Uma turma de promotores e juízes jovens está indo fundo nas conexões entre grandes empreiteiras e políticos, arejando a justiça
Fernando Conceição , Salvador |
27/09/2016 às 17:48
O juiz Moro está pondo de pontacabeça o conservador judiciário brasileiro
Foto: DIV
PARTICIPEI ESTA semana, a convite dos professores Rodolfo Pamplona Filho (Juiz do Trabalho) e Nelson Cerqueira do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, de uma mesa redonda em torno de metodologia e novos paradigmas da ciência jurídica.
Queriam que eu aproximasse os pensamentos de Boaventura de Sousa Santos, supervisor de recente estágio sênior pós-doutoral que fiz na Universidade de Coimbra (Portugal), e do geógrafo Milton Santos contra, digamos, as “epistemologias hegemônicas”.
Antes de mais nada deve-se conhecer as pesquisas do cientista político Luciano Da Ros, que apontam ser o Judiciário do Brasil dos mais custosos do mundo.
Em “O custo da justiça no Brasil“, Da Ros afirma que na relação com o PIB (Produto Interno Bruto) o judiciário brasileiro custa aos cofres públicos quatro vezes mais que o da Alemanha.
Como cada um dos quase 20.000 juízes não responde por suas decisões a ninguém, não há uma regra a que todos obedeçam, o que faz que o judiciário seja uma barafunda, quase uma fortaleza inacessível ao comum mortal.
O principal palestrante da referida mesa era o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (RS), Amilton Bueno de Carvalho. Seu tema é o que se conhece por “Direito Alternativo”.
Ele deixou claro que trata-se da interpretação da norma jurídica, fundamentada na Constituição Federal de 1988, a favor dos menos favorecidos na aplicação do Direito.
Atento à sua performance (fala, pausas, articulações e gestos), aos poucos me pareceu conhecer o palestrante de outro evento parecido. Isso teria sido em 2002 quando, com despesas pagas pelo Les Verts (Partido Verde da França), fui a Porto Alegre (RS) participar do Fórum Social Mundial (FSM).
Curiosa coincidência – informei isso à plateia no preâmbulo de minha palestra. Há alguns dias pesquiso sobre o funcionamento do Poder Judiciário brasileiro, na afirmação da hipótese que aqui exponho.
A chamada Operação Lava Jato somente progrediu devido ao fato de que o corpo de juízes que atuam nos Estados sulistas (Paraná e Rio Grande do Sul, como exemplos) é mais progressista que os juízes instalados em outros Estados.
Estivessem as investigações a cargo do judiciário existente, digamos, no Estado da Bahia, é plausível supor que a Lava Jato teria fracassado no nascedouro.
Isso porque, basta analisar os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), expressos na publicação “Justiça em Números” (2015 [clique e leia]), para constatar: o Judiciário baiano é o pior do país.
Na prestação de serviços jurisdicionais, na resolução dos conflitos, no tempo gasto para julgar e em todos os demais índices analisados pelo referido estudo, o TJBA é uma lástima – aponta o CNJ. As nossas faculdades de Direito, de onde saem os próceres dos nossos tribunais, tem algo a ver com isso?
Estruturalmente ineficiente e ultraconservadora, apesar de custosa e bem aparelhada, a Justiça da Bahia contrasta em muito com a Justiça gaúcha, a do Rio de Janeiro, a de São Paulo, a do Paraná – para comparar Estados não muito disparatados demograficamente. Os Tribunais de Justiça daqueles locais são os que melhor funcionam, dizem os números.
Ali na mesa estava aquele desembargador para confirmar ou repelir a hipótese exposta. Seria a mesma pessoa que, 15 anos atrás, falou para uma enorme plateia no FSM, causando boa impressão a este escrevinhador, na direção de que, sim, é possível que a Justiça, por seus juízes, possa promover o bem-estar social, rompendo com as arcaicas estruturas de um Estado patriarcal e branco, herdeiro do escravismo colonial?
Não fosse a Justiça gaúcha e a luta do Movimento dos Sem-Terra (MST), que ganhou corpo a partir dos anos 1980, fracassaria. Graças a decisões do TJRS na interpretação constitucional de que a propriedade fundiária deve obedecer ao interesse social, o MST firmou-se como um dos mais importantes da América Latina.
O desembargador Amilton Carvalho confirmou ser ele mesmo o juiz que me impressionou há 15 anos, ao descrever um caso de estupro ocorrido em Porto Alegre.
Duas jovens menor de idade foram violentadas por um sujeito, soropositivo. Diante da análise do processo, com o detalhamento minucioso das preliminares e dos atos praticados pelo estuprador, a fúria do julgador foi tanta que ele, o juiz Carvalho (agora desembargador), preferiu se declarar impedido. “Eu não faria justiça, mas vingança, pela raiva que senti dele”.
O caso o marcou de tal forma – dizia Amilton Carvalho à audiência do FSM e novamente relembrava a meu lado 15 anos depois -, ainda mais porque nunca havia se declarado impedido, que levou o assunto ao divã do terapeuta.
E aí vem a revelação, que chocou a plateia. A psicanálise teria revelado que sua raiva era por inveja do estuprador. Queria estar no lugar dele na hora dos atos libidinosos.
É preciso ter muita coragem, muita honestidade para confessar isso. Como leitor e conhecedor de Nietzsche, Amilton Carvalho, desde aquela época, deixou-nos a impressão de ser possível ter um Judiciário menos pedante. E isso pode vir dos Tribunais mais avançados (no contexto brasileiro) sediados no sul.
DE FATO, NAS mãos do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná e do juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, capital daquele Estado, Luiz Inácio Lula da Silva, tornado réu pela segunda vez em conexão com a Lava Jato, tem mesmo com o que se preocupar.
Uma turma de promotores e juízes jovens está indo fundo nas conexões entre grandes empreiteiras e políticos, arejando a justiça, tradicionalmente leniente com os poderosos. Se Lula está na fila, essa turma precisa mostrar ao país que age não partidariamente, inserindo caciques de outras siglas partidárias citadas nas investigações.
Contudo será traumático porque, primeira vez na história do país, um ex-presidente da República poderá ser preso (se condenado).
Não agrada a ninguém de bom senso e responsabilidade ver na cadeia esse líder popular, estrela do partido político melhor entranhado nas organizações sociais, o PT.
Chance de escapar ele tem. Basta criar um estratagema de fuga antes do mandado de execução da sentença, se declarar “perseguido político” e dar no pé rumo ao estrangeiro.