Essa relação no mundo atual - a paquera - se dá entre janeleiros on-line nos portais de relacionamento no agendamento de encontros em shopping, motéis ou visitas em parques para conhecimentos pessoais
Rosa de Lima , Salvador |
23/05/2025 às 20:04
Literatura para jovens
Foto: BJÁ
O site de literatura www.wattpad.com tem relevado muitos novos escritores do gênero “Young Adult” conhecido pela sigla YA que se caracteriza por ser destinado a leitores jovens – 12 a 18 anos – que explora temas relacionados à adolescência no limiar para a vida adulta.
O wattpad não produz livros impressos e muitas de suas inserções on-line com milhões de leitores são publicadas por editoras e também se tornam series de TV no streaming que é uma tecnologia que permite a transmissão contínua de conteúdos multimédia – vídeo e áudios – pela internet e TV, a mais usada a Netflix.
Há inúmeros autores e autoras nesse gênero e entre as mais famosas estão Collen Hoover (já comentamos aqui "Verity" e "O Lado Feio do Amor" dessa autora), e estão na Netiflix em séries "After" de Anna Todd, "A Barraca do Beijo" de Beth Reekles e "Através da Minha Janela" de Ariana Godoy.
Vamos comentar o trabalho da jovem venezuelana residente na Carolina do Norte, EUA, Ariana Godoy, autora de “Através da Minha Janela” (Editora Intrínseca, RJ, tradução de Karoline Melo, Lorrane Fortunato e Tâmara Sender, 2022, 448 páginas, arte da capa Penguin Randon, foto da capa Koki Joanovic, que trata de um romance entre jovens que nasce a partir das observações de uma janeleira na paquera de um belo jovem rico da família Hidalgo.
Bem diferente das antigas janeleiras dos centros históricos de Salvador e Rio Janeiro que paqueravam se expondo nas janelas dos casarões, em pé (as baixinhas subindo em plataformas de madeira ou sapatos altos) colocando os cotovelos em almofadas e ficando horas dando piscadas de olhos para jovens que passavam nas ruas e também recebendo galanteios e até buquês de flores. Hoje, como sabemos, essa prática está em desuso há muitos anos e a paquera se processa via internet pelos portais especializados em promover encontros e canais alternativos.
Ariana Godoy trilha esse caminho em “Através da Minha Janela” numa situação mista porque a personagem principal do livro, a jovem Raquel, na inicial observava o jovem e belo Ares Hidalgo da janela do seu quarto após (ou antes) chegar do trabalho numa lanchonete.
São também dois mundos diferentes na medida em que Raquel pertence a uma família de classe média entre baixa e média, ela trabalhando numa lanchonete e a mãe com quem vivia dando plantões como enfermeira num hospital; enquanto o lindo e misterioso jovem que observava de sua janela - já apimentado pela autora como atlético, alto, tesudo - era um objeto de desejo antigo, mas pertencia a classe média alta, o que popularmente se chama de ricos, ele sendo, portanto, um “mauricinho” – no dizer da gíria brasileira.
O que parecia para ela apenas um sonho de verão na janela inatingível (verão, outono e as outras estações do ano porque era contumaz janeleira) distante que fosse, porém, ao menos valeria a pena apreciá-lo, vai se tornar realidade. Ares vinha se utilizando de uma senha do wi-fi sem sua permissão para a stalkear (termo em inglês - para quem não está familiarizado com a linguagem da internet - que se significa vigiar alguém on-line), o que faz com que ela tomasse coragem para aborda-lo, pessoalmente.
Essa relação no mundo atual - a paquera - se dá entre janeleiros on-line nos portais de relacionamento no agendamento de encontros em shopping, motéis ou visitas em parques para conhecimentos pessoais iniciais, mas, no enredo de Ariana ela opta por esse misto mais romantizado, primeiro na janela, depois um encontro pessoal com o jovem.
E já nesse encontro que a autoria intitula de “O vizinho detestável” ela sente as diferenças de personalidades entre ambos e do meio em que viviam, ele muito mais sofisticado, rico, mas nada impede já no primeiro contato de sentir o quanto ele era belo e ao mesmo arrogante.
