Cultura

A ALMA DA SENHORA AV. SETE, CAP 22: O MUSEU DE ARTE DA BAHIA (MAB)

O MAB foi fundado em 1918 no governo Antônio Moniz de Aragão e transferido para a Av Sete no governo ACM, 1982
Tasso Franco , Salvador | 03/10/2024 às 09:30
Museu de Arte da Bahia (MAB)
Foto: BJÁ

   O Museu de Arte da Bahia (MAB) é o mais antigo de Salvador. Fundado no governo de Antônio Ferrão Moniz de Aragão, em 1918, completou 106 anos de existência. Mas, não sei porque, não consta na relação dos museus mais antigos do país iniciando-se pelo Nacional, RH, 1818; e o Paraense Emilio Goeldi, que é de 1866. E, nem tampouco, mantém as exposições permanentes da Escola Bahiana de Pintura e seu acervo em mobiliário, louças, prataria e ourivesaria em cartaz.

   Na atualidade, em visita que fiz no final de setembro 2024, havia três exposições em cena: Armorial, mostra que expõe a trajetória do movimento criado por Ariano Suassuna; Bel Borba expo ocupando quase todo o primeiro piso  com a exposição ‘Sinergia e Atavismo’ – óleos, esculturas e gravuras; IPAC), unidade da Secretaria de Cultura do Estado (Secult); e a expo “DEF Contexto’, por Gustavo dos Reis, autista; Dêivide Monteiro, artista com deficiência visual; Jeferson Carvalho, artista com deficiência física
   Na lista dos estudos nacionais estão o Museu Histórico Nacional Rio, 1922; Nacional de Belas Artes, Rio, 1937; e o Imperial de Petrópolis, 1940.  O Museu Histórico Abilio Barreto, de BH, 1941. Em SP, o mais antigo é o Ipiranga, de 1895; e o de Arte de a Pinacoteca, de 1905.
  
   Paciência, o MAB desconhecido do Brasil, iniciou sua trajetória com o nome de Museu do Estado no modelo abrangente de domínios do conhecimento (enciclopédico|) depositário de documentos do patrimônio histórico, etnográfico e científico da Bahia, especializando-se gradualmente nas décadas seguintes como um espaço museológico devotado às artes visuais. Registre-se que os museus pelo mundo à fora também se modificaram e se tornaram mais dinâmicos e específicos de cada tipo de arte.
  
   Vale lembrar que Moniz de Aragão era advogado e jornalista, autor de algumas publicações em economia e direito sendo professor da Escola Politécnica o que permitiu assento na Academia de Letras da Bahia, por mérito. Ademais, foi no governo que, com o bombardeio da cidade e a destruição da biblioteca do Palácio do Governo, em 1912, mandou erguer o prédio da Biblioteca Pública, na Praça Municipal que funcionou até ser transferida para os Barris, no governo Luiz Viana Filho, década de 1960. 
  
   Provavelmente, Moniz fora o mais intelectualizado “seabrista” (de JJ Seabra) que o fez governador. Seabra (governador poderoso entre 1912/1916) o considerava um filho e rejeitou apelos de toda natureza, especialmente de Ruy Barbosa, o qual gostaria de sucedê-lo, e indicou e elegeu Moniz. Ao emissário de Ruy. Joaquim Pereira Teixeira, Seabra comentou: “Pergunte ao Ruy se ele teria coragem de abandonar o Alfredo ou o Palma. Abandonar Antônio Moniz neste momento é trai-lo. () Diga a Ruy que é a mim que ele aceita como governador, não ao Moniz”. (Edilton Meireles, JJ Seabra sua vida, suas obras, pag 157)

   Cultor das letras e das artes, Moniz convidou o amigo e colega da Academia de Letras da Bahia, o historiador Francisco Borges de Barros, imortal da cadeira 7, natural de Santo Amro e contemporâneo de Arlindo Fragoso - criador da ALB - que o nomeou presidente do Arquivo Público e diretor do museu (1918 a 1930). Portanto., pode-se auferir que o Museu do Estado nasceu dessa união de saberes e ideias desses homens que amavam a cultura, o que é raro entre os gestores da atividade pública na atualidade. Diz-se, segundo artigo de Emanuel Araújo, que Borges de Barros foi o mentor intelectual do museu.

   Os primórdios, no entanto, aconteceram em 1871, quando o vice-presidente da Província, Francisco José da Rocha, adquiriu o acervo de 400 obras que pertencia ao médico inglês residente na Bahia, Jonathas Abbott. Essas obras de Abbott vão integrar o Museu do Estado de Moniz e Rocha instaladas no Arquivo Público e, posteriormente, até 1925, no Liceu de Artes e Ofícios, centro da cidade. 

