Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA 1964 GOLPE, O CAPITÃO E O PUM DO MAESTRO F. VITA

Em pré-venda na Livraria Escariz do Shopping Barra e nos portais da internet, com noite de autógrafos dia 11 de setembro
Rosa de Lima , da redação em Salvador | 06/09/2025 às 07:38
Lançamento dia 11 de setembro
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   O jornalista Fernando Vita lança no próximo dia 11, na Livraria Escariz, Shopping Barra, em Salvador, seu novo livro intitulado “1964 – o Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro (GERAÇÃO EDITORIAL, SP, 301 páginas, capa, projeto gráfico e diagramação Alan Maia, R$75,00) um ensaio satírico sobre destemperos que se deram durante a Revolução de 31 de Março de 1964, no Brasil, o golpe de estado militar que destronou João Goulart e provocou uma pororoca de perseguições aos comunistas que eram supostamente financiados pelo ouro de Moscou, e o que aconteceu na cidade de Todavia (criação do autor) localidade do Recôncavo baiano e que teve alguns dos seus patrícios sob a mira dos fuzis do capitão patriota Ludovico César Roldão Ramos Neto.

 Essa Todavia à semelhança de outras vilas e cidade do Brasil era também povoada por anarquistas, integralistas, gente do povo, autoridades civis e militares, o clero, as mexeriqueiras, as fudionas, doidinhos, malucos beleza de todo naipe, enfim, um caleidoscópio do que era o Brasil nos anos 1960, no momento da revolução de costumes na França com Daniel Cohn-Bendit; e no campo religioso católico com as inovações propostas à igreja pelo papa João XXIII.

  Eis, portanto, Todavia e sua gente no olho do furação, um perigo à Pátria na visão tresloucada do capitão Ludovico, comandante do TV-115, a querer mostrar serviços ao general comandante da VI RM e sair-se bem na fita com os superiores militares donos do poder em Brasília. Quiçá ser aquinhoado com alguma comenda.
  Não imaginava o glorioso capitão que, Todavia, era insubmissa. Que o povo unido jamais será vencido, que o anarquismo e os costumes locais são soberanos, que a localidade tinha autoridades briosos nas representações do seu prefeito, no delegado de Polícia e no vigário, que os citados no envolvimento de possíveis atos subversivos nunca existiram de fato, e sequer cogitaram infringir algo contra a Pátria. Eram, portanto, pessoa do bem, eleitores do prefeito, trabalhadores e distintos pais de famílias.

  Portanto, o militar do Exército que chegara a Todavia para instalar o TG-115 e fora recebido com pompa e a presença das autoridades na gare do trem, era benquisto e inicialmente respeitado e admirado, com o correr do tempo, dada as suas estripulias em cama com uma senhora local e esquisitices de comportamento, teve sua vida pregressa levantada pelos estudiosos locais e viu-se que não era flor que se cheirasse, um contumaz corno de caserna, e com o aflorar do golpe e em querendo humilhar e prender pessoas do bem de Todavia acusados de serem comunistas e anarquistas, sem serem, sem mal algum causarem à Pátria, foi colocado na reserva e retornou ao Rio de Janeiro, donde viera, para terminar seus dias jogando dominó com outros milicos nos arredores do Forte de Copacabana. 

  O livro 1964 integra uma coleção de outros cinco títulos desta série que se passa na mítica Todavia – “Cartas Anônimas”,  “O Avião de Noé”, “República dos Mentecaptos”, “Desirée – a Sexóloga que não sabia amar”, e “Tirem a doidinha da sala que vai começar a novela”, cada qual com um enredo diferenciado do outro embora em todos o autor use a mesma linguagem no estilo José Saramago e/ou Valter Hugo Mãe, claro, com sua criatividade própria, personagens típicos do Recôncavo, as paisagens, os ambientes e as tiradas de cada qual.

  Diria que Fernando Vita é um mestre nesta arte de escrever inigualável na literatura baiana, seus personagens são fantásticos e têm vida assemelhada aos que vivem, na real, no Recôncavo. E são também universais. Doidinhos em portas de igrejas existem em todos os lugares do mundo, punheteiros e mulheres do sexo livre idem-idem, lunáticos, místicos e profetas existem em demasia à Oriente e à Ocidente, assim como fanhos, desocupados e anarquistas do senso comum.

