Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE, CAP 21: POLITÉCNICA 1º SHOPPING DE SSA

Edifício Fundação Politécnica ícone da cidade do Salvador primeiro shopping vertical da cidade
Tasso Franco ,  Salvador | 26/09/2024 às 09:28
Como era em 1905 (livro de José Spínola) e hoje ao fundo
Foto: BJÁ

     O Edifício Fundação Politécnica – duas torres em vidro e alumínio com 12 andares cada uma delas – implantado na década de 1960 em área do antigo Solar Salvador que pertenceu a Francisco Vicente Viana, Barão do Rio de Contas, então sua morada na capital no Distrito de São Pedro, tem um significado todo especial na Avenida Sete, 400, diante da tecnologia inovadora da época, sua grandiosidade, modernidade e centro de compras e serviços pioneiro na capital baiana.

   Até então, o comércio era em lojas concentrado no centro histórico, em especial, na Rua Direita do Palácio – o mais aristocrático - já havia lojas de departamentos como a “Sloper” e a “Duas Américas” e na Baixa dos Sapateiros (o comércio mais popular), porém, um Centro Comercial misto – no estilo shopping com várias lojas – e prestadores de serviços – médicos, advogados, terapeutas, esteticistas, protéticos, dentistas, etc – num mesmo local, o Politécnica foi pioneiro.

   Costuma-se dizer que os primeiros shoppings de Salvador foram o do pai de Bebeto (jogador da seleção brasileira) no Largo do Tanque e o Iguatemi, o que se pode conferir que foram no sentido de que se chamavam shoppings, porém, o primeiro shopping vertical de Salvador (só não tinha o nome de shopping) foi o Politécnica. Se tornou, inclusive, um “point” da juventude estudantil (em parte, na época chamada de “transviada”) que curtia rock n’rool e no Politécnica havia as lojas de discos (chamadas de discotecas) que vendiam os bolachões e a garotada se concentrava mais para ouvir música e azarar do que comprar.

   E uma coisa puxa a obra: lojas de jaquetas, camisas com artistas do rock, brilhantina, pentes, calças bocas de sino e assim por diante. E era chic e pop com escada rolante, vidros, boxes de bijouterias. A jornalista Olivia Soares diz com ponta de saudosismo que foi uma das frequentadoras desse espaço, ainda estudante, obviamente sem dinheiro para consumir as novidades nas ‘boutiques’ chiques de roupas femininas e sapatos, porém, vez por outra, “meu pai dava-me um adicional e eu adquiria alguns produtos”.

   Neste inicio dos anos 1970 em que estudantes do Central, Severino Vieira e depois dos cursinhos Águia e Universitário povoavam a entrada do Politécnica, o jornalista Paulo Bina lembra que adquiriu os vinis “Sol de Primavera” e “Clube da Esquina 2”, porém, não lembra se foi no “Cantinho da Música” que era a loja mais sortida em discos da época e tinha uma filial na boca invertida da Sete no Politécnica, na face voltada para a Carlos Gomes. E lembra, provável ter adquirido alguma camisa ou jaqueta na boutique “Kaverna”.

   O tempo passa e as pessoas esquecem os nomes das lojas e os detalhes do local. O deputado Marcelino Galo, frequentador da paquera na escada, lembra que ia muito paquerar as garotas e “pegar lances”. Já Jolival Góes, empresário, hoje com além dos 85 anos, diz que ia com frequência ao cartório do local e via toda a movimentação. 

  E, o dentista Jair Soares, 97 anos, que teve consultório durante 30 anos nos Edifícios Hermida e Fátima, na Piedade, lembra que ia muito ao Politécnica nas décadas de 1970/1980 para encomendar próteses dentárias e comprar matérias nas lojas de produtos odontológicos para seu consultório. Diz que, a turma que frequentava o local – os jovens usavam roupas bem coloridas – e que frequentava um restaurante chinês que havia no térreo.

  Esse local da Av. Sete é, portanto, emblemático por sua história e por representar os vários movimentos da cidade desde sua fundação. Quando Thomé de Souza chegou para construir a fortaleza de Salvador, em 1549, nesse trecho se deparou com uma aldeia tupinambá que se estendia desde a Piedade. E, adiante, no São Bento, havia uma outra aldeia, a do mayoral Iperu (Tubarão) que, certamente, dialogavam por serem tão próximas.

  A construção da mancha matriz da cidade se deu adiante e essa área seguiu fora dos seus muros de proteção nas portas de Santa Luzia e depois São Bento e foi se urbanizando a partir do século XVII, quando se transformou na Freguesia de São Pedro, onde na época da Colônia, até 1822, se ergueu a Igreja de São Pedro Velho (vide capitulo 6).

