Cultura

ROMANCE "A PSICÓLOGA", TF, CAP 9: ALICINHA DECIDE ESTUDAR PSICOLOGIA

Senti minhas entranhas quando sua boca colou na minha e sua língua penetrou suave como uma pluma. Ficamos contentes.
Tasso Franco ,  Salvador | 26/05/2025 às 19:37
Alicinha de cabelos longos troca carícias com colega
Foto: SERAMOV
   ALICINHA SE APRESENTA

  Eu me chamo Maria Alice Benevides Moura e todos aqui no povoado me chamam de Alicinha. Um diminutivo que eu adoro. Mãe me contou que colocou esse nome depois que assistiu um auto de Natal encenado na Terra do Sol por um grupo teatral de Nossa Senhora do Bom Conselho que se apresentou na praça da Matriz, antes da narrativa da história do nascimento de Jesus, com a peça Alice no País das Maravilhas.

   Assim me narrou mãe numa noite de contação de histórias. Eu tinha 5 a 6 anos de idade, já estava entendendo melhor as coisas e tinha perguntado a ela sobre meu nome.

   Disse: - Eu estava com seu pai nos festejos natalinos da Terra do Sol, grávida, uma barriga já vistosa e a gente não sabia se nosso filho seria homem ou mulher. Fiquei encantada com a encenação teatral de Alice, aquela menina doce, sonhadora, um homem de cartola e dois jovens vestidos de coelho branco e gato listrado que, fui as lágrimas, chorei feito criança e disse a seu pai: se nossa filha for menina o nome dela será Alice; e se for menino você coloca o nome. 

   Na época eu também fiquei admirada querendo saber o que faziam o coelho e o gato, o que interpretava Alice, mas mãe nunca soube me responder e eu também só vim entender o significado de “Alice e o País das Maravilhas” quando estava no segundo grau e me familiarizei com o celular. Pesquisei no Google e meu encanto aumentou porque a história de Lewis Carol é simplesmente fantástica e embora tenha se passado na Inglaterra do século XIX tem muito a ver com nosso povoado, o amor aos bichos, as plantas, ao sobrenatural, as raízes, as fontes d’água os sonhos de um país fantástico.

    E veja como são as coisas na nossa aldeia, mãe não me falou que os bichos conversavam com Alice e o homem da cartola na peça do teatro, nem a gente conhecia detalhes da fábula escrita por Carol mas eu e minhas amigas desde pequenas falávamos com os bichos, eu mesma quando dava milho as galinhas no terreiro aqui de casa conversava com o galo, pedia a ele para deixar primeiro as galinhas comerem, e ele me atendia; pedia para ele cantar e cantava; e Isabel, uma menina minha melhor amiga tinha um mico que carregava no ombro e falava demais com ele. E meu pai dialogava com Tom, nosso gato.

   E a gente já conversou tanto com os bichos nas andanças pela Serra dos Cardeais que tínhamos vontade de voar como os passarinhos, voar como as bruxas montadas em cabos de vassouras. Os encantados rondam nosso povoado desde meu bisavô e a história dos mouros x cristãos. A volta de dom Sebastião, assombrados de roça, mula de duas cabeças, capins que cantam e assoviam, cavalos voadores e almas penadas.

   E, claro que a gente pensava assim. Isabel um dia me disse que gostaria de ser uma vaca leiteira para amamentar bezerros. Desde muitos anos a população da nossa aldeia ama a natureza, protege as plantas e os animais silvestres, cultiva raízes especiais e faz chás e beberagens. Dá valor a um pau de-rato cujas folhas fervidas produz um chá para dores de barriga a um mandacaru que gera água. Nosso povo ampara as flores e protege os olhos d’águas e os córregos com cercados de pedras.

   Creio que nossa vivência com essas forças da natureza que brotam da terra e com respeito aos ciclos da lua e o rigor do sol fizeram com que sobrevivêssemos num lugar tão inóspito, sem um rio, sem um mar, com períodos de seca que parecem não ter fim. Isso pode ser assustador para algumas pessoas de fora, mas, para nós uma rotina, uma caminhada.

   Essa é a nossa união. Então, quando aconteceram aquelas mortes dos meninos na Escola Dom Miguel, de fato, foi um abalo muito grande em nossa comunidade. Eu tinha 15 anos, estava na sala de aula, vi colegas mortas, ensanguentadas e essas imagens ainda permanecem na minha cabeça, apesar de já ter passado três anos daqueles fatos dolorosos.

   E todos diziam que foi a influência da internet, dos jogos malévolos, do culto à violência e eu também acredito que foi isso. Mas, não tinha certeza. Na época, a psicóloga do governo deu algumas explicações, citou até alguns autores estrangeiros e eu e mãe fomos as reuniões, porém, nunca conseguimos entender de todo o que ela falava sobretudo em relação ao inconsciente, a forças do cérebro que a gente desconhecia.

   Para uma parte da população do nosso povoado era coisa de bruxaria, do maligno e a influência da internet pode ter até acontecido, porém, o lanoso povoou esse ambiente com seu tridente e teria provocado as mortes para nos chocar. 

   Os encantados nos rondam há muitos anos desde meu bisavô e se não tempos mouros por aqui porque teriam ficado em Salvador, há predominância de cristãos puritanos e uma quantidade enorme de ciganos errantes que povoam os sertões, os quais teriam vindo da Romênia, da Eslovênia, das serras das bruxas da Transilvânia e são comerciantes, dizem o povo ladrões de cavalos, ladinos, artesãos de tachos e panelas de cobre, enigmáticos; e as mulheres são rezadeiras, videntes e algumas são bruxas voadoras, e quando não são atendidas, contempladas com dinheiro jogam pragas nas pessoas e pedem que os manfaricos a nos perseguir.

