Cultura

AINDA ESTOU AQUI, A VERDADE REVELADA PELA HISTÓRIA, por SEAP OCNARF

A literatura e o cinema ajudando a entender a história do Brasil numa época de horror
Seap Ocnarf , Salvador | 21/01/2025 às 12:23
Ainda Estou Aqui
Foto: DIV

   O filme "Ainda Estou Aqui" do diretor Walter Salles é primoroso. É até redundante dizer isso depois que tantos comentários foram feitos por sua excelência na imprensa nacional e internacional, salvo da imprensa francesa que o desmereceu e comentários jocosos de “influenciadoras” argentinas sobre o cabelo despenteado de Fernando Torres. 

     A direção de Walter Sales é cuidadosa com a história e impecável em cinematografia com elenco em que se sobressai a atriz Fernanda Torres - já revelado pela mídia vencedora do Globo de Ouro, em Los Angeles, em sua categoria, e indicada para o Oscar - e também os demais atores que integram o drama.

    O roteiro, no entanto, exigia um destaque maior a intérprete (Fernanda Torres) de Eunice Paiva, a esposa de Rubens Paiva, o engenheiro e ex-deputado assassinado pela ditadura militar (1964/1984), num quartel do Exército do Rio de Janeiro, em 1971, cujo corpo nunca foi encontrado.

   E, a atriz, desempenha esse papel com firmeza, dramaticidade bem posta e sem excessos, tudo nos devidos lugares, emocionante quando necessária, casual, dona de casa vigilante com os filhos na década de 1970, plena ditadura em sua fase mais cruel do governo do general Garrastazu Médici, discretamente enquadrado pela câmara de Sales, presa política, ativista de direitos humanos, enfim, um papel soberbo, cujo auge foi a conquista do Globo de Ouro.

   Os demais atores também têm desempenhos admiráveis Selton Mello no papel de Rubens Paiva, paterno, equilibrado; e as jovens atrizes Valentina Herszage, Bárbara Luz, Luisa Kosovski respectivamente nos papéis de Vera, Nalu e Eliana (filhas reais de Rubens), Olivia Torres (Beatriz Paiva, adulta), Majiore Estiano (Eliana Paiva, adulta) e Antônio Saboia (Marcelo Rubens Paiva, adulto) e outros.

    O filme conta a história dos horrores da ditadura no registro de um assassinato que completa 54 anos de existência e muitas pessoas que sofreram naquela época ainda estão vivas e, certamente, ao assistirem a película se emocionaram ao extremo. E os mais jovens que vivem um outro momento no Brasil vão conhecer de perto como foi aquela época tenebrosa.

   Portanto, o filme guarda ou enseja essas visões, e até uma terceira ótica, da geração dos anos 1970 (os filhos de Rubens, por exemplo, todos os cinco vivos e um deles, Marcelo Rubens Paiva escritor e autor do livro “Ainda Estou Aqui”, lançado em 2015, e que ganhou a adaptação para o cinema com Walter Salles, que são testemunhas desse processo.

   Recriar na telinha essa autobiografia em que o autor destaca o desempenho de sua mãe Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, exige uma outra linguagem mais visual sem perder a força das expressões literárias. 
   E a narrativa, na inicial, como no livro, mostra a vida familiar tranquila de um personalidade classe média carioca – a casa, a praia, a pizzaria, o convívio social, o telefone, o veículo, etc – que será transformada, devastada pela repressão, quando Rubens é preso e desaparece. 

    O filme se foca nessa transformação de Eunice, nela própria, não necessariamente uma militante como Rubens, que se transfigura com o desaparecimento do marido, se torna uma defensora dos direitos humanos, sem, no entanto, perder o controle da prole (dos filhos) e quando ela decide se mudar do Rio para São Paulo, isso fica bem evidenciado.

A atuação de Fernanda Torres passa por essa intensidade de momentos, de dor, de angústia, de resiliência de uma mãe que tenta manter a normalidade para os filhos enquanto luta pela verdade, por justiça e assim por diante, ela que faleceu já bem velhinha e não presenciou a punição dos torturadores já de pleno conhecimento. 

   Registre-se, desse período (1964/1984) nenhum torturador foi punido pela Justiça e estabeleceu-se uma anistia ampla geral e irrestrita dos dois lados.

    Mas a história, como sempre, é reveladora, é verdade revelada, e dela ninguém escapa e Marcelo Rubens Paiva e Walter Salles mostraram isso nas letras e na telinha. (Seap Ocnarf)