  Portanto, esse foi o primeiro movimento da área: de aldeia e mata atlântica sem densidade para área urbana com casario colonial, e o culto ao catolicismo. No Império (1822/1889) sofreu transformações urbanísticas significativas com o calçamento em pedra na Rua Pedro e no largo mudando também seu perfil que era nitidamente residencial para abrigar a sede do Senado da Bahia e dos Correios e algumas casas comerciais. Também cresceu o emaranhado de ruas e becos em direção ao Cabeça e ao Areal, já com moradores mais pobres – escravos, quituteiras, mercadores, prostitutas, cafetões, artistas, artesãos, comerciários, etc.

   O terceiro movimento nesse trecho da Sete vai se dar em 1905 quando Arlindo Coelho Fragoso idealizador do Instituto Politécnico (05/07/1896) donde nasce a Escola Politécnica da Bahia no governo Luís Vianna (14/03/1897) que funcionou inicialmente na Rua Laranjeiras, 6 (1901/1904), depois na Rua Florêncio de Abreu, Piedade, foi transferida para o Palacete Salvador, imenso sobrado que pertencia ao Barão do Rio de Contas, Francisco Vicente Viana.

  Ora, chegaram, pois, os estudantes num trecho da cidade que era residencial, comercial e político com a sede do Senado distante 100 metros. E, assim, também muda o perfil do local, até que, no governo JJ Seabra tendo Arlindo Coelho Fragoso como engenheiro chefa da grande obra implanta-se a Av. Sete, do São Bento a Barra (1915). O Palacete Salvador nada sofreu. No entanto com a derrubada da Igreja de São Pedro Velho e a instalação da Praça Rio Branco passou a ter uma visibilidade notável. 

   Arlindo morre em 1926 e a Escola Politécnica funcionou na Av. Sete durante 55 anos, até 1960, quando já incorporada a UFBA e federalizada a partir de 1946 se muda para o bairro da Federação, onde está até os dias atuais.

   Uma longa e belíssima história que não cabe interpretar nessa crônica e há inúmeras publicações sobre esse tema, especialmente de Caiuby Alves da Costa (105 anos da Escola Politécnica, Frutos da Seara da Escola Politécnica, biografia de Arlindo Fragoso) para quem estiver interessado especificamente.   

         O importante, no nosso caso, é mostrar que houve esse terceiro movimento no trecho da Sete (1905) que se mistura com um quarto movimento (1915/1960) já no período republicano, com algumas agitações na época do Estado Novo e no governo de Juracy Magalhães.

   O local vai experimentar um quinto movimento com a construção do Edifício Fundação Politécnica, projeto de Newton Oliveira e Luiz Fortunato Augusto da Silva, 1968, com a edificação das duas torres com 12 andares cada, escala rolante (a segunda da cidade) e a implantação de um centro comercial misto, a rigor, o primeiro shopping (não tinha esse nome) vertical com lojas no térreo e no primeiro piso, e salas de prestadores de serviços em odontologia, medicina, advocacia, esteticismo, representações comerciais e outros.

  A essa altura (final dos anos 1960 e começos da década de 1970 e fui testemunha dessa transformação porque morava na Rua Nova de São Bento, quase em frente ao Relógio de São Pedro) a Av. Sete começou a rivalizar com a Rua Direita do Palácio, absurdamente chamada de Chile, com lojas como “Os Gonçalves” (tecidos), “Drogaria Caldas”, “Petronivs” (moda masculina), “Florensilva”, “Tamba”, “Ótica Ernesto”, “Banco Econômico”, “Mesbla”, “Clemens Sampaio”, “Óticas Viúva Neves”, etc, e o “point”, a concentração dos deslocados, dos “jovens transviados”, dos “cabeludos” com suas roupas coloridas era no Edifício Politécnica onde se podia comprar um vinil “bolachão” dos “The Beatles”, uma jaqueta de couro, uma brilhantina, um correntão, e tinha lojas chiques de vestes femininas, bolsas, sapatos e joias.

   A Av. Sete se transformou neste trecho num local glamuroso com muitas madames saindo das lojas com sacolas de grifes misturadas aos jovens e aos senhores engravatados e que também consumiam produtos dessas lojas.

   Teve, no entanto, vida efêmera porque também nas décadas de 1970 e 1980 surgem os shoppings Iguatemi e Barra, mais modernos, mais acolhedores, e que seriam beneficiados por outro fenômeno que aconteceu na sociedade baiana (e brasileira) a libertação da mulher e o uso do automóvel. A mulher, então, libertou-se, tornou-se mais altiva, mais competitiva com os homens no mercado de trabalho, saia em grupos ou sozinha para ir a uma balada, ir às compras, e o automóvel passou a ser mais acessível a sua compra em prestações e os shoppings ofereciam vagas gratuitas para os veículos com segurança, o que era, a essa atura, mais difícil de encontrar na Av. Sete. Nenhuma loja na Avenida tinha estacionamento e os engenheiros do Edifício Fundação Politécnica certamente não pensaram nisso. 

