Cultura

O CHORO DE UM HOMEM NEGRO, por MARCELA RIBEIRO

O Armazém Docas Dom Pedro II deixará de carregar o nome do imperador e passará a se chamar Armazém Docas André Rebouças
Marcela Ribeieo , Brasil | 17/09/2025 às 09:41
João Jorge Rodrigues e André Rebouças
Foto: DIV

Neste dia 16 de setembro, meu coração foi atravessado pelas lágrimas de um homem negro. Ele chorou em silêncio diante da notícia de que o Armazém Docas Dom Pedro II deixará de carregar o nome do imperador e passará a se chamar Armazém Docas André Rebouças. Não havia palco, não havia microfone, não havia câmeras. Não havia vaidade a ser exibida, nem pose estudada para redes sociais. Havia apenas um instante raro de verdade: um homem tomado pela emoção, chorando a história inteira.

Naquele olhar cabia uma vida de luta. O corpo idoso não era fardo, era testemunho. Só quem atravessou décadas de militância compreende a profundidade dessa vitória. Só quem viveu os silêncios, as derrotas e as exclusões entende o que significa inscrever o nome de André Rebouças na memória oficial do país.

Lembrei do meu avô preto, trabalhador. Do meu pai negro, médico. De como sempre foi mais difícil, de como a vida exigiu não apenas esforço, mas resistência diária. Pensei em Rebouças, engenheiro e abolicionista, atravessando o Brasil escravocrata do século XIX. E percebi que coragem é fio que costura gerações.

Hoje muitos falam bonito, acumulam diplomas, cargos, títulos, línguas. Mas autenticidade não nasce disso. Autenticidade não se compra nem se veste como roupa de ocasião. Quem é verdadeiro, seja branco ou preto, não isola, não despreza, não negocia afeto em troca de interesses mesquinhos. Quem é verdadeiro se comove. Quem é verdadeiro chora, sem plateia, diante de um gesto de reparação.

Retirar o nome de Dom Pedro II, imperador exaltado enquanto sustentava um império escravocrata, e colocar em seu lugar o nome de André Rebouças é reparação, é afirmação política, é vitória histórica do povo negro.

O homem que chorou com tamanha beleza e verdade se chama João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Cultural Palmares. E eu me sinto sortuda por ter testemunhado o instante em que sua emoção me atravessou, provando que grandeza não se fabrica: se vive.