     Esse é nosso sal da terra e as histórias do satanás sempre estiveram presentes em nossa comunidade, as rezas, as curas com beberagens e babas de sapo, os venenos produzidos com a ajuda da mão do maligno e até nas cantigas de ninar do boi da cara preta que pegava crianças com medo de careta a gente ouvia desde pequenina.

   Toda essa cultura nos é familiar. Então, as mortes dos meninos têm todo esse envolvimento e é muito difícil uma psicóloga conseguir o consenso com sua fala porque muitas mães que foram as reuniões ainda estão apegadas a essas crenças sobrenaturais que sobrevivem com muita força em nossa comunidade e nos sertões adiante. Assim eu penso.

   Se vocês forem no dia da feira livre em qualquer de nossas cidades vai encontrar rezadeiras com suas tendas, ciganas lendo mãos, calons com dentes de ouro vendendo cavalos e umas mulheres estranhas vestidas com vestidos e saias rodadas cobrindo até os pés, creio, pra gente não vê que são de cabras.

   Daí que tomei a decisão de estudar psicologia. Na época dos crimes, quando eu tinha 15 anos de idade, meus pais ficaram com muito medo de que eu fosse tentada pelo mundo da internet e mutilasse meu corpo e/ou fizesse alguma bobagem, mas, embora tivesse participado de alguns grupos e baixado aplicativos, me segurei. Confesso que mãe me vigiava muito e de vez em quando me tomava o celular, alegando que eu precisava estudar mais e focar menos na telinha.

   Nós nunca conversávamos sobre sexualidade mais a fundo. Prazeres, gozos, essas coisas. Depois que fiquei menstruada mãe me ensinou algumas práticas, eu tinha cólicas terríveis nesse momento. Pedia com frequência para eu ter cuidado de não engravidar diante de alguma aventura com os rapazes mais salientes que não são tantos assim, mas existem. E que se fizesse sexo tivesse o cuidado de verificar se o parceiro estava com camisinha no duro.

   Me segurei numa boa, creio porque, de fato não encontrei ninguém para romper meu selinho uma pessoa que fosse agradável. Confesso a vocês que, certa ocasião, na Terra do Sol, estava com 17 anos, um fogo juvenil intenso, e me aproximei bastante do Rogério, um rapaz belíssimo e fizemos uma boa amizade e já estávamos até trocando uns beijinhos. 

   Estava animada e imaginei coisas. Lá um dia, no recreio da escola, havia um pátio no fundo com umas mangueiras vi Rogério se beijando com Marcos, um beijo tão ardente na boca que fiquei surpresa, pois, ele nunca tinha feito isso comigo.

    Fiquei admirada, mas, não tanto porque esse parece ser uma prática comum no mundo que se diz moderno. De toda maneira, como foi a primeira vez que vi, ao vivo, com uma pessoa que paquerava, cai do cavalo. E, depois, comentei com Isabel, minha amiga mais próxima, e ela desconversou e até ironizou: - Rogério é gayzão querida.

    Esporei o cavalo e segui adiante tendo a natureza como minha guia. No momento certo, creio, meu príncipe aparecerá nem que saiba no país das maravilhas da Alice da fábula. E, pasmem, apareceu uma princesa de nome Manuela, minha colega de sala no último ano do fundamental, a qual, no pomar da escola me disse que me olhava com sedução e tinha vontade de alcançar meus lábios. 

   Tremi! Não. Não me abalei porque a tal da vida moderna tem desses lances e eu, num momento de grande espiritualidade, do ser, me senti dengosa e disse que iria pensar. E pensei. Cubei a sua imagem dos pés a cabeça, seus olhos cor de mel da mandaçaia, seus cabelos negros, sua boca carnuda e topei. Não na mesma hora, mas, no dia seguinte, no mesmo pátio fatídico. 

   Foi sutil. Internamente, um terremoto. Senti minhas entranhas quando sua boca colou na minha e sua língua penetrou suave como uma pluma. Ficamos contentes. Ela queria fazer mais e fizemos. Mas, não adiantei adiante meu cavalgar. Meu cavalo alado, meu alazão refugou quando ela disse, noutra ocasião, em papo frugal, que gostaria de se deliciar com minha pera virgem, meu selo intocável, minha mata atlântica crescida e macia. 

   E nada mais aconteceu. Conclui meu fundamental prestei exame no EMEN e, agora, preparo mais mala para cursar psicologia em Aracaju. Outra etapa em minha vida, um sonho, uma nova realidade. Foi difícil a conversa com meu pai e não culpo ele por achar que eu deveria ser médica ou advogada, profissões que dão dinheiro. Meu pai é prático, é trabalhador, sente o quando luta para conseguir as coisas. Ele não enxerga que eu venha ser bem sucedida na psicologia. Ademais, como na Terra do Sol e no nosso povoado não têm psicólogas a tendência é eu viver longe dele quando formada.

   Expliquei a ele que sabia dos ganhos da medicina e da advocacia, mas, faltava-me saber e vocação para tais profissões, o sangue que vi correr na morte dos meus colegas me afastou dessa profissão; e o prende e solta dos mangangões da República faz-se descrente da Justiça. E expliquei que a psicologia era a cabeça, o entendimento do mundo moderno e eu iria enfrenta-la. Ele foi às lagrimas e garantiu-me todo apoio.

   Assim me encontro de mala pronta e montada no meu cavalo alado para seguir à capital de Sergipe. E com a espada em mão para cortar a cabeça da serpente que atormenta minha mãe em sonhos.

  *** No próximo capitulo, a serpente volta a inquietar os pensamentos de Ohana e a traição de Roque.