Direito

Advogado fala sobre Limitação da Banda Larga

“Limitação da Banda Larga afronta Código de Defesa do Consumidor e impõe restrições a serviços essenciais para a sociedade”, afirma advogado
Cláudia Guimarães , Salvador | 25/04/2016 às 17:49

Muito tem se falado,ultimamente, sobre a possibilidade de limitação da banda larga, o que causou grande mobilização entre os consumidores nas redes sociais. O que pouco tem sido discutido é o fato de que essa limitação não encontra amparo no ordenamento jurídico. Pelo contrário. Tal tentativa apresenta-se em rota de colisão com o movimento mundial de universalização do acesso à internet, que no Brasil emerge de recentes inovações legislativas, como o Plano Nacional da Banda Larga (Decreto nº 7.175/10) e o Marco Civil da Internet (Lei nº. 12.965/14). 

Sabe-se que o setor de telecomunicações tem passado por diversas modificações, especialmente em relação ao desenho de grandes conglomerados econômicos, devido às recentes fusões e incorporações de empresas de telefonia fixa, móvel e TV por assinatura, razão pela qual essas empresas desejam limitar a conexão de banda larga. Para o advogado Saulo Guimarães - Consultor e Advogado especialista em Direito Civil e Constitucional, pós-graduado em Direito do Estado e sócio do escritório Freire & Guimarães Advogados Associados – essa mudança visa tão somente a hegemonia do setor. 

“Em verdade, trata-se de investida para buscar a manutenção da hegemonia do setor, que vem perdendo parte do poderio financeiro devido à queda de receita dos serviços de voz e TV, que cede lugar a novas plataformas de serviço, especialmente os aplicativos de comunicação whatsapp, viber entre outros, bem como os serviços de streaming de vídeo, notadamente o Netflix, que transitam em redes de dados, cuja rentabilidade é demasiadamente inferior. Ou seja, a mudança representa um verdadeiro contrassenso, injustificável juridicamente”, analisa.

O tema, além de polêmico, vai de encontro ao direto do consumidor e das telecomunicações, atingindo a esfera das políticas públicas, bem como do direito fundamental à cidadania. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a operadoras de internet não podem modificar unilateralmente o contrato firmado com seus respectivos consumidores. Segundo o art. 51, VIII do CDC, são nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. 

Outra questão que reafirma a impossibilidade de limitação é a proteção dada ao consumidor em casos de cláusulas abusivas. O CDC também considera nula as obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. No caso da limitação da banda larga, se aplica ao caso o conceito de vantagem exagerada para as operadoras, o que é vedado por lei, como explica o advogado. 

“Segundo a lei, a prestação de um determinado serviço é considerada vantagem exagerada quando se mostra excessivamente onerosa para o consumidor. Além disso, é preciso considerar que não há justificativa plausível para a imposição do limite, visto que o serviço, há décadas, é prestado sem qualquer restrição, bem como que o consumo da franquia estipulada geraria tarifação excessiva”, declara. 

De acordo com a Lei nº. 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet, é assegurado aos usuários a prestação ininterrupta do serviço, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização, bem como a manutenção da qualidade contratada da conexão à internet. Para Saulo Guimarães, a limitação da banda larga acabará, mesmo que indiretamente, inviabilizando o acesso à internet. “Como ocorre na internet móvel, a redução da velocidade para nível equiparável à da internet discada, como praticado por muitas operadoras, termina por inviabilizar por completo a navegação, o que, na prática, se apresenta como suspensão do serviço, configurando violação da qualidade contratada ”, explica. 

É importante ressaltar que a limitação acabará por restringir diversos serviços essenciais para a sociedade. “No universo corporativo, a mudança surtirá efeitos ainda mais nocivos. Afetará serviços baseados na tecnologia “streaming”, notadamente serviços de transmissão de imagens como educação à distância, videoconferências, videoaulas, monitoração de câmeras de vigilância, acesso à sistemas remotos. O impacto seria tão grande a ponto de se extirpar até mesmo a disponibilização gratuita de acesso à rede wifi em estabelecimentos comerciais, dada a cobrança adicional que suportará o contratante”, diz Guimarães. 

Além disso, é importante destacar que a caracterização da internet como serviço público essencial, tal como a energia elétrica, o gás e a água, faz com que a legislação imponha que estes sejam prestados de forma contínua (ininterrupta), princípio que se sobrepõe às questões meramente comerciais e tarifárias das concessionárias que os exploram.

Cabe à Anatel, portanto, a regulação do mercado de internet a partir destas premissas, de modo a coibir o abuso econômico pretendido pelas operadoras de telecomunicações, até porque, ao contrário do afirmado pelas operadoras para justificar a mudança, as redes de internet fixa não sofrem variações de qualidade como a internet celular, de modo a preservar a própria universalidade do serviço.