Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA 7, CAP 24: PUBLICIDADE E PROPAGANDA NO GOGÓ

Na Avenida Sete a propaganda mais usada é a do gogó do convencimento pelo microfone ou na base do grito sem microfone
Tasso Franco ,  Salvador | 17/10/2024 às 07:41
A panfletaria na avenida usa também o boca-a-boca
Foto: BJÁ
   
  Desde meu tempo de secundarista ouvia falar que “a propaganda é a alma do negócio” e quando entrei no Curso de Jornalismo da FAFIUFBA, em 1968, e passei a estudar a comunicação de forma mais ampla verifiquei que essa é uma verdade verdadeira. Na TV, Abelardo Barbosa, o “Chacrinha” estava sempre a dizer que “quem não se comunica, se trumbica” e fui verificando na prática já trabalhando no marketing político desde a década de 1970 o quanto é importante a comunicação para a sobrevivência do Ser e sua ascensão comercial, política, religiosa e outros fins. 

   E, vejo, hoje, como em plena 4ª era industrial -, da informática, da robótica, do iPhone, das novas tecnologias - elas convivem com as velhas, harmonicamente. Há uma quantidade enorme de jovens mulheres que, diariamente, distribuem panfletos na Avenida 7 (vide foto acima) com as mais variadas ofertas desde empréstimos de dinheiro a venda de óculos. E também outras tantas que se vestem de mulheres-plaquetas ou mulheres-banneres usando batas estilizadas com os dizeres de compro ouro, prata, anéis e relógios.

   Quando escrevi o livro “A Cadeira e o Algoritmo” – Onde vamos parar? A convivência entre as velhas e novas tecnologias (2022, Ed Ojuobá, Amazon.com e Kindle Store) nos 30 textos do ensaio comentei vários temas como o fim do dinheiro e a era dos cartões, as bonecas infláveis e o novo mundo erótico, as relações de consumo e a internet: como ir as compras, e como as novas tecnologias da internet estão modificando os hábitos de consumo no mundo e as relações entre consumidores e lojistas, consumidores e áreas de serviço, e potenciais clientes do lazer e do turismo.

  Hoje, escrevendo sobre a Av. Sete deparo-me com um laboratório a céu aberto com 4.6 km de extensão, nove áreas distintas, onde essas relações de consumo são múltiplas em estratégias populares, aconteceram muitas modificações, porém, ainda prevalece o dizer da inicial deste texto onde “a propaganda é a alma do negócio” e se expressa na convivência entre as velhas e as novas tecnologias.

  Observando-se que, também é real, nem tudo que os marketeiros empurram goela abaixo pela mídia televisiva e pela internet via influenciadores, muitos produtos sem a menor necessidade para as pessoas, carecem de uma análise mais apurada, e são consumidos com reservas.

  E o que vejo e acompanho na Av. Sete em destaque é a propaganda do gogó com serviços de sons amplificados, música e apelos dos locutores; no gogó sem microfone – os ambulantes e prestadores de serviços exaltando o verbo na forma direta (no grito) e uma publicidade, mais ampla, que não se baseia em planejamento e é feita pela intuição. 

  Publicidade e Propaganda são áreas distintas, embora vendidas por alguns acadêmicos como uma atividade única. Negativo. São irmãs, parecidas, se confundem e passem por uma mesma espécie. A publicidade, no entanto, é a arte de criar, planejar e estabelecer os critérios (os parâmetros, as estratégias de comunicação, marketing e design) da divulgação do que se pretende vender, que pode ser um produto comercial, político, religioso, turístico, serviços, etc. Adota estratégias de comunicação, marketing e design para influenciar e atrair o público-alvo, por meio de canais televisivos, internet, rádio e mídia impressa. A propaganda, em si, é a divulgação pelos meios (ou canais) existentes dessas estratégias (campanhas) através da TV, rádio, jornal, internet, panfletaria, cartazes, placas de ‘out-door’, sites, blogs, etc.

