimação de terras no estado era composto por três núcleos: o judicial, formado por desembargadores, juízes e servidores do TJBA; o causídico, que reunia advogados encarregados da intermediação entre os magistrados e os produtores rurais; e o econômico, composto pelos próprios produtores rurais.
Nas investigações, o MPF cruzou várias decisões judiciais proferidas pelos magistrados sob suspeita com movimentações bancárias, chamadas telefônicas e troca de mensagens por aplicativos. Entre os atos judiciais supostamente criminosos, estavam decisões liminares para abertura de matrículas de imóveis, cancelamento de outros registros e o desmembramento de terras em litígio.
Segundo a acusação, o esquema foi idealizado pelo empresário Adailton Maturino e sua esposa, Geciane Maturino, que se apresentavam como diplomatas da Guiné-Bissau, mas não tinham reconhecimento oficial do governo brasileiro. De acordo com o MPF, os dois teriam utilizado empresas de holding para blindar as operações financeiras ilícitas.
Na denúncia, o MPF narrou que os atos de corrupção praticados pela organização envolviam litígios em mais de 800 mil hectares no Oeste baiano e cifras bilionárias. Foram apontados indícios de recebimento de propinas milionárias pelos magistrados e a aquisição de bens luxuosos – como carros, joias e obras de arte – como forma de lavagem de dinheiro.
Hierarquia
O ministro Og Fernandes explicou inicialmente que os autos não discutem se as decisões judiciais seriam materialmente corretas, ou quem efetivamente teria o domínio legítimo sobre as terras – as quais, de acordo com os autos, teriam alto potencial agrícola. Segundo o ministro, os delitos investigados não exigem que os atos praticados sejam materialmente ilegais, mas apenas que as práticas tenham sido orientadas por interesses escusos em um processo de venda sistemática de decisões judiciais com o objetivo de permitir a obtenção de lucros expressivos.
Em relação ao núcleo judicial da organização, Og Fernandes destacou uma série de evidências, trazidas pelo MPF, de que os magistrados se articularam para a prolação de decisões judiciais e administrativas orientadas para que os idealizadores do esquema pressionassem produtores rurais a fazer acordos altamente lucrativos em relação às terras do Oeste baiano – acordos esses posteriormente homologados pelos juízes investigados.
Entre essas evidências, estão os registros de milhares de ligações entre os juízes, os responsáveis pela condução do esquema e escritórios de advocacia, especialmente em datas próximas a várias decisões judiciais que diziam respeito às propriedades em litígio. Para o ministro, também chama a atenção a existência de depósitos judiciais em contas dos magistrados e de movimentações financeiras operadas por pessoas próximas a eles, em valores elevados e incompatíveis com a renda declarada pelos agentes públicos, além da aquisição de bens de luxo.
Segundo o relator, também há indícios concretos de formação da organização criminosa. Para o ministro, apesar de não haver a descrição de uma estrutura rígida e verticalizada do grupo, há indícios da divisão de tarefas e de hierarquia no contexto da dinâmica criminal.
O ministro cita, por exemplo, atos de designação dos ex-presidentes do TJBA Maria do Socorro Barreto Santiago e Gesivaldo Nascimento Britto para que juízes de primeiro grau atuassem em comarcas onde as áreas em litígio estavam situadas – juízes que, na sequência, praticaram atos decisórios em favor dos idealizadores do esquema.
"Essa descrição de divisão de tarefas em formatação reticular se amolda à organização criminosa ora denunciada, em que, apesar de não haver uma hierarquia rígida e verticalizada, se percebe uma sinergia de condutas voltadas, cada qual em seu campo de atuação, ao sucesso do desiderato criminoso", apontou o ministro.
Valores incompatíveis
Além disso, Og Fernandes destacou que a intermediação entre os magistrados e os idealizadores do esquema era habitualmente feita por advogados, alguns dos quais com vínculo de parentesco com os juízes. As investigações também apontaram, segundo o ministro, movimentação de valores e compra de bens de luxo incompatíveis com o padrão financeiro dos advogados.
"Tudo isso contrasta, a não mais poder, com a tese defensiva de que o alto padrão de vida seria fruto do seu sucesso profissional, quando de fato os elementos informativos evidenciam que o denunciado tenta, assim como outros denunciados, fazer uso de profissões de importância constitucional, como a advocacia e a magistratura, para blindar suas atividades criminosas por trás das garantias e prerrogativas que lhes são próprias", afirmou o ministro em relação a um dos advogados denunciados, Márcio Duarte Miranda.