Um estudo sobre o mais destacado revolucionário baiano do final da colônia e inicio do império no Brasil
Rosa de Lima , Salvador |
06/07/2025 às 11:46
Livro: Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade
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Uma das personalidades mais revolucionárias do Brasil colônia (final do período) e imperial (primeiro e início do segundo impérios) foi Cipriano José Barata de Almeida (1762-1838). Nas comemorações ao 2 de Julho, em 1830, cerca de 3 mil homens, entre civis e soldados desfilaram pelas ruas de Salvador com ramos de cafés nas mãos, em imponente afirmação da identidade patriótica.
A figura simbólica de Cipriano Barata médico e jornalista editor do “Sentinela da Liberdade” se institucionalizou usando um chapéu de palha numa demonstração de adesão à causa patriótica, brasileira e constitucional, em confronto com o campo político do despotismo português; a casaca de algodão da terra, fabricada na Bahia ou no Brasil, representava o enfrentamento do predomínio britânico na economia brasileira através de manufaturas de tecidos – propunha, pois, usar roupas fabricadas no Brasil; e o ramo do café uma cultura agrícola tipicamente nacional.
Comentamos, hoje, o livro do historiador Marco Morel, “Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade” (Editora ALBA Cultural com Academia de Letras da Bahia, 2001, 410 páginas, edição, capa e projeto gráfico Luís Guilherme Pontes Tavares, ilustrações Henrique Passos - capa) que narra de forma bem documentada e comentada a vida deste revolucionário, ativista da Conjuração Baiana (1796), da República em Pernambuco (1817), deputado constituinte (1823) e autor do jornal “Sentinela da Liberdade” que defendia a independência do Brasil com mudanças radicais e o fim da escravatura.
Para o historiador Luís Henrique Dias Tavares, que assina o prefácio do livro publicado quando Cláudio Veiga era o presidente da ALB, Cipriano Barata não foi “um produto típico da ideologia anti-humana e anti-lógica que em 1789 espalhou pelo mundo” conforme o julgou o Luís da Câmara Cascudo. Ele não esteve à direita ou à esquerda. Foi o sistema colonial que o encarcerou de setembro de 1798 a janeiro de 1800. Foi o regime fechado e obtuso do chamado Primeiro Império que o colocou mártir das posições republicanas, federalistas, antiescravistas, que não eram exatamente as suas. Havia, portanto, um Cipriano Barata histórico, que desafiava os pesquisadores, tais as lacunas em sua biografia; um Cipriano esteriotipado pela repressão absolutista de 1824-1825 e por quantos já se utilizaram dele como exemplo de ‘agitador’ ou ‘revolucionário”.
Segundo Luís Henrique Dias Tavares o trabalho de Marco Morel revela-nos o “mais completo Cipriano José Barato de Almeida”.
Diante de personagem com biografia tão complexa e que viveu num tempo em que as informações não eram tão documentadas e preservadas, Morel teve uma trabalho enorme para realizar a sua obra e a formatou dividindo-a em quatro partes, iniciando com “A Bahia na era das revoluções” – sociabilidades intelectuais em Coimbra, revoluções presentes e pretéritas em 1798, primeira prisão, confusões em família no alvorecer do século XIX, República em 1817 – uma cabeça que não foi cortada e os modelos possíveis para uma nova nação.
Conceitua Morel: “O que se conhece da vida de Cipriano Barata antes dos anos 1820 pode ser resumido em dois momentos: a ida para a Universidade de Coimbra e o envolvimento na chamada Conjuração Baiana de 1798, além de fugazes referências sobre a tentativa de implantar a República de 1817 na Bahia algumas informações sobre relações familiares e de amizade”.
A Bahia – monde nasceu Cipriano – nesta época, mais especificamente a cidade do Salvador, era “um local onde se entrelaçavam natureza exuberante e miséria, numa sociedade ainda mais dessemelhante do que a cantada por Gregório de Mattos um século antes” e as primeiras noticias desse personagem aparecem quando se matriculou na Universidade de Coimbra no final do século XVIII para cursar filosofia e medicina e, entre seus contemporâneos, estava José Bonifácio de Andrade e Silva, José Egídio Alves de Almeida (depois, secretário particular de dom João VI, marquês de Santo Amaro), Manuel da Câmara Bittencourt (futuro intendente de Diamantina) e Manuel Jacinto Nogueira da Sama (futuro marquês de Baependi).
