É no governo de Mariano Silvio Ribeiro sendo governador da Bahia José Gonçalves da Silva que Serrinha ganha foros de cidade, em 30 de junho de 1891, portanto 15 anos depois de emancipada.
Tasso Franco , Salvador |
16/09/2025 às 09:24
O trem chegou em Serrinha a 18 de novembro de 1880
Foto: REP
Documento histórico passado em cartório na cidade do Salvador registra que Bernardo da Silva, baiano descendente de portugueses e morador na Fazenda Tambuatá, arrendatário de terras da Casa da Ponte (Guedes de Brito) adquiriu, não muito distante donde morava com a família, ao que se diz desde final do século XVII, um sitio chamado Serrinha que era melhor localizado para negócios, no caminho da Estrada Real das Boiadas.
É o que se lê, no documento de alienação das terras dos Tocós, 1716, escritura pública de venda que dona Isabel Maria Guedes de Brito passou ao capitão Antonio de Affonseca Correia, morador em Cachoeira, quando pela primeira vez se fala da Fazenda Serra Serrinha, a estrada da Maçaranduba onde residia o capitão João Alves Figueira, a Fazenda Tambuatá onde morava Bernardo da Silva.
Noutro documento, Bernardo compra a Fazenda Serra Serrinha de Joana Guedes de Brito e do seu marido João de Mascarenhas, em 7 de setembro de 1723, por 2.200$200 (1)
Em História Territorial do Brasil, de Felisbello Freire (1959-1916) “a estrada das boiadas que passava na Feira Velha de Pojuca ladeava o rio, chegava a Aramarys, seguia para Água Fria, onde a estrada toma direção a Serrinha, local de muitos moradores e havia excelente rancho de gado, daí chegava a Tambuatá, lugar habitado e de criação de gado”
Esse documento é relevante para retirar algumas dúvidas e esclarecer fatos e erros ainda hoje muito praticados, comum se dizer nas escolas, na política e até no meio acadêmico de que Bernardo da Silva foi o fundador da cidade de Serrinha e do município.
Não. Isso é incorreto.
Bernardo e família foram os fundadores e incentivadores do povoado uma vez que já existia um Sítio chamado Serrinha (esse topônimo é diferente do que se entende, hoje, por sitio, área de lazer) que era uma rancharia ou um ponto de passagem mais largo da Estrada das Boiadas, onde era possível pernoitar sem que o gado se espalhasse e onde os vaqueiros descansassem.
Ao que se supunha, o que era comum nesses locais, havia um morador lider (ou mais de um) com sua família, fogão de lenha, área para banho, água de beber e comida para os vaqueiros e redes armadas na rancharia para dormirem.
Bernardo da Silva, portanto, nem criou o nome de Serrinha (derivado das serras) que já existia, nem fundou a vila nem o município desmembrado de Irará, o que só vai acontecer, em 1876; e muito menos a cidade, fundada em 1891, uma vez que já tinha falecido há 100 anos.
Esses movimentos foram obras dos seus descendentes, o pai Geza (Miguel Carneiro Ribeiro) e outros; a Mariano Sylvio Ribeiro (primeiro intendente 1889-1893).
O mérito de Bernardo e família se alicerça no pioneirismo, na visão empresarial que teve do local de passagem de bois e gente de fora. No rastro dessas boiadas vieram os mascates, os ferreiros, os carpinteiros, os pedreiros, os comerciantes e outros que foram se fixando no largo desse campo certamente com seu consentimento, pois, uma coisa puxava a outra em negócios.
E como sua esposa era católica e devota da avó de Jesus Cristo ergueu uma capela e mandou construir uma casa maior e com janelas envidraçadas, um sobrado, um tanque que fosse grande e largo como o Brasil, dando o nome de Nação, e o povoado bateu sino, tocou foguetes e foi crescendo com os anos.
Foi assim que nasceu o povoado da Serrinha num campo comprido e largo que foi se ajustando ao longo dos anos na paz e não como nas terras do velho Oeste dos Estados Unidos porque os colonos desse Sertão de Tocós não enfrentaram tapuios rebeldes.
