Um livro que receita livros para a cura da alma e outros males
Rosa de Lima , Salvador |
02/11/2024 às 10:29
A Livraria Mágica de Paris, de Nina George
Foto: BJÁ
Gosto sempre de dizer algumas linhas sobre o autor (ou autora) de um livro a comentar porque são milhares de escritores a Ocidente e Oriente e ninguém, mesmo os estudiosos da literatura, têm a capacidade de perceber quem são todos eles e suas obras. Apresento, pois, Nina George alemã de 51 anos de idade, jornalista, escritora e professora. É autora dos “Luzes do Sul” e “O livro dos Sonhos” publicações com grande número de leitores na Europa e Estados Unidos.
Uma de suas mais recentes publicações atingiu a marca de 2 milhões de exemplares vendidos e se trata do título “A Livraria Mágica de Paris” (Editora Record, 2023, RJ, tradução de “Das Lawendelzimmer” título em alemão, da Record, 2016, em acordo com a Ute Körner Literary Agency, Barcelona, 306 páginas, R$69,00 nos portais da internet), um livro que conta a história de um livreiro – uma espécie de farmacêutico literário – que vende livros aos clientes como se fossem medicamentos para a cura das dificuldades da vida.
A única pessoa que não consegue curar é ele mesmo. Isto é, diante de sua livraria ancorada no Rio Sena com milhares de publicações e sempre ágil e prestimoso em atender seus clientes, com livros que curam até a alma, vive angustiado e desesperado desde que sua mulher o abandonou, sem uma explicação sequer, deixando consigo uma carta, onde, presumivelmente, explicava as razões da despedida. O livreiro (Jean Perdu), no entanto, não conseguiu abrir a correspondência durante 21 anos, não se sabe exatamente temendo o que, e quando o faz, decide deixar Paris com seu barco e promove uma viagem pelo interior da França, pilotando-o em busca da amada (Manon).
Trata-se uma narrativa doce, poética, encantadora em paisagens e ensinamentos. E ao mesmo tempo dramática em angústias, desilusões e decepções na busca do amor perdido. Acompanha-o nessa aventura um escritor emergente (Max Jordan), um cozinheiro italiano aloprado (Cuneo) e dois gatos – Lindgren e Kafka- singrando os rios e sobrevivendo com a arte de vender livros com o mesmo receituário praticado em Pais ofertando produtos para a cura da alma.
Há, no entanto, novos ingredientes adicionados pela criatividade da Nina George tais como uma nova inquilina (Catherine Le P.) que vai residir no mesmo local onde o livreiro morava em Paris, na rua Montgnard, 27, Marias; madame Bernard, proprietária do imóvel; sua filha Brigitte – que queria ter nascido menino; a madame Rosalette; Che – o pedólogo cego; madame Bormme; o judeu Goldenberg. Ou seja, Perdu vivia cercado de pessoas ativas do 27 e não haveria necessidade de viver isolado em si mesmo diante do abandono da esposa.
Sinais de aproximação com Catherine se mostraram auspiciosos quando começou a conviver com ela vizinhos do mesmo andar.
O roteiro do livro está dividido em dois momentos distintos e interrelacionais. No primeiro, a autora descreve o cenário parisiense, a cidade e alguns dos seus personagens residentes na Montgnard, entre eles, o livreiro Pedru que havia sido abandonado pela esposa e tinha uma livraria em barco ancorado no Rio Sena; a madame Catherine Le P, por coincidência, abandonada pelo esposo e refugiada no mesmo endereço e no 4º andar onde vivia Perdu, a qual, sem querer (e sem saber o conteúdo) acha a carta deixada pela esposa do livreiro na gaveta de uma mesa que ele a empresta para servir de móvel.
No segundo momento, após um jantar com Catherine e aproximação sexual, decide abrir o envelope que continha a carta deixada pela esposa Manon, a qual em tom melancólico e dramático diz que não o queria ter abandonado, que estava perto da morte - “vou morrer em breve, acham que no Natal () Ainda preciso dizer o que aconteceu comigo, com você, conosco. É belo e ao mesmo tempo horrível, é grande demais para uma carta tão pequena. Se viver até aqui, podemos conversar sobre tudo. É por isso que peço, Jean: venha até mim. Eu tenho medo de morrer”.
Começa então a aventura pelo interior da França, Jean Perdu deixando para trás a madame Catherine e seus amigos do 27 e levando a bordo o irreverente escritor Max e o cozinheiro italiano Cuneo - incorporado ao longo da viagem- e os dois gatos – Lindgren e Kafka.
É exatamente nesse momento em que o livro se torna mais agradável de ser lido e a autora faz uma mix bem interessante de passagens da vida de Perdu e Manon juntos, o que demostra uma permanente paixão do livreiro pela ex-mulher, não descarta Catherine no processo de novo conhecimento e esperança enviando-lhe correspondências e mostra de forma bem altruísta como é possível navegar rios da França conhecendo lugares e cidades no vale dos vinhos, na Borgonha, em Sancerre, Lyon (pelo Ródano), Avignon (Luberon), Bonnieux, Aix-en-Provence até Sanary-sur-Mer, comercializando livros.
Uma viagem fantástica passando em 21 localidades conhecendo de escritores famosos a gente do povo, sustentando-se com a venda de livros, até que encontra Manon (só em sonhos), ou melhor dizendo o marido de Manon (na real), uma vez que ela já havia morrido.
A descrição do encontro de Luc e Perdu é emblemática: - Meu nome é Jean Perdu. Sou o homem com quem sua esposa, Manon, morou em Paris. Até ...vinte e um anos atrás. Por cinco anos. – Eu sei – disse Luc, tranquilo – Ela me disse quando soube que morreria.
- Por que veio só agora? – perguntou Luc bem devagar.
- Eu não li a carta na época.
- Deve ter sido ruim... quando o senhor leu a carta. E percebeu que havia se enganado o tempo todo. Que aquelas não eram as palavras de costume. “Vamos ser amigos” e esse tipo de bobagem. Era o que o senhor esperava, certo? “Não é você, sou eu...desejo que encontre alguém que te mereça”. Mas era outra coisa completamente diferente.
Paro por aqui para não revelar mais trechos do livro. A leitura desta obra exige uma atenção redobrada porque a autora, ao que tudo indica, uma intelectual, faz muitas citações literárias e usa recursos e técnicas da escrita com passagens do passado, de lembranças, do amor, da relação entre casais e há centenas de diálogos.
Trata-se de um livro bem trabalhado em linguagem e os leitores se perdem um pouco diante tantos floreios. Há uma superposição do pitoresco (ainda que se aprecie muita coisa dos locais em que o barco navega, da cultura, história, costumes, etc) mas o que vale mesmo é a história do amor de Perdu e Manon e a presença de Catherine na nova vida do livreiro, em permanente incógnita.