Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor de Ciência Política do Departamento e Programa de Pós-Gradução da UFBA
Rosa de Lima , Salvador |
16/11/2024 às 10:53
Lançamento da EDUFBA
Foto: BJÁ
São poucas as publicações em livros contendo análises sobre a política baiana e seus atores algo mais substancial e científico sem conter tendências ideológicos enaltecendo A ou B, muito comuns n’algumas publicações biográficas. Contendo enredo de exaltação à glória são muitas as que existem na Bahia desde as épocas da Colônia e do Império passando pela República Velha, a era Vargas, a redemocratização pós II Guerra Mundial, a ditadura militar mais recente (1964/1984) até os dias atuais.
No campo da ciência política, recentemente, a Universidade Federal da Bahia publicou "ACM político baiano-nacional cronologia de um fato consumado", de Paulo Fábio Dantas Neto (EDUFBA, 2024, capa e projeto gráfico Gabriela Nascimento, prefácio Othon Jambeiro, 227 páginas, R$50,00 nos portais da internet ou loja da editora campus de Ondina) que trata da trajetória de Antônio Carlos Magalhães político de notório conhecimento e influência. A editora adverte na parte explicativa da apresentação que não se trata de uma biografia.
“Ausente a pretensão biográfica, ele (o autor) discute a atitude política do líder baiano e nacional, adotando-a como pronto de observação de suas interações políticas nos dois planos federativos. O foco principal é a fundação, expansão, consolidação, apogeu e declínio do carlismo, termo identificador, no jargão político, do grupo chefiado pelo personagem”.
É exatamente nesse contexto que navega com sabedoria e amparada em fontes, pesquisas e entrevistas a pena de Dantas Neto em produção complementar a tese acadêmica do autor “Tradição, autocrítica e carisma: a política de ACM na modernização da Bahia (1954/1974)”, defendida em 2004 e publicada em 2006, desta feita alargando sua obra ao que classifica como pós-carlismo, período subsequente a morte de ACM (julho de 2007) quando seu espólio político já vinha sendo compartilhado por seus adversários. E vem sendo feito até os dias atuais.
Segundo Fábio Dantas, “o carlismo pós-carlista naufragou nas urnas de 2006, mas o grupo político sobreviveu a ACM até as eleições de 2010 quando o então governador Jaques Wagner (PT) temendo uma aliança entre o PMDB e o DEM busca uma aliança com o ex-secretário e ex-governador Otto Alencar, então conselheiro do TCM e carlista histórico para compor a chapa majoritária com ele (Otto abdicando do TCM) na condição de vice-governador e que resultou em sucesso.
E muito além disso ou no entendimento para conhecer essa estratégia diz o autor: “A missão de Otto Alencar estava muito além de ser simbólica da política de cooptação (embora também o fosse). O encargo formal era ser substituto eventual do governador. Os encargos políticos eram dois: primeiro, reaver para a aliança governista a parte do espólio ex-carlista capturada por Geddel, através da qual o ex-aliado, agora rival (Geddel lançou-se candidato a governador, em 2010, pelo PPS) tentava seduzir o carlismo interiorano. Segundo acabar o serviço que o PMDB iniciara, ofertando, à resiliente elite municipal carlista, um partido novo (o PSD), sem caciques antigos, com a vantagem de intermediação de seus interesses junto ao governo e à elite política ser feita por um carlista histórico, que seguira ACM nos termos do carlismo anterior à ascensão de Luís Eduardo”.
Na verdade – admite o autor – Otto deu o tiro de misericórdia no pós-carlismo uma vez que a derrota do carlismo pós-carlista tinha acontecido em 2006 (Paulo Souto x Jaques Wagner) quando ACM sem a sua força política principal, a intermediação com o governo federal a essa época Lula presidente (ligado a Wagner) perdeu a força junto à sua base parlamentar e já não representava mais o político baiano-nacional. A força de ACM voltou a se limitar a Bahia e Wagner/Lula se utilizou da estratégia waldirista (Waldir Pires) de 1986, de mudar a Bahia, civilizar a Bahia, ter um novo interlocutor junto a Brasília, tudo isso, claro, com a cooptação de carlistas. Souto ficou sem sustentação política e perdeu o pleito.