  As obras de Abbott ainda pertencem ao MAB e são pinturas de autores da escola baiana – José Joaquim da Rocha (Procissão do Fogaréu), Theóphilo de Jesus (Os 4 continentes), Franco Velasco, José Rodrigues Nunes, João Francisco Lopes Rodrigues, acrescidas de obras de Presciliano Silva, Alberto Valença e Mendonça Filho. 
  
  Abbott viveu em Salvador nos anos iniciais do século XIX e amealhou com recursos próprios uma grandiosa coleção. Era típico daquela época e Costa Pinto foi outro grande colecionador. Hoje, sabemos, os ricos baianos compram lanchas e apartamentos no Corredor da Vitória, ao invés de obras de arte.
 
  Em 1930, o interventor Leopoldo Afrânio Bastos do Amaral, nomeado por Getúlio Vargas, eleva o arquivo à condição de Arquivo Público e Inspetoria de Monumentos criando a Pinacoteca do Estado e instalando-a no Campo Grande, no solar Pacífico Pereira, quando também é inaugurada a biblioteca, 1931. 

  No Estado Novo, 1938/1942, Isaias Alves, secretário de Educação e Saúde, reordena o museu no seu verdadeiro sentido. Em 1943, no governo Pinto Aleixo, com secretário Aristides Novis, de Cultura e Saúde, que foi adquirida a coleção de artes decorativas – mobiliário, porcelanas orientais e europeias, cristais e ourivesaria pertencentes a Francisco Marques de Góes Calmon parte do legado de seu tio Inocêncio Marques de Araújo Goes. 
  Outro salto de qualidade e aperfeiçoamento do museu seu deu na gestão do historiador e museólogo com formação em História da Arte na Universidade de NY, José Antônio do Prado Valadares. que dirigirá a entidade durante 20 anos, entre 1939/1959 e só não seguiu adiante devido falecimento prematuro. Prado transfere em 1946 o museu do Solar Pacífico Pereira, área onde se construiu o Teatro Castro Alves, no Campo Grande, para o Palacete Góes Calmon, em Nazaré, ex residência deste governador da Bahia (1924/1928) – onde hoje se encontra a sede da Academia de Letras da Bahia – e promove a catalogação e sistematização do acervo. 
   
   Prado Valadares era um dínamo, um gestor inquieto, insubmisso, com trânsito livre no mundo das artes e criou no âmbito do museu e durante 10 anos o Salão Baiano de Arte, no incentivo aos novos artistas. Em 1959, desloca a coleção de arte moderna da Pinacoteca do Estado para o Solar do Unhão, o que se tornou base da criação do Museu de Arte Moderna da Bahia, por Lina Bo Bardi.

  A trajetória do MAB é fantástica, um laboratório para estudiosos e pesquisadores de museus e suas obras de arte. O MAM é filho do MAB. Bem. Apenas com o acervo incorporado. A criação do MAM em si teve uma outra logística e se insere dentro do movimento da Bahia originário com a fundação da UFBA e a energia do reitor Edgard Santos (1946/1962), pelo dedo da esposa do governador Juracy Magalhães, Lavinia, a união de intelectuais e artistas, e a italiana Lina Bo Bardi, que se muda para a Bahia e vai ministrar aulas na Escola de Belas Artes.
  
   Daí nasceu no MAM criado por lei em 1959 e inaugurado com duas exposições no foyer do TCA, em 6 de janeiro de 1960, instalado como museu no Solar do Unhão, em 1963. Importante, apenas situar, que essa é outra história. E que está imbricada com o Museu da Bahia que cedeu seu acervo de arte moderna. E o Museu da Bahia seguiu sua trajetória no Palacete Góes Calmon com a direção de Carlos Eduardo da Rocha, até 1974. Perdeu, no entanto, os holofotes da mídia e dos artistas que se envolveram mais com o MAM.

  Você observar que os dirigentes do Museu do Estado, Pinacoteca do Estado, Museu da Bahia, hoje, MAB, ficavam muitos anos no cargo o que significa dizer que a política partidária não interferia nesse campo, no plano ideológico. Isso, pelo menos até Carlos Eduardo da Rocha. Nos anos seguintes experimentou as gestões de Ana Lúcia Uchoa Peixoto (1975/1979). José de Souza Pedreira (1975/1979), Emanuel Araújo (1981/1983), Luís Jasmin (1983/1987), Valdete Paranhos (1979/1991). Quem quebra essa sequência foi a museóloga e ativista da arte Sylvia Athayde (1991 a 2015), 24 anos à frente da instituição quando deu nova dinâmica e recolocou o museu no cenário baiano, ao menos. Depois de Sylvia esteve o fotógrafo Pedro Arcanjo (2015/2020), e agora está o cineasta Pola Ribeiro (2023/2024).

