Direito

ENTREVISTA NO BIAL: Médium João de Deus é acusado de abuso sexual

Com informações do Mais Goiás com dados na entrevista dada a Bial pelas mulheres
Da Redação ,  Salvador | 08/12/2018 às 11:31
Médium João de Deus
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Doze mulheres denunciaram terem sido sexualmente abusadas por João Teixeira de Faria, médium conhecido como João de Deus. Famoso pela realização de “cirurgias espirituais”, ele já atendeu desde a apresentadora americana Oprah Winfrey até o ex-presidente Lula, passando pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso.

No programa que foi ao ar ontem de noite, a produção do “Conversa com Bial”, na TV Globo, relatou que dez mulheres se dizem vítimas de João de Deus, das quais quatro também foram ouvidas por O GLOBO.

Esta reportagem traz essas quatro denúncias e duas novas, exclusivas. Os seis relatos documentados por escrito, que o leitor do GLOBO tem acesso na íntegra abaixo, datam de 2010 a fevereiro deste ano. Os textos são longos e detalhados. Eles foram colhidos ao longo de três meses de investigação. Todos passaram pela aprovação das seis vítimas, das quais cinco pediram sigilo de identidade.

O último capítulo desta matéria é a resposta enviada pela assessoria de João de Deus exclusivamente para O GLOBO.

Denúncias revelam padrão de ação
As denúncias revelam um processo sistemático e padronizado. As mulheres contam que foram desacompanhadas à Casa de Dom Inácio, o “hospital espiritual” mantido pelo médium em Abadiânia (GO). Todas tinham entre 30 e 40 anos no momento em que relatam terem sofrido os abusos. Elas dizem que o médium, durante os atendimentos ao público — quando estaria incorporado por uma entidade espiritual — indicava que deveriam encontrá-lo após o encerramento da sessão.

Sempre colocadas como últimas na fila de espera para o atendimento pessoal, entravam em um escritório que dava acesso à sala de cirurgias. Neste momento, ficariam no local apenas o médium e a paciente. Com a porta trancada e as luzes apagadas, seriam tocadas nos seios pelo líder espiritual de 76 anos, e/ou ordenadas a tocá-lo no pênis, parte de uma “limpeza espiritual”.

Por videoconferência, a holandesa Zahira Lieneke afirma ter sido estuprada em 2014. Ela foi a única vítima a autorizar a publicação de seu nome. Também é a única que conta ter sido penetrada por João.

Assessoria chama denúncias de “fantasiosas”
A assessoria de João de Deus afirma que as acusações são “falsas e fantasiosas”, questiona o motivo pelo qual as vítimas não procuraram as autoridades e afirma que “a sala em questão é pública, qualquer um tem acesso a ela e jamais fica trancada”. A assessoria ainda afirma que a situação “é lamentável, uma vez que o Médium João é uma pessoa de índole ilibada”.

As vítimas contam que não procuraram a polícia logo após os abusos pelo mesmo motivo que pedem para suas identidades serem protegidas: medo de serem perseguidas.

Essa não é a primeira vez que João Teixeira de Farias é acusado de crimes sexuais. Ele já foi acusado de sedução de menor, atentado ao pudor, contrabando de minério e até por assassinato. Em nenhum dos casos o médium foi julgado culpado.

Zahira Lieneke, 34 anos, Holanda

“Quatro anos atrás, quando eu estava em um dos meus momentos mais vulneráveis, viajei para Abadiânia para ver o mundialmente conhecido ‘curandeiro’ chamado João de Deus. Vi muitos vídeos sobre seu trabalho no YouTube, li dois livros e assisti atentamente à entrevista de Oprah com ele. Então organizei uma viagem de cinco semanas a Abadiânia.

Chegando à Casa de Dom Inácio, você entra em uma longa fila de atendimentos. João, incorporado por uma entidade, te dá um máximo de três desejos. Um dos meus foi curar meu trauma sexual. A ‘entidade’ me disse, então, que eu deveria voltar ao fim da sessão para conversar pessoalmente com João, sem ele estar incorporado.

Esperei junto a outras mulheres que formavam uma pequena fila do lado de fora de seu escritório, aos fundos da casa onde as crirugias são feitas, todas aguaradavam para a ‘consulta’ individual. Fui a última. Assim que entrei, a equipe de staff saiu. Fiquei sozinha com ele.

Ele me perguntou por que eu estava ali. Respondi que queria curar meu trauma sexual. Ele assentiu, se levantou e me pediu para ficar em sua frente, de costas para ele.

Ele tocou meu corpo. Me cheirou.

Cheguei ali impressionada com esse homem. Acreditava que ele faria um milagre. No entanto, durante aquela ‘consulta’ algo se apoderou de mim: o sentimento de que ele era um homem sujo. Mas continuei ali, mantendo a fé em seus poderes de cura.

Ele me levou para seu banheiro, em um espaço dentro do escritório. Me colocou em frente ao espelho e me perguntou o que eu via. Eu não entendi o que ele queria dizer. ‘Ehm, eu?’, respondi.

Posicionado atrás de mim, ele pegou minha mão e a colocou em seu pênis. Eu congelei. ‘O que está acontecendo?’, pensei. Ele então me moveu para fora do banheiro. De volta ao escritório, se sentou em uma grande poltrona e me colocou de joelhos em sua frente. Novamente, colocou minha mão em seu pênis e, colocando sua mão sobre a minha, me fez masturbá-lo. Disse para eu sorrir e me ‘sentir alegre’. Eu só sentia repulsa.

Estava congelada pelo pânico. Minha mente seguia girando, continuamente repetindo a pergunta ‘que p*rra é essa?’.

Enquanto isso, ele falava sobre energia e meus chacras. Eu acreditava em milagres. ‘Meu trauma desaparecerá com isso?’, me perguntei, em silêncio.

Ele ejaculou. Disse para eu dar a ele uma toalha e me mandou lavar as mãos. Quando voltei ao escritório, ele me deu pedras preciosas como um presente. Me sentei no sofá, congelada. Me sentia tão suja enquanto olhava para aquelas pedras… Então uma das funcionárias da Casa chega e olha para mim com uma expressão de raiva e de desconfiança. Tudo que eu quero dizer é ‘SOCORRO’, mas estava muda. ‘Que m*rda é essa?’, de novo, eu penso.

Eventualmente, eu consigo levantar e sair. Lembro de ouvi-lo dizendo: ‘você é sempre bem vinda aqui’.

Eu ainda levaria alguns dias antes de voltar à Holanda.

Depois disso, ganhei privilégios especiais na Casa. Todo dia eu entrava nas salas de cura, sentava em uma das cadeiras grandes e ali permanecia por oito horas com os olhos fechados. Durante essa meditação, sentia como se as doenças dos outros passassem através de mim: tossia, quase vomitei várias vezes, me senti comovida. Senti a dor e o coração do povo. Tenho fé que ajudei as entidades a curar outras pessoas. Senti que estava fazendo algo importante.

Em outro dia, em seu escritório, não sei por que entrei lá novamente… ele me puxou violentamente para o banheiro. Enfiou a língua na minha boca. Me virou. Puxou minhas calças e me penetrou por trás. Ele ejaculou. Depois me deu uma toalha.

Meu pensamento foi: ‘O que aconteceria se eu engravidasse? Sentia um total e completo congelamento.’

Quando estava fora daquele lugar, eu confiei na mulher que eu havia conhecido por lá e que comecei a namorar. Quando estávamos longe, dois meses depois, contei o que aconteceu. Nós duas nunca voltamos a nos falar.

Eu tenho medo até agora.”