Cipriano Barata era um dos membros da elite letrada do final do século XVIII no Brasil, da mesma geração dos inconfidentes mineiros, de uma suposta agremiação acadêmica secreta chamada “Cavalheiros da Luz” e era participante da Conjuração Baiana de 1798 e esteve relacionado entre oito homens brancos na lista dos 32 réus presos e processados pela Coroa portuguesa e preso em setembro de 1798. Depois de 14 meses presos é sentenciado e absolvido por falta de provas com outros 13 detentos.
Nessa conspiração foram executados os negros Lucas Dantas, Manoel Faustino, João de Deus e Luiz Gonzaga e Barata escrevia em 1823 um registro testemunho no seu jornal: (...) um segredo por bem da Pátria eu estive nu em suores, como um grande bispote no nariz; com um monte de correntes por travesseiro, e uns chichelos que foram de um enforcado por fronha; e o meu rosto achou todo bem macio, e mais uns grilhões aos pés com 36 carretéis de peso; roído de piolhos, percevejos, ratos, picados de lacraias etc”.
Depois, Cipriano envolveu-se no movimento revolucionário da República de 1817, em Pernambuco, que também será proclamada na Bahia, e como elemento colaboracionistas de presos e trazidos para Salvador, alguns executados no Campo da Pólvora.
Eleito no dia 21 de setembro de 1821 como deputado em Salvador, Cipriano Barata voltaria à Europa depois de quase três décadas desde a sua formação na Universidade de Coimbra sendo eleito relator da Comissão sobre os Negócios do Brasil e defendeu, entre outros, o desmantelamento do aparelho repressivo na colônia (7 de fevereiro de 1822) “que se extinguissem todos os calabouços e masmorras que acham dentro d’água ou debaixo de abóbodas úmidas, indo já ordem a Bahia de Todos os Santos para fazer tudo isso, ficando logo extinta a prisão que se acha debaixo da abóboda do Forte de São Pedro” e a infernal masmorra do Forte do Mar” e tratou a questão escravista com abordagem de conceitos de cidadania: “Os mulatos, Sr Presidente, cabras, crioulos, os índios, os mamelucos e mestiços são gente nossas, são portugueses e cidadãos muito honrados e valorosos”.
Lembrando que veio o Fico de Dom Pedro e a Independência do Brasil e a representação dos brasileiros em Portugal perde sentido ainda tendo uma sessão, em Lisboa, dia 19 de setembro, quando Cipriano faz o último discurso e os deputados brasileiros se exilaram na Inglaterra e não assinaram a Constituição Lusa seguindo para Londres foragidos Antônio Carlos de Andrade, Costa Aguiar, Diogo Feijó e Silva Bueno, e os baianos Agostinho Gomes, Cipriano Barata e Lino Coutinho.
Ao voltar para o Brasil, Cipriano se indispõe contra o governo de Dom Pedro I e os termos constitucionais seu antagonismo com José da Silva Lisboa (Visconde de Cayru) e na noite de 9 de abril de 1823 nasce o número 1 da Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Alerta! Jornal revolucionário que durou 65 números todos escritos pelo baiano que foi detido à Corte em dezembro de 1823 e levado para o cárcere na Fortaleza de Santa Cruz.
A partir do primeiro reinado há uma série de episódios envolvendo Cipriano e os barões do governo e ele segue no cárcere e editando o Sentinela da Liberdade com vários títulos de guaritas (de acordo com suas prisões) ... da Guarita do Forte e São Pedro; da Guarita do Pará; da Guarita da Beira Mar da Praia Grande, etc,
Morreu em 1 de junho de 1838, aos 76 anos de idade, em Natal, a convite do presidente da Provincia do Rio Grande do Norte, Manoel Ribeiro Lisboa.
Quem tiver o cuidado de ler o trabalho de Morel vai observar que Cipriano não foi (como aparentemente pode parecer) um revoltado contra tudo e todos, mas, um homem que tinha ideias de um brasileiro para os brasileiros sem a ingerência da Corte portuguesa e sem os grilhões que acorrentavam seu povo, especialmente aqueles que sociedade escravista e que eram extremamente explorados.
Com a implantação do Império, a partir de dezembro de 1822 e a Carta de 1824, Cipriano, que na Corte como deputado defendia um Brasil independente de Portugal e fim das masmorras coloniais, seguiu como oposição porque entendia que Dom Pedro I e depois os regentes que o sucederam até a maioridade de Pedro II compactuavam ainda com uma linha de pensamento colonialista e as mudanças que pregava e defendia desde a Conjuração Baiana de 1789 não estavam sendo executadas.
Era, assim, um Brasil-imperial-colonial e isso Cipriano não admite e se insurgiu contra esse mandonismo servil até sua morte, com longos anos no cárcere, porém, sem calar sua voz.