- Ares parece envolvido por uma aura de mistério e perigo, o que deveria me afastar dele, mas, pelo contrário, me atrai com uma força que me tira do ar. Está de short, tênis Converse e uma blusa tão preta quanto seu cabelo. Fico observando que nem boba ele digitar algo note-book enquanto morde o lábio. Que sexy!, soluça Raquel.
- Está precisando de alguma coisa, pergunta Ares.
- Você está usando meu wi-fi?
- Estou – ele nem hesita.
- Sem minha permissão?
- Sim.
Meu Deus como ele é irritante. Ele sabe minha senha, meu amor não correspondido desde a infância, ele viu meu histórico de navegação, estou quase tento um treco de tanta vergonha, visitei vários sites pornôs por curiosidade, só por curiosidade.
- Vou te denunciar.
Ares, então, começa a rir e debochar da jovem e o encontro termina sem nada a acrescentar. Mas, a partir daí, o do momento em que, mais tarde, um número desconhecido aparece na tela do celular de Raquel com os dizeres – boa noite, bruxa, atenciosamente, Ares – os diálogos e os encontros entre os dois vão se estreitando, acontecendo mais vezes, e o jovem segue arrogante (pelo menos na visão dela), porém, já seduzindo-a com prazer para ambos.
“Não consigo acreditar que isto está acontecendo. O corpo de Ares junto ao meu, seu hálito quente no meu pescoço, sua mão na minha cintura. Será que estou sonhando?
Há, na inicial, uma sequência de encontros em que Raquel fica atormentada nos pós entendendo que ele mantém sua arrogância e seu machismo imutáveis, mas, ao mesmo tempo, apaixonado pelo belo homem se entrega de corpo de alma. Mas de corpo do que de alma.
Numa das cenas no “Salão das Velas” a autora expõe toda a leveza de Raquel sem perceber as consequências do que estava fazendo: - Imediatamente sinto no meio das pernas o quanto ele está duro e mordo seu lábio. () Enterro meu rosto no seu pescoço. () Um leve gemido escapa da minha boca. () As mãos dele apertam meu corpo com desejo, e, entre as minhas pernas, eu o sinto ainda mais duro. Então, começou a movimentar o quadril suavemente contra ele, provocando-o, torturando”.
Eis, o âmago da narrativa: a entrega tão rápida, o desejo ardente do sexo não poderia ser apenas uma chama passageira, algo fútil, e era necessário ter uma correspondência do parceiro, em respeito, em consideração, em amor. E Ares, seguidas vezes em que ela se entregou de corpo não dava sinais nessa direção e seguia fútil e inconsequente, com sua patota a participar de embalados inclusive com outras “girls” e isso a perturbava.
Amigos comuns haviam a advertido que era assim mesmo, que o galã Ares adorava possuir mulheres e mantê-las submissas, agregadas ao seu harém sem se apegar a qualquer delas de forma mais afetiva. E Raquel, no entanto, apesar dessas advertências não desiste de conquista-lo por inteiro e a autora, aos poucos, vai mostrando que o boy avantajado e sedutor cede aos encantos de Raquel e os dois se aproximam e se entregam de forma integral, um amando o outro.
A autora, no decorrer da obra com mais de 400 páginas vai criando cenários, abordando situações que envolvem ciúmes, fofocas, traições passageiras, baladas, bacanais, diálogos típicos do público “Young adult” amarrando os leitores para que se interessem pela narrativa, o que, convenhamos, o faz muito bem.
Ariana é top nessa linguagem, o livro é recheado de expressões que cativam esse público e são usadas no dia-a-dia por essa turma e o livro se tornou um tremendo sucesso a ponto de virar série da Netflix.
A rigor, “Através da Minha Janela” são três publicações, em série, uma vez que no primeiro romance Raquel e Ares concluem o segundo grau e vão viajar cada qual para um estado a fim de cursarem universidades.
A mostra principal, no entanto, está no começo da narrativa o livro 1 onde tudo começa na janela e com a senha do wi-fi. E, óbvio a linguagem da internet usada pelos jovens está solta e livre na obra. Uma obra em que todos os jovens juvenis e pré-adultos são expostos de maneira visceral.