Museu mostra a riqueza e o fausto peças de vários séculos entre os XVII e XX
Tasso Franco , Salvador |
05/09/2024 às 08:55
Um dos melhores museus do estado da Bahia, inaugurado em 1969
Foto: BJÁ
O Museu Carlos Costa Pinto situado no Corredor da Vitória é uma preciosidade. Único na Bahia e insuperável. Seu acervo constituído por 3.154 peças e mobiliário representam épocas de luxúria de um passado de três séculos distintos, colecionadas graças a obstinação de um empresário exportador de açúcar Carlos Costa Pinto e Pinho atuando na cidade do Salvador no início e meados do século XX.
Coleção rara e valiosa cuja viúva Margarida Costa Pinto após 23 anos da morte do marido conseguiu construir o sonho e propósito do esposo de doar ao estado um museu com exposição permanente que servisse de apreciação ao público de uma forma geral, estudantes em particular, e são objetos de estudos para pesquisadores, cronistas e historiadores.
Um museu – qualquer que seja – cada peça tem uma história, um significado. Muita gente pode achar que o Carlos Costa Pinto é um museu do fausto, da riqueza, de um traço da alta burguesia baiana, o que, sem dúvida e em parte é verdadeiro, mas os balangandãs de prata representam um período em que as negras escravas e alforriadas também se enfeitavam de ouro e prata. E a riqueza é também o registro de épocas e histórias.
O Carlos Costa Pinto é um museu instalado em casa no estilo americano projeto dos arquitetos Euvaldo Reis e Diógenes Rebouças construída especialmente para abrigar a coleção em área adjacente onde existiu, anteriormente, quase colada à beira da pista do Corredor da Vitória a mansão da família. Esse novo espaço (a antiga casa foi demolida) onde a viúva nunca residiu foi projetado para ser sua nova casa adaptada para abrigar o museu.
Em 1963, Margarida confia a jovem museóloga Maria Mercedes de Oliveira Rosa, baiana de Vitória da Conquista, formada no Museu Histórico Nacional - Rio de Janeiro, a coleção das obras de arte para que selecionasse, classificasse e catalogasse de forma profissional a fim de servir para um museu. Diz Mercedes numa publicação da Fundação Carlos Costa Pinto, de 1997, que houve “um impacto inicial de uma corrente positiva entre nós – como se antes já tivéssemos feito um pacto de amor e dedicação – foi selado quando, sem qualquer dúvida no olhar ou nos gestos, me transferiu a incumbência de preservar o que ela cuidadosamente guardara por 23 anos, e que seu marido havia por tanto tempo colecionado”.
Mercedes Rosa que na atualidade está com mais de 90 anos de idade e tem uma ala dedicada com seu nome no museu, e eventualmente também ainda a visita, conta que Margarida lhe entregou a chave da casa “com toda aquela fortuna sem sequer uma lista e sem nada a me exigir em troca”.
A partir desse momento e até quando o museu foi inaugurado no governo Luís Viana Filho, em 1969, o governo do estado é mantenedor do museu através do seu órgão de cultura, Mercedes passou 5 anos (1963/1967) todas as manhãs “estudando pacientemente, pesquisando, pedindo orientação a ex-professores, enfim, dando o melhor de mim mesma”.
Mercedes teve a colaboração de uma outra museóloga Regina Real à época uma experiente profissional em museologia que lhe ajudou nessa missão e lembra do altruísmo de Margarida Costa Pinto em sonhar com o futuro museu, “onde tudo aquilo fosse visto e apreciado por todos, tornando realidade o sonho do marido – ‘Margarida, quando eu morrer devolverei tudo à Bahia, na forma de um museu’. E quando vezes ela se entristecia, imaginando ser impossível por falta de recursos financeiros – transformar o sonho em realidade! E eu, animando-a, fazia projetos, idealizava soluções, realizava sonhos para que não perdesse as ilusões”.
Em 1968, quando estava participando de estudos na Fundação Galouste Gulbenkian, em Lisboa, justamente para se aprofundar nos conhecimentos sobre prataria – força maior da coleção dos Pinto – o governador Luís Viana Filho cria o museu e a nomeia diretora – uma escolha de Margarida – “para montá-lo e dirigi-lo”.
Com diz Salvador Monteiro em “Um Museu – Origens e Destino” o Museu Carlos Costa Pinto “nasceu de uma verdadeira história de amor entre Carlos e a senhora dona Margarida. Foram-se para a eternidade invisível seus criadores levando sua história e suas alegrias passageiras, seus segredos...Legaram-nos esse patrimônio de beleza, esses móveis de real presença, essas porcelanas, pratarias, marfins e essas joias de ouro puro que a tantos colos e braços enfeitaram. Tudo agora em silêncio e dignidade, tudo visível nitidamente em redomas, audível nos cristais dos candelabros”.
Com Mercedes em Lisboa entra em cena como coadjuvante no processo de montagem do museu Regina Monteiro Real, na época com 68 anos de idade, fundadora da Associação Brasileira de Museologistas, formada em 1937 pelo Museu Histórico Nacional, a qual mantém uma intensa correspondência com Mercedes, num total de 53 ente os anos de 1968/1969.
A relação das duas museólogas aconteceu da seguinte forma: Mercedes já tinha sido nomeada diretora do museu e morava numa pensão, em Lisboa, onde concluia seus estudos na Calouste Gulbenkian quando, em meados de 1968, Regina vai à Europa para participar de uma conferência do Internacional Council of Museuns (ICOM), em Hamburgo. Na volta, passa por Lisboa onde moravam Mercedes e Lourdrinha Parreiras Horta.
