Cultura

REI DE ETNIA ANGOLANA BAIUNDO VISITA MUNCAB E ANALISA A GLOBALIZAÇÃO

Ekuikui VI participou de visita guiada à exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” no MUNCAB
Rodrigo Cabral , Salvador | 24/11/2024 às 18:14
Ekuikui VI participou de visita guiada à exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” no MUNCAB
Foto: Rafael Rodrigues
  A visita de Tchongolola Tchongonga Ekuikui VI, soberano do maior grupo étnico da Angola, o Reino de Bailundo, ao MUNCAB (Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira), em Salvador, neste domingo (24), transcende a mera formalidade diplomática, tornando-se um ato simbólico. Ao afirmar durante a agenda oficial: “Nós estamos a cumprir a vontade dos nossos ancestrais”, Ekuikui VI sublinhou o propósito de sua passagem pelo Brasil e sua busca pela preservação da identidade cultural angolana no território brasileiro.

Durante a visita guiada à exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo”, o soberano compartilhou reflexões sobre o intercâmbio entre os dois povos. “A história nos une e a ancestralidade nos une, razão pela qual viemos aqui para a Bahia. Realmente, estamos a gostar de estar aqui. Esse espaço [MUNCAB] é muito bonito. Acreditamos que o mesmo processo que estão [MUNCAB] a levar a cabo é o mesmo processo que nós, como reino, estamos a levar a cabo. Estamos a levar os quatro pilares: o resgate, a preservação, a valorização e a divulgação da nossa identidade cultural”, esclareceu.

Ekuikui VI ponderou sobre os desafios enfrentados durante a colonização, agravados pelos conflitos internos contemporâneos na Angola. “Nossa identidade foi atropelada desde os 500 anos do modelo em que fomos colônia. E também na segunda fase, que foram as guerras civis que duraram aproximadamente 30 anos. E, agora, estamos na fase da globalização, que tem o poder muito forte de remover de tudo um pouco a nossa identidade cultural”.

O Rei destacou a diferença da atuação entre o MUNCAB e o Reino do Bailundo. “O que nós vemos aqui [MUNCAB], vocês estão em outros passos. Nós estamos na fase do resgate. Vocês [MUNCAB] estão na fase da preservação, da valorização e da divulgação. Nós estamos a começar o resgate, porque a colonização foi mais forte do que aquilo que vocês viveram aqui. Nós, em Angola, quando o português chegou, apagou, a partir da nossa espiritualidade, toda a nossa fé, a nossa confiança e a nossa resistência foi automaticamente abalada.”

Apesar das adversidades, o Rei ressaltou que os ancestrais angolanos mantiveram viva a cultura de seu povo. “O que aconteceu, ainda sobraram africanos que deram continuidade. Havia um guiador, um controlador das ‘fitas do mar’ [elo entre gerações], e eles preservaram o suficiente para que, hoje, possamos retomar nossa história.”

A presença do monarca no MUNCAB reforça a conexão histórica e cultural entre Angola e Brasil. A exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” celebra essa herança compartilhada, destacando a influência dos povos banto na formação cultural de Salvador. “A narrativa expográfica é uma celebração da resistência e criatividade angolana que moldaram a identidade de Salvador. Essa mostra destaca como a espiritualidade, os saberes e as práticas culturais trazidos por africanos, em especial do povo banto, oriundos de Angola, Congo e Moçambique, transformaram Salvador na capital afrodescendente do mundo”, explicou a curadora do projeto Jamile Coelho, diretora-artística do MUNCAB, ao monarca.

A instalação do gigante baobá na abertura do núcleo “Origens” simboliza a reconexão entre passado e presente, evocando a ancestralidade comum e a força espiritual que sustenta as comunidades afro-brasileiras. A curadora Jamile Coelho ressaltou a influência angolana na cultura baiana, mencionando práticas como o Candomblé e tradições culinárias que enraizaram profundamente na sociedade local.

A visita de Ekuikui VI não apenas celebra a herança cultural angolana, mas também convida à reflexão sobre a reparação histórica e a valorização do legado africano no Brasil. “A presença do Rei Ekuikui VI nesse contexto adiciona uma camada de legitimidade e continuidade histórica às iniciativas do MUNCAB, que não apenas preserva o patrimônio afro-brasileiro, mas também o reposiciona como parte fundamental das trocas culturais entre África e Brasil”, avaliou Cintia Maria, diretora-geral da instituição.

A visita do Rei de Bailundo ao MUNCAB é um marco significativo para Salvador e para todo o Brasil, reafirmando o papel do museu como espaço de resistência, diálogo e celebração das civilizações africanas. “Ela reafirma o papel do museu como um espaço de resistência e diálogo, ao mesmo tempo que celebra a nobreza e sofisticação das civilizações africanas, muitas vezes negligenciadas nas narrativas dominantes. Mais do que um evento simbólico, este é um momento de reconexão identitária e espiritual que fortalece as bases para um futuro de maior intercâmbio cultural e reconhecimento mútuo entre Angola e o Brasil”, concluiu Cintia Maria.

Ekuikui VI foi recepcionado pelos atabaques do percussionista local Gabi Guedes e recebeu uma escultura de Iemanjá assinada pelo artista Mário Vasconcelos. A passagem foi acompanhada por Luandino Carvalho, adido cultural da Embaixada de Angola no Brasil e diretor da Casa de Angola na Bahia, do sacerdote Doté Amilton e da artista plástica Annia Rízia.

Ekuikui VI

Aos 39 anos, o rei Tchongolola Tchongonga Ekuikui VI é o 37º soberano do reino subnacional do Bailundo, localizado na região central de Angola. O Reino do Bailundo foi Estado pré-colonial africano dos povos Ovimbundos e surgiu no Planalto Central de Angola em meados de 1700. O rei Ekuikui VI é formado em Direito, além de ser poliglota: fala quatro línguas, sendo uma delas o Umbundu, língua oficial do Reino do Bailundo. O rei ainda tem fluência nas línguas francesa, portuguesa e inglesa.

Reino do Bailundo

O Reino do Bailundo surgiu em meados de 1700 e foi um estado nacional africano, dos povos Ovimbundu, dotado de poderes políticos e econômicos. O Reino encontra-se localizado no Planalto Central de Angola, e abrange as províncias do Huambo, Benguela, Kwanza Sul, Bié e uma parte da Huíla. Quando surgiu o Reino do Bailundo? No princípio o nome era Halavala, deu-se este nome devido a sua localização geográfica que estava próximo de um monte. Posteriormente mudou-se o nome para “Mbalundo” devido ao uso de jóias, bijuterias que o povo tinha o costume de usar, estes acessórios chamavam-se Ombalundo. O Reino comporta um palácio real, 35 residências para os membros da corte e jangos que servem para julgamentos tradicionais que ajudam a resolver os problemas sociais que ocorrem na aldeia.