   A publicidade é uma forma de comunicação persuasiva, inteligente, que tem como objetivo promover produtos, serviços ou ideias. Em geral, a publicidade é paga por um patrocinador e deve ser veiculada (propaganda) de forma a ser facilmente identificada pelos consumidores. As agências de publicidade não trabalham com a propaganda do gogó ou a boca-a-boca. E, também, no geral, as mais gabaritadas não atuam em estratégias com uso de panfletaria, cartazetes e outros modelos que vemos na Avenida 7.

   Salvo, por posto, quando são atividades complementares. A agência que atende o Vitória Boulevard, shopping vertical classe A do Corredor da Vitória (Av. 7, 1839) utiliza a internet e a TV nas suas campanhas (e o Boulevard tem uma belíssima página de apresentação na internet) e já usou panfletaria para divulgar uma festa de São João, o Arraiá do Boulevard, com a distribuição de panfletos no interior e na avenida. Já o Edifício Fundação Politécnica (Av. 7, 400), primeiro shopping vertical de Salvador e que já foi classe A e agora é B, não segue essa estratégia (não há uma estratégia publicitária integrada) e o shopping usa um “frontlight” na entrada (próximo da escada rolante) e cada lojista e/ou prestador de serviços faz a sua propagada e acontece de tudo. 

   Há uma pessoa com a placa de compro ouro na frente e nas suas costas que grita o tempo todo “compro ouro, prata, brilhante, anéis, relógios) na entrada do shopping; um a outra que vende docinhos; uma loja de eletrodomésticos que usa a propaganda em placas e cartazes afixadas nos produtos, duas óticas no primeiro piso com “frontlights’, uma lanchonete com uma placa de R$9,90 lanche completo; e marcas as mais variadas de cada uma das lojinhas com apelos de promoções feitas em cartazetes. Muitas dessas lojas usam a internet para a divulgação de seus produtos e serviços. Como são lojas pequenas e consultórios de médicos e dentistas a preços populares ninguém usa a TV e rádio em propagandas.

   A Avenida 7 tem várias galerias num total de 8 que vendem joias, bijouterias, óculos, confecções etc mas, não têm uma estratégia publicitária integrada (nem na época do Natal) e cada uma delas usa suas próprias propagandas – exposições em vitrines, nomes das lojas em destaque, boca-a-boca na entrada das lojas (normalmente fica uma pessoa convidando os clientes para entrarem e divulgando as promoções) e o que mais se usa é a panfletaria e o gogó.

   Nas lojas de variedades, cama, mesa e banho, brinquedos e sapatos, há uma ‘guerra’ do gogó e vale aquele que melhor interpreta as preferências dos consumidores e também as promoções que os lojistas oferecem. É uma zoada infernal, porém, ninguém se incomoda com isso. Tem lojas que põem caixas de som com música nas portas e mesclam a locução do propagandista com músicas, o locutor também canta, dança, interpreta, faz piadas. É uma festa. Recentemente, para o Dia das Crianças havia locutoras vestidas de Xuxa, Emília e outros personagens, e homens vestidos de Homem Aranha e a capa de ‘Shazam’ (na verdade, uma toalha).

   Nessa “batalha” os locutores também seguram mercadorias com as mãos fazendo vendas promocionais (olha aqui essa toalha de banho que custa R$40,00 está por R$29,90 é agora, leve aqui e pague no caixa) e todos os apelos são feitos. 

   Vê-se, pois, que há uma estratégia consciente dos lojistas (sem uma agência de publicidade por trás) intuitiva, pelo senso comum, da propaganda do gogó que funciona, dá resultados, e é imitada pelos ambulantes (que na 7 são fixos) e também gritam, cantam, usam microfones portáteis para alardear as promoções. Disse-me o seguinte a senhora Marisa Crocheteira, que tem banca de confecções na área da Piedade: “Na Avenida quem não grita, não oferece seus produtos, vende menos. É importante fazer essa divulgação”.

