Uma sátira em versos livres decassilábicos ao governador da Província de Minas Gerais (Chile) Luís da Cunha Menezes, século XVIII
Rosa de Lima , Salvador |
04/01/2025 às 11:34
Cartas Chilenas de Tomás Antônio Gonzaga
Foto: BJÁ
É provável que alguns dos nossos leitores já tenham ouvido falar dos poetas e inconfidentes mineiros Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, este último mais conhecido com o arcadista Dirceu autor do apaixonado poema “Marília de Dirceu”, uma paixão arrebatadora que não se concretizou como amor eterno.
O poema (Marilia de Dirceu), no entanto, se tornou um clássico da poesia nacional ainda que Gonzaga tenha nascido em Portugal, Miragaia, Porto (1744) e falecido no exílio, em Moçambique (1810) sem conseguir juntar-se em amor a Marilia, conjugalmente. Mas, sua obra, sua poética, floresceu em Vila Rica (atual Ouro Preto) capital da colônia de Minas Gerais.
São três expoentes da poesia e do direito imortalizados na história do Brasil. O que vamos comentar é a obra intitulada “Cartas Chilenas” (Editora Martin Claret, impressão de 2007, 175 páginas, R$42,00 no Mercado Livre) em que o poeta narra em poema epistolar os desmandos e a corrupção no governo colonial das Minas Gerais, de Luís da Cunha Menezes, descrito como o “Fanfarrão Minésio”, ele próprio identificado como “Critilo” (das cartas) ao amigo “Doroteu” (Claudio Manuel da Costa), do território das Minas Gerais (o Chile).
Escritaa em decassílabos brancos - sem rimas - entre os anos de 1788 e 1789, Gonzaga usa desse artificio para espinafrar o violento governador Menezes, tendo como interlocutor outro poeta e inconfidente, Claudio Manuel da Costa, e fazendo chegar ao público e ao mundo letrado os abusos de “Minésio”. Chegou a publicar 12 cartas completas e a 13ª ficou inacabada uma vez que, em 23 de maio de 1789, foi preso e enviado a Ilhas das Cobras, Rio, e em seguida degredado e encaminhado a Moçambique onde cumpriu pena de dez anos de cárcere por conspirar no movimento “Inconfidência Mineira” e nunca mais voltou ao Brasil.
-Esperavas, acaso, um bom governo/ Do nosso Fanfarrão? Tu não o vista/ Em trajes de casquilho. Nessa corte? / E pode, meu amigo, de um peralta/ Formar-se, de repente, um homem sério?/ Carece, Doroteu, qualquer ministro/ Apertados estudos, mil exames/ E pode ser o chefe onipresente/ Que não sabe inscrever uma só regra.
À medida em que o tempo vai passando, Gonzaga, que era ouvidor geral de Vila Rica (capital de Minas) desde 1782, além de denunciar os desmandos do governador a Rainha Dona Maria I, em Portugal, vai apimentando seus versos sobre as injustiças e as violências praticadas pelo governador que o ridiculariza com o epiteto de “Fanfarrão”.
“Tu sabes, Doroteu, que as leis do reino/ Só manda que se açoitem com a sola/ Aqueles agressores que estiverem,/ Nos crimes, quais iguais aos réus de morte,/ Tu também não ignoras que os açoites/ Só se dão, por desprezo, nas espáduas/ Que açoitar, Doroteu, em outra parte/ Só pertence aos senhores, quando punem/ Os caseiros delitos dos escravos/Pois todo este direito se pretere/ No Pelourinho a escada já se assenta/ Já se ligam dos réus os pés e os braços/ Já se descem calções se levantam./ das imundas camisas rotas fraldas.
O governador Menezes era cruel até a alma e corrupto por natureza, além de cultivar uma roda de amigos submissos e tão corruptos quanto ele, procurava se manter distante da Corte difundindo mentiras e os escravos (como visto acima) sofriam horrores em suas mãos e dos seus capatazes. E Gonzaga, formado em Coimbra, um poeta humanista e que prezava o direito, as leis, via-o como um aleijão que deveria ser punido pela Corte de Lisboa, mas, nada conseguia. Envolvido na “Inconfidência Mineira” foi lançado a ferro para a glória do seu algoz, o “Fanfarrão”.
O “Fanfarrão” Menezes passou (como todos passamos um dia) inserido nas páginas negras da história e a poética de Gonzaga sobreviveu, está viva, borbulhante e a prova disso é que estamos aqui a comentá-la e saboreá-la.
- As leis que nosso reino consentem/ Que os chefes dêem contratos, contra os votos/ Dos retos deputados que organizam/ A Junta da Fazenda, e nosso chefe/ Mandou arrematar ao seu Marquésio/ O contrato maior sem ter um voto/ Que favorável fosse aos seus projetos/ As mesmas santas leis jamais consentem.
Menezes atropelava as leis, enriquecia a olhos vistos, impunha a ordem no “Chile” (Minas) com a chibata em mão e a bolsa de outro noutra e Gonzaga, em pejo, sem modo, a ele e aos seus lugares-tenentes: - Aqui agora tens, meu Silverino (tratava-se do coronel Joaquim Silvério dos Reis, o delator dos inconfidentes, o traidor) / O teu próprio lugar. Tu és honrado, / E prezas, como eu prezo, a sã verdade;/ Por isso nos confessa que tu ganhas/ A graça deste chefe, porque envias,/ Pela mão do Matúsio, seu agente/ Em todos os trimestres as mesadas.
Visto como a prepotência desaforada. O “Silverino” (Silvério) a receber mesas e a ser protegido pelo “Fanfarrão!” O poeta se delicia e expõe a personalidade corrupta do governador: - Amigo Doroteu, o nosso chefe/ Patrocina aos velhacos que leh mandam/ Para que mais lhe mandem, prende e vexa/ Aos justos que entesouram suas barras/ Para ver se oprimidos, se resolvem/ A seguir os caminhos dos que largam”.
“Cartas Chilenas” é um livro que se lê observando a linguagem do século XVIII, as metáforas e suas comparações subjetivas (Remate-se um contrato a um sujeito/ Que o pode bem pagar o mais que perca), as tiradas espirituosas (Espalham as más línguas que o Matúsio/ Pedira ao tal sujeito que lhe comprasse/ Uns finos guardanapos e toalhas/ Que o fiador mesquinho lhos trouxera) e as torpezas explicitas do governador (Em cidades ou vilas, aí crescem/ os crimes e as desordens aos milhares).
Um livro em que se conhece uma parte da história do Brasil, pequena que seja, de uma província importantíssima no século XVIII em nossa história, do ouro e das pedras preciosas que embalaram a economia e as ambições, provocaram revoltas, nesta Minas Gerais (ainda hoje, tão importante como antes) respeitosamente chamada de Chile.