A quarta revolução industrial já é uma realidade e cada vez mais vai transformando as relações sociais e de trabalho em nossa sociedade, mudando também a forma como devem atuar os operadores do direito trabalhista, como procuradores, auditores do trabalho, juízes e advogados. Para interpretar a realidade e poder interferir positivamente na sua evolução de modo a evitar desequilíbrios e promover justiça social, O Ministério Público do Trabalho (MPT) da Bahia e a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) promoveram nessa quinta-feira (21/02) a primeira edição do Simpósio O Futuro do Trabalho – Os Efeitos da Quarta Revolução Industrial na Sociedade, que ocorrerá em outros estados do país.
O evento reuniu os mais importantes estudiosos do tema no Brasil para dois painéis, para uma plateia qualificada. O simpósio marcou ainda a reabertura do auditório do MPT na Bahia, que passou por uma completa requalificação, com novos assentos, revestimento termoacústico e equipamentos de áudio e vídeo. “A ESMPU realizará dez simpósios sobre o tema em capitais brasileiras, levando esse debate crucial para o futuro do MPT e da Justiça do Trabalho para os operadores do direito. E não poderíamos ter iniciado melhor, em Salvador, num evento que marca a reabertura desse excelente espaço de debate que é o auditório do MPT”, destacou o diretor adjunto da ESMPU, Alberto Balazeiro
Na abertura, o procurador-chefe do MPT na Bahia, Luís Carneiro, definiu a importância do tema. “Já passamos pela era do vapor, da eletricidade, dos computadores e agora estamos na fase da inteligência artificial, que irá mudar a forma como nos relacionamos, vivemos e, seguramente, como e quando trabalhamos”, explicou. A coordenadora pedagógica do evento, a procuradora do MPT Vanessa Patriota, disse que “os olhares estão voltados a questões como invasão de privacidade em função do monitoramento eletrônico, excesso de trabalho decorrente do teletrabalho e da ausência de direito à desconexão, sobrevivência da figura do próprio trabalhador ante o surgimento de robôs, repercussão da nanotecnologia na saúde do trabalhador, entre outras. É essencial discutir essas questões para a garantia do direito fundamental ao trabalho digno.”, afirmou.
Autoridades presentes - A mesa de abertura contou ainda com a presença da desembargadora Margareth Costa, diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia; Gerta Schultz, superintendente regional do trabalho; Maurício Lehay, diretor-geral adjunto da OAB-BA; Ivan Isaac, presidente da Associação Baiana dos Advogados Trabalhistas (Abat); Guilherme Ludwig, Diretor Cultural da Associação dos Magistrados Trabalhistas da Bahia (Amatra5); e Pedro Lino de Carvalho Júnior, coordenador do Centro de Estudos Jurídicos do MPT na Bahia.
A mudança de paradigmas já começou, como afirmou o juiz Murilo Sampaio Oliveira. “O marco da quarta revolução industrial é o ano de 2011, quando uma feira na Alemanha apresentou um modelo de inteligência artificial para a gestão de processos produtivos”. Ele lembrou que as grandes gigantes do mundo corporativo estão mudando de perfil, de empresas de produção de bens para empresas de gestão de dados e plataformas. A era da Coca-Cola e da IBM está sendo substituída pela da Apple e da Google, que por sua vez darão lugar a Amazon e Uber em pouquíssimo tempo.
Uberização - A pesquisadora Paula Freitas de Almeida se ateve aos impactos que cada etapa dessa transformação dos modos de produção produziu na sociedade. “Agora, o que vemos é que o ritmo em que as transformações acontecem não permite que as pessoas se preparem para ela, o que pode gerar uma massa gigantesca de pessoas inutilizáveis para o trabalho simplesmente porque as aptidões profissionais que desenvolveram podem se tornar dispensáveis de uma hora para outra”, sentenciou. O mediador do primeiro painel foi o também juiz do trabalho Guilherme Ludwig.
Autora do livro Da Máquina à Nuvem, lançado ao final do evento, a servidora do Tribunal do Trabalho de Minas Gerais e doutoranda pela UFMG Carolina Paes Leme fez uma reflexão sobre a forma como a sociedade e a Justiça brasileira vêm interpretando as relações de trabalho entre plataformas digitais e pessoas físicas que vendem sua força de trabalho através delas. “É impressionante como até mesmo os motoristas de aplicativos de transporte como o Uber não têm consciência de que são empregados do aplicativo e não autônomos, como essas empresas querem que pensemos”. Ela revelou o baixo número de ações trabalhistas buscando o reconhecimento desse vínculo e apontou para uma estratégia deliberada da Uber de atuar na ilegalidade.
Proteção constitucional - Já o doutor em direito pela UFMG Rômulo Valentini alertou para a necessidade de proteger a sociedade brasileira dos efeitos negativos dessa quarta revolução industrial, como têm feito os países europeu e a China. Citou artigos da Carta Magna que devem regular as relações de trabalho. Um deles prevê a proteção dos trabalhadores contra a automação. Já o parágrafo único do Artigo 6º equipara os meios telemáticos e informacionais aos meios pessoais de comando para configurar a subordinação de um trabalhador. “Quando a Uber, por exemplo, determina qual corrida determinado motorista vai fazer é como se um gerente da Uber tivesse dado uma ordem de serviço ao trabalhador e isso configura claramente o vínculo de subordinação do motorista à empresa”, exemplificou.
O juiz Danilo Gaspar, mediador do segundo painel, que reuniu Rômulo Valentini e Carolina Paes Leme, questionou os dois painelistas sobre como a Justiça do Trabalho vem se posicionando em relação ao estabelecimento de vínculos entre pessoas que vendem sua força de trabalho através de aplicativos e essas empresas. A pesquisadora então, mostrou números impressionantes que apontam para um número insignificante de ações no país pedido o reconhecimento do vínculo de emprego para motoristas do Uber. Na Bahia, por exemplo, não há nenhum caso. E apontou anda para o fato de que os tribunais têm se posicionado de forma a não reconhecer esse vínculo.