   Conservei com Paulo Barbosa, 59 anos, 40 anos de avenida como amolador de alicates de unhas, tesouras, etc, ele que usa uma propaganda simples duas placas feitas a mão escritas em cada uma delas “Amolador de Alicates” e colocadas numa árvore e na lateral do IGHB. Perguntei por que não colocava seu nome e o telefone. “Já coloquei, mas, começaram a me passar trotes, fazer gozações e então tirei”. E essa sua propaganda na árvore funciona? – E como. Aqui passa muita gente a todo momento e eles leem e param.

   Creio, também, que depois da propaganda do gogó, a mais utilizada na Av 7, da Barra ao São bento, é das plaquetas e estão por todo lugar. Esse é mais um detalhe que comento para meus leitores: a Sete tem trechos diferenciados: de praia, de residência, de comércio e serviços. As propagandas também são variadas e segues essas peculiaridades, embora as estratégias (cartazes, gogó, etc) sejam assemelhadas. Nas áreas de praia, por exemplo, os produtos à venda são diferenciados da área comercial – cangas, biquinis, saídas de praia, coco verde, acarajé no prato, ‘brigadeiros’, etc – e o gogó também funciona de maneira diferenciada.

   Nas áreas de praia o gogó é na oferta das cadeiras de praia logo que uma pessoa, família ou casal chega a Barra e o propagandistas aborda-os oferecendo assentos. A disputa é grande entre os barraqueiros (hoje, chamados de isoposeiros ou sombreiros) e, na praia, a pessoa depois de acomodada, é assediada por vendedores de os mais variados na propaganda do gogó – acarajés, sanduiches, boias de plástico, queijo coalho, amendoim cozido, cerveja, churrasquinho caipirosca, etc.

   As estratégias são parecidas: Assim é a placa de propaganda da DS Comida Caseira, na Mercês, placa colorida 1m x 60 com fotos dos pratos e comidas, com dizeres café da manhã, salgados e almoço, almoço a partir de R$14,99 faça o seu pedido 71.9917-9665; e a placa do Rosti, no Porto da Barra, quase na mesma dimensão com os dizeres: Está tudo bem, está tudo azul – Rosti Batata Suiça , petiscos, massas, moquecas, pratos executivos.

   Existem na Avenida Sete 14 baianas do Acarajé e elas usam estratégias de vendas diferenciadas. As 6 que trabalham no Porto da Barra vendem o acarajé individual a R$10,00 e R$15,00 (o completo) e o no prato; e das 8 que atuam na avenida comercial entre a Mercês e São Bento, duas seguem o modelo do acarajé individual R$10,00 e R$15,00 com uso de tabuleiros; e seis usam tendas e quiosques plotados com preços de R$4,00 e R$6,00. Ou seja, aquelas tradicionais e antigas na avenida, a Neinha (Mercês) e a Edna (Rosário) não usam placas nem expõem seus nomes e preços. Já as outras põem nome (acarajé da Sofia, acarajé da Nalva, etc) e os preços à vista.

  Já vendedoras de comidas na avenida (na rua, a céu aberto) todas mulheres usam a mesma estratégia de vendas: a propaganda do gogó feira por auxiliares e panfletagem nas tendas a preços que variam de R$8,00 a R$15,00; e ainda há os vendedores de sucos, lanches e ‘hot-dogs’ com estratégias assemelhadas.

    A Avenida Sete, portanto, nos campos da publicidade e da propaganda é um laboratório observando-se ainda que, numa visão mais macro, como principais bancos do pais têm agências nos trechos da via, as estratégias publicitárias desses estabelecimentos chegam aos lojistas e aos consumidores via TV, rádio e internet; há ainda 5 museus e 5 templos religiosos católicos, 3 institutos de cultura com bibliotecas, duas salas de cinema, hotéis, shoppings, o mix publicitário é complexo e abrangente uma vez que a divulgação da Sala de Cinema de Arte, no Corredor da Vitória, é diferenciada do modelo utilizada por Paulo Barbosa, amolado de alicates da Piedade.

   O que vejo, e volto ao meu livro “A Cadeira e o Algoritmo” é um mix harmônico entre as novas tecnologias publicitárias com as velhas do tempo em que a Farmácia Caldas fez sucesso na avenida.