  Também contribui para esse processo o crescimento da violência. Pronto: Foram as pás de cal no comércio do centro histórico com esse viés: madames endinheiradas, boêmios, jovens, homens engravatados e afins, mudaram seus roteiros. Pra piorar um incêndio, em 1977, destruiu “As Duas Américas” e em meados da década de 1990, a rua Direita do Palácio estava falida e a Av. Sete começou a fazer uma nova transformação (a sexta) neste trecho mudando seu perfil para o comércio popular. Diz-se que foi a salvação. Mas, sempre alguém paga um preço por isso e quem pagou esse ônus foi a Baixa dos Sapateiros.

   Com a construção da Estação da Lapa (década de 1980) como terminal de ônibus e do metrô (década de 2000) a população mais pobre da cidade que não tinha veículos para ir ao Iguatemi e ao Barra, depois surgiram o Itaigara, Salvador Shopping, Paralela, Norte Shopping, etc, desaguou na Sete e afundou a Baixa dos Sapateiros, uma vez que o Terminal da Barroquinha se remodelou e retirou muitas linhas de ônibus.

   O Edifício Fundação Politécnica embarcou na onda e foi mudando novamente seu perfil. Hoje, diria, é um centro comercial de óticas, no primeiro piso (com uso pela escada rolante) e embora abrigue a “JC Soluções Financeiras” – solicitações de empréstimos; a “Lotérica Politeama”, a “Dallas Modas”, a “Bom de Empada”, “Informática e Papelaria”, “Josephy” (livraria evangélica), “Romanel”, “Baiano Cell”, “Compro Ouro”, “Lula Relojoeiro”, duas lojas de cabelos e perucas, “Geraldo Presentes”, duas lojas de produtos dentários, estão nesse local as óticas “JV”, “Olhar”, “Menor Preço”, “Solar Vision”, “NT”, “Flávia”, “Santana”, “Clara Visão”, “Visão Real”, “Safira”, “Oficina de Óculos” e a “Talismã”.

   No segundo pavimento usando outra escada rolante a ocupação é plena da empresa “OrthoRiso” – tratamento odontológico, próteses, implante, cirurgias, periodontia, restauração e clareamento.
   Já na parte térrea quando se chega ao Politécnica há um lojão da “Primordial”, a drogaria “Ultra Popular”, a “Ultra – Max Service”, Brandão Joias, lojão das “Casas Bahia”, “Café Expresso” e salgados a R$9,90 e uma vendedora de tortas no corredor a R$13,00 e R$15,00 a unidade.

   Há, ainda, seis espaços vazios, ou lojas para alugar. Vocês poderão questionar: como um local que é frequentado por milhares de pessoas todos os dias ainda tem espaços para alugar? São os movimentos as vezes imperceptíveis da cidade e se os comerciantes não enxergarem o que se passa nos locais põem lojas distantes da realidade dos clientes e, óbvio, vão à falência.

   Veja que nessa área do Fundação Politécnica já existiram várias lojas de discos e depois CDs. Essa realidade mudou completamente. Esse é um produto que a internet sepultou. Na década de 2000, coisa recente, não havia nenhuma loja de celulares e hoje tem dezenas. 

   E o que existe, hoje, nas salas das duas torres. Os perfis são parecidos com os da época da inauguração com preços populares: existem dentistas, médicos, estúdios de beleza, advogados, representações, autoescolas, proteicos, oculistas e outros. Exemplo prático: a consulta a um médico numa clínica de Salvador, em média custa R$300,00 (há quem cobre até R$800,00) e no Politécnica gira em torno de R$100,00.

   E a violência como se situa neste momento? Existe e é acentuada. Vocês poderiam dizer que ladrões não furtam pobres. Isto é, pobre não rouba pobre! Mas, furta e muito e os clientes que circulam na Sete comercial, já sabendo disso se protegem, seguram as bolsas e os celulares e a PM está sempre de plantão em frente ao Politécnica com uma guarnição. No entanto, é raro, raríssimo, encontrar uma “madame estilo shopping” usando bolsa de grife circulando na Sete comercial. E os rapazes e moças que frequentavam o “point” Politécnica nos anos finais 1960 e nos 1970 se mudaram para os shoppings e para o bairro do Rio Vermelho. 

   Creio que dei uma ideia de como esse local do antigo Palacete Salvador da época em quem Afonso Glicério de Cunha Maciel e Arlindo Fragoso davam aulas de engenharia ao atual Edifício Fundação Politécnica, 400, um mundo à parte na Avenida monitorado por dezenas de câmeras de segurança onde todos se entendem, sobem e descem escadas rolantes e elevadores sem identificarem-se nas portarias, vão as compras e aos serviços nesta cidade da Bahia.