É Lourdinha quem estimula Mercedes a contratar Regina para participar do projeto do Costa Pinto como consultora.
Numa das primeiras cartas, com Mercedes ainda em Lisboa, a 15 de outubro de 1968, Regina é informada sobre a casa e a natureza da coleção:
“Quando ao nosso museu, já escrevi ao Dr. Carlos Costa Pinto (Dr. Lô) –sobrinho de Costa Pinto (Margarida e Costa Pinto não tiveram filhos) – pedindo que providencie o envio da planta da casa para a senhora, caso o governador não lhe convide antes de minha volta. Já quanto ao acervo poderei lhe dar uma ideia. A porcentagem maior é de prataria, sendo as peças melhores: duas cruzes de procissão, seis grandes tocheiros, quatro pares de candelabros de seis a oito velas, sete lampadários, oito tocheiros de varas para procissão, 28 pencas de balangandãs, cem pares de castiçais, 20 chinelos de montaria, 20 paliteiros, 11 bacias e gomis, um ‘mundo’ de salvas e bandejas. São números aproximados, é lógico que eu não tenho a quantia exata. Ainda há copos em quantidade, três ou quatro aparelhos de chá, uns 50 cabos de rebenque e outras peças que já não me recordo agora”.
A correspondência entre as duas museólogas é fantástica, hoje e de algum tempo, objeto de estudos para profissionais desse segmento. Regina, que morava no Rio de Janeiro, só vem a Bahia no início de janeiro quando Mercedes abrevia seu retorno à Salvador diante da data base de inauguração do museu em abril de 1969.
O relatório preparado por Regina Real foi a base técnica para a esquematização do museu observando-se a casa, o acervo, a decoração, o problema educativo e turístico, e o seguro do prédio. Uma série de tópicos foram debatidos, analisados, aprofundados e reestruturados.
É claro que nem tudo foram flores no decorrer do processo. No momento da decoração, o convidado inicial para fazer esse trabalho – José Pedreira – não avança nos trabalhos e Mercedes indica o arquiteto Pasqualino Magnavita e relata: “O Pasqualino esteve ontem aqui dando uma rápida olhada e fazendo algumas sugestões. Disse que para acompanhar todo o trabalho, desde agora (6/8/69) até a inauguração – estudando as cores para o forro das vitrines embutidas, cores das paredes, bases para os tocheiros, cortinas, focos de luz, enfim, tudo inclusive nos auxiliando na arrumação (...) Ele bolou uma ótima ideia para a vitrine das joias, foi contra a pintura azul na parede do hall, embaixo (acha que destoará do resto da casa), opinou sobre as lâmpadas de prata, em vez dos lustres de cristal que tínhamos pensado. Estes, ele acha que deveria sair da galeria, mas não disse para onde”.
Regina (sem ser baiana, roda a baiana) em resposta: “Confesso, com toda a franqueza, que fiquei meio amuada com os palpites do seu decorador. Vou lhe dar um conselho, que sempre foi a atitude que adotei e nunca cedi. Por isso, hoje sou respeitada: não passe de cavalo para burro. O decorador é um auxiliar do conservador. Nós é que sabemos o porquê das coisas. Aceitamos sugestões, mas que coincidam com as razões (não digo gosto) que nos levam a agir de uma maneira ou de outra. Peço que não dê asa ao Sr. Pasqualino, pois não quero entrar em atrito com ninguém, senão paro e ele fica dono da situação. Você sabe muito bem que estou fazendo em função do arranjo e valorização das peças – que é o meu forte. Aceito de boa vontade seu auxílio e colaboração, mas não o arranjo. Disso não abro mão”.
O decorador não é contratado e Regina assume inteiramente a museografia do museu. São detalhes importantes na montagem de um museu, aspectos técnicos como iluminação das vitrines e design, a funcionalidade, a segurança e outros. Quem visita o museu não percebe esses pormenores que são valiosos na funcionalidade, na segurança e economia de recursos. Uma área pode estar no escuro e quando o visitante entra as luzes se acendem; e quando sai e não há outros visitantes, as luzes se apagam automaticamente.
A iluminação de peças de um museu inclusive tem a ver com a conservação das obras e as vitrines além da estética têm que ser belas e funcionais. Isto é, que as pessoas possam vê-las comodamente e observem que existem visitantes altos, baixos, cadeirantes, adolescentes, velhos, etc. Evidente que escrevo crônicas e não um ensaio técnico daí que outras detalhes quem assim desejar existe uma ampla bibliografia sobre o Costa Pinto, embora, atualmente, sua biblioteca e a loja de venda de livros e outros produtos do museu (réplicas) estejam fechadas por falta de pessoal.
Essa é uma questão grave e preocupante. O Museu Carlos Costa Pinto ainda está de pé e funcionando todas as tardes, mas, precisa de novos investimentos em pessoal, em equipamentos, nos expositores, na iluminação, na área adjacente ao auditório, o que demandaria um projeto de porte. O museu é administrado por uma Fundação – os servidores, por exemplo, recebem salários da Fundação – que mantém um convênio com o órgão de Cultura do Estado e isso vem desde o governo LVF, 1969.
Os recursos advindos do Estado além de pagamento aos servidores e técnicos garante a manutenção e a iniciativa privada tem colaborado com projetos culturais específicos.
É inadmissível, por posto, o fechamento da biblioteca que foi organizada pela bibliotecária Rosina Bahia Carvalho dos Santos, a partir do acervo bibliográfico do casal Costa Pinto – quase 5 mil títulos na inicial – inaugurada com apoio do governador ACM, em 1974, e tornou-se, ao longo dos anos, uma biblioteca especializada em obras de arte, ampliada em 1993, e hoje sem funcionar.