Desbravadores que viviam na paz, em rezar aos santos e na labuta diária no manejo dos bois, no plantio do milho e feijão, do cultivo da mandioca e produção artesanal da farinha, da cria de animais domésticos. Assim, o largo do gado ganhou um cruzeiro em frente a capela, novos moradores foram chegando, fazendeiros que tinham suas casas nas roças foram se instalando no povoado e assim surgiu uma feira livre da compra e venda de gado, de couros, de galinhas, de ovos, de caças, etc e o local ganhou nome de praça. E surgiram as ruas e os becos, ainda sem nomes.
Foi o primeiro logradouro do povoado que se dizia também praça das Barrigudas (árvores) e foi oficializada, somente, em 1890, como Praça Manoel Victorino (4), em homenagem ao governador que criou por lei o município, e único baiano até os dias atuais que chegou a presidência da República, ainda que interinamente no governo Prudente de Morais (1896-1897) (5);
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Meu avô Jovino Alves Franco era natural da Fazenda Lagoa Grande, Irará, e chegou a Serrinha entre 1895/1905 a família se mudando para Lamarão, creio, na trilha da fumaça do tem.
O trem representava a mobilidade, novos negócios em cereais, carnes e couros, a revolução industrial em sua segunda fase, do uso do ferro nas construções, do vidro, dos motores, etc, que se iniciou na Inglaterra (1ª fase de 1726-1850; 2ª fase (1860-1918) e o trem representa esse avanço tecnológico.
Irará ficava isolado, noutro caminho. Meu bisavô José Alves Franco, ao que tudo indica, percebeu esse giro e vendeu a “Lagoa Grande” e se mudou com a família para o Lamarão, na linha do trem, do progresso.
E meu avô, jovem, forte, roceiro, montador de burro, trilhou mais um pouco na linha do trem e foi parar num barreiro e na Fazenda Boa Vista (não saberia dizer se foi ele que deu esse nome), mais próxima de Serrinha, e fincou os pés no chão criando bois e plantando feijão e milho.
Minha vó paterna Roza de Lima Coutinho era da vila, filha de José Guimarães e Maria Coutinho, a essa altura já com status de cidade conferido por Manoel Victorino graças a luta dos seus parentes e se casou com Jovino, a essa altura, 1906/1908 viúvo de sua primeira mulher, da família Gonçalves. Jovino e Rozas formaram um casal perfeito donde nasceu meu pai, Braulio de Lima Franco, em 1910.
Não diria que fosse perfeito em tudo. Nenhum casal é. Conviveram bem até a morte.
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Meu avô materno, João Paes Cardozo é da 6ª geração de Bernardo da Silva filho de Manoel Paes Cardozo e Porcina, bisnetos de Bernarda e Vicente Ferreira da Silva; e minha avó Leonor era natural de Água Fria, filha de Antônio da Silva Doca e Leonor da Silva. O casal teve cinco filhos: Álvaro, Dalva, Zilda, Aderaldo e Celina a partir da década de 1910.
Vale observar para melhor entendimento dos leitores que todo esse território estava relacionado com Serrinha que era distrito de Irará até sua emancipação, em 1837 e ligada a Paróquia de Água Fria e a linha do trem interligava Serrinha-Lamarão-Água Fria até chegar em Alagoinhas.
A estrada de ferro demorou 37 anos para ser construída. O primeiro trecho Salvador a Alagoinhas (1859/1863); Alagoinhas a Serrinha (1863/1880); Serrinha a Bonfim (1880-1894); Bonfim a Juazeiro (1894-1896). Ou seja, começou no Império e terminou na República.
Creio, não tenho muita certeza, que meus bisavós maternos estavam presentes na gare do trem quando a máquina de ferro chegou a Serrinha em 18 de novembro de 1880.
Bibliografia:
(1) FRANCO, Tasso Paes, Serrinha, a colonização portuguesa numa cidade do Sertão da Bahia, pag. 61
(2) Vida Joana Guedes
(3) FEIRE, Felisbello, História Territorial do Brazil
(4) Manoel Victorino Pereira foi governador da Bahia de 23 de novembro de 1889 a 26 de abril de 1890, período em que a 10 de fevereiro de 1890 assina decreto que instalou a Intendência).
(5) Há uma bibliografia imensa sobre o governo Prudente de Morais, paulistano de Itu, que se afastou do governo para fazer uma cirurgia e foi substituído por Manoel Victorino. Prudente sofreu um atentado quando morreu o ministro da Guerra, época da Guerra de Canudos. Etc..