A gastronomia é uma forma de expressão cultural, mas numa cidade de muitas identidades como Barreiras não é fácil achar "o" prato que define o que é Barreiras
Nara Franco , Barreiras |
15/09/2024 às 09:28
Restaurante do Afonso e a galinha deliciosa
Foto: NF
A comida "típica" de uma cidade ou de um país carrega histórias de migrações e trocas culturais. Em Barreiras, oeste baiano, o feijão tropeiro talvez seja o melhor exemplo disso. O tropeiro é o prato dos viajantes e numa cidade de muitos migrantes, nada mais justo que ele seja sempre o acompanhamento do arroz. E é bem gostoso. Essa foi minha primeira descoberta sobre Barreiras. Aqui tudo é junto e misturado.
A gastronomia é uma forma de expressão cultural, mas numa cidade de muitas identidades como Barreiras não é fácil achar "o" prato que define o que é Barreiras. O Rio tem o chope, o bife com batata frita. Salvador tem o acarajé. Minas, o pão de queijo. Barreiras, arrisco dizer, tem o espertinho para chamar de seu. A cada esquina há uma churrasqueira queimando diversos tipos de espetinho: coração de galinha, linguiça defumada, medalhão (frango com bacon), cupim, kafta, tulipa (asinha do frango) e queijo coalho. Espetinhos que você pode comer com o que aqui se chama de "jantinha": um prato de sobremesa com mandioca, tropeiro e vinagrete.
O meu preferido é o Espetinho Barbosa, que fica próximo ao Batalhão da PM. O melhor queijo coalho que já comi. Se a música aqui não me agrada, posso dizer que a cerveja é de primeira. Nada de Brahma ou Antartica. Em Barreiras a moda é a Heineken. Os espetinhos deixam um aroma de "assados" no ar e são sempre ao ar livre. Há os com música, os com TV, os que passam futebol, os que são mais gourmetizados e aqueles bem raiz. Ou seja, tem para todos os gostos.
A maneira como uma cultura adapta e incorpora influências em sua gastronomia pode refletir sua capacidade de se integrar e inovar. O espetinho reflete a forte presença dos gaúchos na região. Não vou dar como certeza porque não sou estudiosa do tema, mas certamente a proximidade com o Centro Oeste faz a comida barreirense ser bem distante da mescla africana que caracteriza, por exemplo, a comida baiana mais conhecida. Mas é claro que elementos tipicamente nordestinos não faltariam por aqui: o cuscuz, a mandioca, a banana da terra cozida ou frita no café da manhã ou na comida, a farinha e a pimenta.
Dei essa volta toda, que podemos chamar de introdução, para falar de um lugar super simples que fica no bairro da Morada Nobre, onde nesse momento me hospedo. O Restaurante do Afonso - Galinha Caipira. Sempre passo pela placa, pela porta e hoje matei minha curiosidade. Fui, vi e comi.
Lugar super simples, amplo, mesas e cadeiras de plástico, um quintal à frente e a recepção feita pelo próprio Adonso, um homem negro forte de uns 40 anos. O restaurante fecha às 15h e cheguei às 14h30. Era a única cliente. Afonso me avisou que só tinha galinha - ao molho pardo e ensopada - e carne de sol. Escolhi a galinha. Ou melhor, meia galinha. Porque uma inteira só com um grupo grande. Meia galinha com arroz (soltinho), pirão e salada de alface, tomate e cebola.
A galinha caipira tem uma carne mais escura e dura. Ainda assim, muito boa. Era muita comida para uma pessoa só e saí de lá com quentinhas que irão me servir durante a semana. O pirão, uma delícia. O caldo da galinha no ponto, muito saboroso. Salada fresca. Tudo isso por R$ 85.
Afonso ainda me serviu um cafezinho quentinho, naquela xícara de esmalte que no Rio de Janeiro é coisa assim de gente chique fingindo estar no hype e fiquei ali contemplando aquele silêncio espetacular de uma tarde no interior. Uma tarde no interior em uma cidade muito quente. O que significa que no trajeto do hotel ao restaurante cruzei com um total de zero pessoas. Acredito que os motoristas dos muitos carros que passaram por mim devem ter pensado que tipo de doida encara o sol de Barreiras às 15h.
Eu fui me escorando pela sombra até o hotel, satisfeita com minha galinha caipira, meu arroz e meu pirão, todos embalados.