  Eu, particularmente, sobre a série, que já li todos os livros, o que mais me sensibilizou foi o “Avião de Noé”, a águia voadora de Todavia, o sonho de um inventor no modelo Santos Dumont, que construiu uma máquina de voar com sucatas no quintal de sua casa e que ganhou os céus graças a persistência de Noé, a tradução de um idealismo que ainda existe em mentes pensantes inquietas e fora do círculo de amparo dos cofres públicos. 

  Mas, claro, os leitores têm certamente seus pontos-de-vista diferenciados do meu. Todos os livros são ótimos, bem humorados, bem escritos e cada qual conta uma viagem. Fernando Vita, em si, é um baú de memória histórica invejável e ao citar, por exemplo, o canivete Corneta, as vitrolas RCA Victor, as lâmpadas Aladim e tantos outros modelos de utilitários em desuso em seus livros, padres do catolicismo secular e delegados calça-curtas, entre outros, o faz da cabeça boa que tem, da cachola, sem a necessidade de ir ao pai dos burros, hoje, nos iPhones.

  Nesse último livro, objeto do nosso comentário, o autor trabalha num tema sensível (o golpe militar de 1964) e o faz com extrema habilidade uma vez que o assunto já teve inúmeras abordagens na literatura (e ainda os tem), mas, nada que se pareça com “1964 O Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro” revelando em amplitude micro (Todavia) o que se efetivou no marco ( Brasil) na perseguição a pessoas que, eventualmente, até discordavam do sistema golpista e em tempos anterior eram simpáticas a Goulart, mas, nunca estiveram envolvidos diretamente em qualquer trama golpista pro comunismo no país ou regime ligado ao mussolinismo.

  No fundo, a obra de Fernando Vita traduz essa mensagem personificada na figura do militar capitão Ludovico e no outro lado do front personalidades como Sinhô Aleijado, Moisés da Farinha, o monarquista Estevão Sampaio, o comunista Fernando Seminarista, o integralista Oseas Guimarães e outros, o que revela num sentido mais amplo, numa visão ampliada, o que, de resto, também se passou no Brasil em várias localidades, centenas de Ludovicos a apontar suas baionetas raivosas e politizadas com pessoas que pagaram patos que não era seus.

   Em particular, no contexto da literatura em si, da linguagem, creio que, na Bahia, ninguém se aproxima de Vita na maestria de escrever no estilo que o jornalista o faz, arte deveras difícil e só praticada por quem conhece e sabe manejar o português, língua que também permite e esse tipo de firula. 

  Vamos a um trecho: - Mas o Capitão Ludovico, convenhamos, a essa altura deve estar por dever de oficio e clamor do coração muito mais preocupado com o ovo – não com os ovos, os seus, os que repousam em par, balançantes como badalos de sinos de bronze em medievais catedrais, em sua sacaria relaxada que o suporte atlético da Big, abriga e dá sustança em suas performances de Tarzan de opereta – mas justo com aqueloutro supracito, o da serpente, o que coube à viúva Henriqueta por ao ninho de suas preocupações com a epifania do advento ameaçado do comunismo no Brasil.

   Profundo. Delicioso. Um texto que do inicio ao fim tem essa pegada sem ser enjoativo – afinal são 300 páginas - sem repetições fora do contexto, liso, limpo, bem posto a cada movimento do capitão desde o prosaico momento em que organiza a tropa do TG-115, os nomes dos recrutas, os números, os acampamentos, as armas do tempo do onça, a vida citadina de Todavia, o vendedor de temperos, o alfaiate, o vigário, o motorista do fenemê, enfim, uma quantidade imensa de tipos populares que só um grande escritor sabe traduzir nas linhas da língua de Camões. 

   Em especial, claro, o maestro Sóter Barros e seu pum, o anarquismo em sua essência justo quando a 21 de abril de 1964 deu-se uma solenidade organizada pelo capitão com toda a pompa, autoridades presentes, a Lyra enfileira, se daria a transferência dos presos políticos de Todavia para a capital da Bahia. 

  O livro, em si, é também anarquismo de ponta a ponta. Afinal de contas Fernando Vita é neto do Giuseppe Vita, o velho anarquista de Trecchina Basilicata que veio morar na Bahia.