Uma obra que fica em Fernando Sant'Anna e se estende ao comunismo na Bahia e no Brasil vinculado ao PCB
Rosa de Lima , Salvador |
01/02/2025 às 10:02
Adorável comunista de Antonio Risério
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Acredito que os meus leitores e leitoras já devem ter observado o andamento das nossas críticas literárias mesclando obras de autores nacionais e estrangeiros alheios ao meio literário baiano e também comentando títulos de autores locais, do presente e do passado, uma vez que o foco principal deste site é a Bahia. E, como tal, autores como Fernando Vita Souza, Antônio Risério, Jolivaldo Freitas, Joacy Góis, Sérgio Matos, Luís Henrique Dias Tavares e outros estão sempre em nossa sessão cultura.
A propósito, o comentário desta semana é sobre a obra de Antônio Risério intitulada “Adorável Comunista - história política, charme e confidências de Fernando Sant’Anna (Versal Editores, 324 páginas, 2002, idealização da Link Comunicação e Propaganda, patrocínio Grupo Odebrecht, capa Angelo Venosa, Estante Virtual R$30,00 usado) em que o autor ao narrar a história do ex-deputado federal Fernando Sant’Anna vai além da abordagem da vida deste personagem integrado às lutas do PCB e amplia sua obra comentando sobre o movimento comunista na Bahia, diversos outros atores e suas lutas, e momentos da história política nacional.
Risério, de fato, tem razão em desatar essa abordagem oferecendo uma visão geral dos acontecimentos políticos nacionais, bem documentada, bem escrita e que teve ajuda em campo do jornalista e sociólogo Gustavo Falcón e da jornalista Malu Fontes.
Lembrando que Risério é um intelectual e lê-lo não é tarefa para alunos do segundo grau ainda que o livro esteja aberto e a dispor de quaisquer leitores e classes sociais, exigindo-se, no entanto, conhecimentos prévios de algumas fontes citadas (e são centenas em livros e depoimentos) para se entender todo enunciado da obra.
Os leitores, portanto, que se interessarem por esse tema de natureza política e revelador em especial dos comunistas baianos – de Jorge Amado e Carlos Marighela – diria, acompanharão uma história fascinante e vão ter em mãos e aos olhos uma aula de história.
Mas não é uma aula de história pura, didática, professoral do tipo “estou ensinando isso a vocês” e sim uma narrativa comentada e visões esclarecedores sobre alguns episódios da vida interna do PCB, os momentos de organização e os áureos, as desilusões a partir da divulgação do Relatório Khruchov em que muitos abandonaram a causa após as revelações dos crimes de Stálin e o comportamento de Fernando que se manteve no PCB até o dia de sua morte, porém, nunca foi – como bem diz Aristeu Nogueira na obra citada – “um profissional do partido, um militante no estilo Giocondo Dias. Mário Alves, Arruda Câmara ou Carlos Marighela”.
Isso também não significa dizer que Fernando foi omisso ou folclórico. Não. Era um comunista convicto, seguia as determinações partidárias, mas tinha seus desejos próprios na engenharia onde era empresário, na liberdade de praticar diálogos na Câmara dos Deputados e na vida pessoal com adversários políticos, um homem que praticava a boemia sem excessos, era namorador e cultuava hábitos aparentemente só reservados à burguesia como vestir-se bem, de preferência usando ternos de linhos brancos e sapatos de couro.
Risério, de sua parte, cuidadoso analista e arguto escritor não deixa vazios na interpretação do “Adorável Comunista” e o título do livro, de fato, é uma síntese do personagem e não foi posto com o objetivo de agradá-lo ou coisa parecida, mas, um retrato fiel do comunista iraraense nascido em berço de ouro, bem educado, o qual poderia ter trilhado uma outra trajetória, mas optou pelo comunismo como um ideal pa
a tentar mudar para melhor a vida da Bahia e de sua gente, consequentemente, também do Brasil.
E Fernando conseguiu seus objetivos? Sem dúvidas.
Mas, evidente que com percalços e passagens no exílio na Iugoslavia e no Chile, nas grades da ditadura de 1964, no distanciamento da família, na perseguição diuturna no que se intitulou “caça aos comunistas”, enfim, uma vida não linear quase uma montanha russa sem perder a ternura, sem abdicar de sua Bahia amada, dos seus em Irará e Salvador. E das lutas por um país melhor e mais democrático.
Situa Risério: - Embora tivesse feito parte da estrutura do Partido Comunista e até ocupado cargos de direção, Fernando nunca foi, digamos assim, um operador do “aparelho partidário”. João Falcão declara que, embora fosse muito amigo de Fernando e o encontrasse nos mais variados lugares, não guarda qualquer lembrança de algum vez tê-lo visto no trabalho clandestino, na prática intramuros do Partido, em reunião de comitê ou célula. () Comenta João Falcão: “Fernando, na verdade, era um homem de massa. Ele não era um jovem para viver metido naquela caverna. Naquelas reuniões clandestinas, fechadas, limitadas. Ele nunca se submeteu a isso. Era inteligente, legal e disciplinado – mas dentro do parâmetro dele”.
“O Fernando nunca foi um homem de aparelho, um homem de comitês clandestinos e coisas assim. Eu vivia em aparelhos, com todas as restrições horríveis que isso implica: viver clandestinamente numa rotina terrível”, compara Jacob Gorender, sem fazer qualquer julgamento de valor, apenas apontando para diferença de situação e desempenho, pois ele bem sabe que a catacumba não é – moral nem politicamente – superior ao ar livre, como já quis fazer a submitologia revolucionária. Com o Partido, e não ele, na clandestinidade, Fernando podia andar tranquilo na rua, ir ao cinema, dançar no Tabaris e até mesmo se candidatar a funções públicas.
“Adorável Comunista” é um retrato fiel desse personagem da vida politica baiana e brasileira nascido em Irará em 1915 e falecido em Salvador em 2012 e Antônio Risério oferece aos leitores um painel geral da vida brasileira tendo Fernando como personagem principal e como o próprio autor destaca “cuidei, antes de mais nada, de, sempre que possível, deixar a palavra com os atores, com os personagens dos fatos narrados ou referidos, ou com os estudiosos do assunto”.
Assim é esta obra. Uma coletânea de ensaios que foca em Fernando e ajuda a interpretar os sonhos dos comunistas brasileiros do PCB, cujo maior expoente foi Carlos Prestes com sua coluna e revolução utópicas, mas que marcou a vida política brasileira, angariou conquistas para melhorar as condições de vida do povo, em especial, do operariado, e deixou filhos políticos que ainda atuam nos dias atuais com renovados sonhos.