Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA "O LADO FEIO DO AMOR", DE COLLEEN HOOVER

A autora, portanto, promove um intricado jogo entre os dois casais, do tipo “eu sou assim, livre e solteiro, mas tenho um passado que precisa ser revelado e superado”
Rosa de Lima ,  Salvador | 07/12/2024 às 10:06
Comentário da semana em literatura: O Lado feio do amor, de Colleen Hoover
Foto: BJÁ
 
   Certamente vocês já ouviram falar da onda crescente de livros para adolescentes que recebeu o rótulo de “Young Adult” – literalmente, jovem adulto – e que atende a um público entre 12 e 21 anos de idade e tem em Elayne Baêta (O amor não é óbvio) uma de seus expoentes no Brasil.  Existem autores internacionais que vendem muito nos seus países e também no Brasil e dou como exemplos Stephenie Meyer (O Sol da meia noite) e Sarah Winman (O Homem da lata). Não saberia dizer (e ninguém sabe) se essa onda persistirá com a mesma intensidade dos últimos 20 anos impulsionada graças aos vídeos e a difusão pela internet ou se vai arrefecer.

   Creio que vai seguir na crista da onda mais apimentada e com suportes da mídia televisiva e da internet o que não existia quando nasceu nos anos 1950/1960, nos Estados Unidos. E não cabe fazer relatos históricos mais detalhados desde “O apanhador no campo de centeio”, de J. D. Sallinger (1951) e da série lançada pela Atica, no Brasil, década de 1970 (Vagalume) com títulos que fizeram grande sucesso como “Éramos Seis” e “A Ilha Perdia”. 

  O certo é que essa literatura deu um pulo (uma espécie de salto triplo) com as publicações da série Harry Potter, de J.K. Rowling, impulsionada pelo cinema, TV, internet e que se tornou uma marca com área temática no Reino Unidos e venda de produtos de toda natureza. O primeiro livro desta série foi publicado em 1997.

   Após essas breves notas a título de esclarecimento, vamos comentar o livro “O lado feio do amor”, de Colleen Hoover (Editora Galera Record, tradução de Priscila Catão, capa Gabriela Gouveia, 333 páginas, Rio de Janeiro, 2022, R$35,00 no Mercado Livre) autora norte-americana ‘best-seller” com “Confesse” e “Novembro, 9” que neste romance conta a história de um jovem piloto de avião (Miles) que vive em São Francisco, na Califórnia, e vai se envolver em romance com a irmã (Tate) de um colega residente próximo a ele, no mesmo prédio de apartamento.

   Miles, no entanto, havia passado por um trauma psicológico violento, há pouco tempo, ao se separar da esposa (Rachel), uma velha paixão da adolescência e que o largara após a morte do filho quando tudo transcorrida bem em suas vidas. 

   A autora, por conseguinte, vai ambientar o romance em duas épocas distintas, a relação Miles-Rachel como referência de um casal que se conheceu ainda jovem, em Phoenix, ela filha da amante do seu pai e que se torna enteada (com a morte da mãe de Miles, seu pai se casa com a mãe [Lisa] de Rachel); e seis anos depois, o romance Miles e Tate, na Califórnia, uma paixão arrebatadora de ambos, surgida nos acasos da vida, Miles portador do trauma da separação e Tate jovem dependente do irmão que o acolheu para morar no mesmo apartamento.

   A autora, portanto, promove um intricado jogo entre os dois casais, do tipo “eu sou assim, livre e solteiro, mas tenho um passado que precisa ser revelado e superado”, isso em relação ao personagem principal (Miles), o qual encontra uma nova namorada, um novo amor, mas não consegue se desgrudar do passado, da sua relação com Rachel. 

  E, claro, nesses dois cenários, bem ao gosto de leitores adolescentes vai revelando como se deram os aconchegos, as descobertas e os atos sexuais penetrantes, os dramas familiares, as angústias, os gozos, as ações intempestivas, enfim, todo um ambiente cultural que é próprio da vivência dos jovens.

