Narrativa bem construída no mundo da psicoterapia e que é sucesso de vendas
Rosa de Lima , Salvador |
25/01/2025 às 10:37
A Paciente Silenciosa um "tjriller" psicológico de boa qualidade
Foto: BJÁ
“Vivendo e aprendendo” é uma frase tão antiga quanto o pensar na humanidade. Diria que o mais apropriado, em literatura, seria dizer “lendo e aprendendo”. Isto é: adquirir conhecimento de novos autores, garimpar narrativas de outras culturas e isso, sim, acrescenta conhecimentos além do que, nos desperta para autores contemporâneos que estão sempre pontuando na arte de escrever, com sucesso.
Eu mesma, confesso, nunca tinha ouvido falar de Alex Michaelides e não há mal nisso ou culpa da cronista, até porque esse grego-cipriota é autor de roteiros cinematográficos e só agora estreou na literatura.
E seu livro de estreia "A Paciente Silenciosa" (Editora Record, RJ/SP, 347 páginas, 2024, tradução de Clóvis Marques já está na 40ª impressão, R$47,08 Amazon), o que significa dizer que é um sucesso de vendas e certamente agrada aos leitores.
A mim também agradou, porém, não tanto quanto “A Vegetariana”, de Han Kang, que igualmente aborda a temática de psicologia e é mais refinado. Michaelides se apresenta um pouco exagerado nos detalhes de sua escrita e deixa seu romance, se é que podemos classifica-lo assim mais parecendo uma novela policial, no modelo Agahta Christie.
A narrativa é aparentemente simples: uma artista (Alícia Berenson) após assassinar o marido se recusa a falar qualquer coisa a Polícia e é internada numa clínica psiquiátrica. Entra em cena um psicoterapeuta (Theo Faber) para tentar descobrir o mistério daquele silêncio enigmático. Nada, portanto, mais natural do que isso uma vez que essa é a função de psicoterapeuta e existem alguns deles de bom coração.
Evidente que o livro precisava de um recheio para atrair os leitores e, aos poucos, o autor vai revelando que na raiz da obsessão do atencioso psicoterapeuta em saber o que de fato aconteceu e o porquê daquela mulher uma artista famosa ter cometido tal crime, o tal marido assassinado (Gabriel) tinha sido amante da sua esposa (Kathy). E, ele, o psicoterapeuta, estava envolvido até o pescoço no crime, não que o tenha praticado, em si, mas armou toda a cena para o parricídio.
O autor transporta os leitores para acompanhar o enredo num hospital psiquiátrico onde o nó do silêncio seria destravado (como foi) após sessões terapêuticas de Theo com Alicia, para esclarecer o dilema mental da “Paciente Silenciosa” – daí, também, o título do livro.
No decorrer da narrativa (e aí é que o livro fica bom) vê que são dilemas mentais duplos, da paciente e do psicoterapeuta. Mas, o autor, só vai revelar o envolvimento do profissional em psicologia na trama do crime no final da obra o que provoca admiração nos leitores pela forma criativa como o faz e isso torna a obra um sucesso.
Alex divide a narrativa entre o relato de Theo Faber, o psicólogo, e o diário de Alicia, encontrado após o crime, diário que nunca parou de escrever mesmo internada. Dessa forma, os leitores acompanham a história através de duas perspectivas, de forma que as peças vão se encaixando aos poucos. Um permanente suspense no modelo Agatha Christie.
A ação assassina da paciente diante do marido traidor, o momento da cólera, tem origem em sua infância nos maus-tratos familiares, que vão se acumulando ao longo dos anos até explodir no ato do crime.
Os leitores, portanto, precisam ficar atentos a essa dupla narrativa (o que consta no diário de Alícia, o passado; e seu comportamento presente no hospital psiquiátrico porque vão se mesclar e dar força e dinâmica a obra.
O passado e o presente não se desgrudam e quando ela comete o crime isso fica bem claro. Theo, até então um desconhecido, invade sua casa e a amarra numa cadeira pondo uma arma na sua cabeça esperando por seu marido. O qual, ao chegar, também é amarrado e torturado.
- Por favor, não machuca ele. Eu imploro. Eu faço o que você quiser () Não mata ele. Ele merece viver. Eu o amo. Ele me ama, diz Alícia.
Interrompe Theo: - Você acha mesmo que ele te ama?
Em seguida, houve um baque surdo e Theo esmurrava Gabriel. – Eu sou um homem casado. Eu sei o que é amar uma pessoa. E também sei o que é ser traído, diz Theo, a uma Alícia perplexa diante desta declaração.
Começa a contagem regressiva para o tiro fatal: dez... seis... cinco... dois minutos ... e Gabriel afrouxa; “Eu não quero morrer”
Theo vira-se para Alicia e afirma: - Eu sabia que Gabriel era um covarde...Transando com a minha mulher pelas minhas costas. Ele destruiu a única felicidade que eu tive () é melhor que morra. () E atira.
No entanto, Theo atira para o teto e vai embora. É Alicia diante do marido traidor e que não lhe amava como supunha puxa o gatilho da arma de fogo e o matou.
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O que o autor revela nas sessões entre o psicoterapeuta e a silenciosa Alicia no hospital (o presente), é a busca da compreensão do passado de sua paciente, não para tentar consertá-lo, mas para entender também o seu drama de homem traído.
E quando ele consegue descobrir após inúmeras sessões e contratempos com seus superiores hierárquicos, com a visita a marchands, novas suspeitas, etc,, percebe que a saída é matá-la com uma injeção letal, mas, não consegue e é preso pela Polícia. Não se trata de uma prisão qualquer e o autor deixa-a para o final, e a apresenta de forma sutil, numa revelação contida no diário (presente) de Alicia.
- O inspetor Alen foi percorrendo as páginas até o fim. E começou a ler em voz alta: -“Ele estava com medo do som da minha voz ...ele pegou meu punho e enfiou uma agulha na minha veia”.
Embora pareça um romance policial não é, pois, o enredo psicológico supera e muito a ação policial que só acontece no final. A psicologia permeia a narrativa principal do livro de ponta-a-ponta. Fatos, aliás, factíveis de acontecer na vida real. Livro muito bom.