Essa é a parte final do livro. O autor para chegar a esses finalmentes e a ascensão do PT no estado, gestões que já duram 18 anos, Otto Alencar sendo seu principal avalista, analisa a trajetória de ACM desde os primórdios como assessor parlamentar e deputado eleito pelo juracisismo (do ex-governador Juracy Magalhães) e de como surgiu o carlismo estadual praticamente a partir da indicação de ACM para ser prefeito de Salvador (1967/1970) e depois governador do estado (1971/1974), o político baiano nacional (a partir a indicação para a Eletrobras e ascensão a presidência do Senado), os reveses políticos desde a indicação de Roberto Santos ao governo, em 1975/1979, a morte de Luís Eduardo (1998) até a perda do governo da Bahia e sua morte.
Não foi uma trajetória linear como muita gente ainda hoje pensa, de mandonismo, autoritarismo e outros ismos sem percalços e sem lutas e reveses. Quem ler a obra de Dantas Neto vai verificar que o político baiano enfrentou muitos obstáculos para se tornar um líder com voz nacional, que era ouvido e respeitado, tinha peso (décadas de 1980/1990), o que hoje (e já de algum tempo falta à Bahia) órfã que está de alguém que a defenda, ainda que Wagner seja considerado um bom estrategista (e é), porém, além de ser moderado se alinha com todas as práticas da era Lula. E Otto Alencar segue a trajetória de força auxiliar sem destaque nacional.
O livro de Dantas Neto contempla informações desde o momento em que ACM inicia sua trajetória política, em 1950, aliado de Juracy Magalhães interventor cearense nomeado pela ditatura Vargas, em 1930, a essa época entrosado com a elite baiana e disputando eleições pelo voto direto (volta a ser governador entre 1959/1963) até o momento de sua morte (2007) e vai além tratando também do seu espólio, ainda hoje disputado.
No prefácio, o professor Othon Jambeiro comenta: “Uma pergunta final: há um legado identificável deixado por ACM como marca na política da Bahia, estado do qual foi, de cerca maneira e em alguns períodos, “dono”, no sentido de que tudo que ali acontecia, tinha de alguma forma suas feições ou o seu cheiro? Este livro permite afirmar – embora o autor não o faça e considere o carlismo como extinto – que sim, que há não uma marca específica, compacta, uma unicidade de conteúdo e forma, mas marcas dispersas de sua presença. Inclusive porque, dentro do conceito de circulação de elites tão bem exposto pelo autor, o carlismo não foi destroçado, mas assimilado pelos novos donos do poder, entre os quais muitos de seus históricos comandados e beneficiários”.
Perfeito. É isso o que ainda se vê na Bahia, embora, como dito pelo autor, o carlismo esteja morto e sepultado. O pós-carlismo é um espectro. E ACM Neto herdeiro desse espólio com uma outra configuração não tenta reviver o carlismo com a marca explícita do seu avô – e vimos isso na campanha de 2022 – mas não consegue se livrar dele. E quando não, os adversários o põem no palco.
Dantas Neto leva aos leitores informações preciosas da trajetória do político-nacional baiano, os casos das vendas do Banco da Bahia e do Econômico, a ascensão meteórica de Roberto Santos, como a elite politica baiana navegou pelas águas dos governos militares (1964/1984) e da redemocratização do país sem perder a pose e o poder, o papel da oposição, o escândalo da pasta rosa, a queda de ACM na renúncia ao Senado, a trajetória de Luís Eduardo e FHC, a volta por cima com a eleição pelo voto direto em 1990, enfim, um conteúdo valioso, didático, e que permite aos leitores tomar conhecimento de um período tão vasto da política baiana e nacional numa obra sintética de 229 páginas.
Nada melhor, portanto, para os leitores ainda que seja preciso algum conhecimento básico da politica para se entender os enunciados do livro e alguns pontos de vistas colocados possam ser contestados e/ou ampliados com outros trabalhos sobre o tema. E cabem muitas análises complementares e outras visões desde que embasadas em argumentos sólidos, e não com proposições ideológicas.
No lançamento do livro na Reitoria da UFBA diferentes representantes de matizes política estiveram presentes, da ciência politica e da academia universitária, do antigo PMDB e DEM, de políticos e jornalistas que presenciaram e viveram parte desta história.