   Esse tipo de literatura tem um alvo, um público específico e é preciso se ater a ele de forma convincente, com linguagem entendível no seio dessa comunidade e praticada por ela, os costumes, as relações humanas homem/mulher e variáveis, enfim, se o autor (a autora) se perder nesse contexto não vende os livros. Collen Hoover, nos sugere com seu texto bem encaminhado nessa direção que é uma campeã em audiência e vendas.

  Eis a sua pena logo no primeiro capítulo falando de Tate: “Quando Corbin me deixou ficar em sua casa até que eu encontrasse um emprego, eu não fazia ideia de que ele vivia como um adulto de verdade. Achei que seria como da última vez em que o visitei, logo depois de me formar no colégio. Na época, ele tinha começado a estudar para tirar a licença de piloto. Isso foi há quatro anos, e era um prédio meio esquisito de dois andares. Mais ou menos o que eu estava esperando hoje. Não imaginava de maneira alguma um enorme arranha-céu no centro de São Francisco”.

   No segundo capítulo, seis anos antes: - Você está na turma de inglês do último ano do Sr. Clayton, não é, Miles? – Sim – respondo para a senhora Borden – Quer que eu leve alguma coisa para ele? 

   O telefone na mesa dela toca, e ela assente, pegando o aparelho e cobrindo-o com a mão. – Espera mais um minutinho – pede, indicando com a cabeça a sala do diretor: - Estamos com uma aluna nova que acabou de se matricular, e ela também está na sala do Sr. Clayton nesse horário. Preciso que a acompanhe até a sala. () Miles vai acompanha-la, Rachel. Imediatamente fico consciente das minhas pernas e da sua incapacidade de se firmarem no chão (). Meu coração se esquece de esperar conhecer uma garota antes de começar a rasgas meu peito e chegar até ela.  Rachel, Rachel, Rachel. Ela é como poesia”. 

   Esse é o enredo do livro. A sinopse em vai e vem, Miles já separado de Rachel com quem tem uma apaixonante relação e se casa até a morte do filho e a mudança de cidade e conquista de um novo amor (Tate). Enredo simples, plausível, e ao mesmo tempo a exigir do leitor atenção especial na leitura do texto que é remissivo, um capitulo vai (a atualidade) e o outro vem (há seis anos) e se não houver essa atenção a pessoa se perde, se confunde, e não vai entender o livro em sua inteireza.

    De fato, se o leitor quiser e essa é uma opção mais delicada, pode ler todos os capítulos da paixão e união de Tate e Miles, na Califórnia; e depois, ler todos os capítulos da paixão de Miles e Rachel, em Phoenix, a união e a separação. A autora, inclusive, no decorrer final do livro põe Miles de volta à sua cidade a procura de Rachel, não necessariamente para reconquistá-la, e sim com o objetivo de saber como ela estava, pedir-lhe perdão pela morte do filho (ele se achava culpado pois dirigia o veículo que caiu num lago e o matou), a encontra casada e já com outro filho, e tudo se resolve numa paz civilizada (ela a perdoa e vice-versa) e dá-se a união dele com Tate.

   A autora, em linguagem típica para jovens, descreve cenas de sexo, aqueles momentos em que os jovens vão fazer pela primeira vez, a descoberta, e assim por diante. São esses “pimentos” esses apimentados que tornam a narrativa grande sucesso entre os jovens. Nada de forma direta. Tudo com doses de poesia, encantamentos, dúvidas, incertezas, mas, sempre tocando o barco à frente com impetuosidade, o que é próprio dos jovens. O segredo, pois, é este e o autor (a autora) desse gênero tem que expressar esses anseios de forma que atenda as expectativas dos leitores jovens.

   Creio que Collen Hoover o faz com maestria em “O lado feio do amor”.