Foi na gestão de Emanuel Araújo (1982) que o MAB se muda para a Av Sete e suas coleções – de Jonathas Abbott a que pertenceu ao ex-governador Góes Calmon incluindo mobiliário – são levados para o casarão construído no governo Góes Calmon para servir de sede da Secretaria da Educação. 

Esse local tem uma outra história emblemática, pois, nesta área existiu o casarão colonial de José de Cerqueira Lima, um dos maiores compradores e vendedores de escravos da Bahia, considerada a casa mais rica do Brasil e depois funcionou o Colégio São José, de Francisco Pedreira de Almeida Sebrão, sendo adquirido pelo governo do estado, em 1879. 

Passou o palacete a servir como residência dos presidentes da Província e com o advento da República o local deteriorou uma vez que a residência oficial dos governadores se transferiu para as Mercês e o Aclamação. Seabra, quando governador que mandou construir a Av. Sete, morava no Palacete das Mercês, hoje, abandonado. 

No governo Góes Calmon foi demolido e construído o prédio atual que tem elementos arquitetônicos originários de outros solares, com portaria seiscentista em cantaria e madeira entalhada (1674). Não perdeu as características do Palacete da Vitória de Cerqueira Lima e preserva em jacarandá do século XVIII e a azulejaria do século XIX.
 
Entre 1982 e 1991 quando o MAB já funcionava no Corredor da Vitória registra-se uma degradação do casarão a essa altura com mais de 50 anos de existência e sem manutenção e o museu é fechado, sendo reinaugurado em 1994, graças ao empenho da museóloga Sylvia Menezes de Athayde. 

Em publicação sobre o MAB, 1997, livro patrocinado pelo Banco Safra, Sylvia que foi a editora juntamente com José Roberto Teixeira Leite, relata a trajetória da casa e a nova dinâmica que ganhou com o apoio de ACM. Sylvia faleceu em 2015 foi idealizadora de uma série de atividades que mantiveram o museu em pé durante 24 anos até que, a partir de 2015, entra em nova fase de decadência. E, agora, com Pola Ribeiro, a partir de 2023, tenta de soerguer e volta a funcionar depois de um período em obras que ainda não foram concluídas.

  Vale registrar que, com a ascensão de Jaques Wagner como governador, em 2007, manteve Sylvia no comando do MAB e ela só deixou o museu diante do seu falecimento, em 2015, aos 75 anos de idade. Sylvia era personalidade altiva, briguenta, apaixonada pelo MAB e quando foram retirar catorze obras em óleo e devolvidas a Santa Casa de Misericórdia contestou o quanto pode a decisão judicial. Segundo a Santa Casa, 2009, as obras foram emprestadas ao MAB, em 1934, com prazo de devolução; e segundo Sylvia as obras foram doadas pela Santa Casa.

   O MAB voltou a fechar suas portas, recentemente, na passagem das gestões de Pedro Arcanjo para Pola Ribeiro e reabriu com as exposições “Movimento Armorial 50”, Ariano Suassuna (até 20 de outubro) e “Sinergia e Ativismo” de Bel Borba (encerrou dia 29 setembro) e deverá entrar em nova fase da reforma no primeiro piso.
   
  Na expo de Bel foram expostas seis coleções distintas, totalizando 82 obras que mostram um panorama recente da narrativa e do repertório do artista nos últimos10 anos. “Fiz várias exposições fora do Brasil e, de alguma forma, deixei adormecida a minha presença nos museus e galerias de Salvador. Agora as pessoas terão uma visão geral do que criei no meu repertório recente”, afirmou o artista em agosto 2024.

   A exposição "Armorial 50 Anos" homenageia Ariano Suassuna e celebra as tradições da cultura popular nordestina. Inclui figurinos do filme “A Compadecida” (1969), de George Jonas, baseada na peça “Auto da Compadecida”, desenhos originais de Francisco Brennand, obras de Aluísio Braga e Fernando Lopes da Paz, uma sala com as gravuras de Gilvan Samico e pinturas de Romero de Andrade Lima e Manuel Dantas Suassuna.