Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE, CAP 16:OS ITALIANOS E A CASA DECADENTE

Em área nobre da Avenida Sete situa-se a Casa d'Itália necessitando de investimentos
Tasso Franco , da redação em Salvador | 22/08/2024 às 10:22
Prédio majestoso e decadente na Av Sete, ao lado do Palácio da Aclamação
Foto: BJÁ
      A ALMA DA SENHORA AV 7, CAP 16: A DECADÊNCIA DA CASA DA ITÁLIA
 
    A Casa d’Itália está em decadência. Não sei explicar o que aconteceu. Bem que tentei com uma secretária de lá. Mas este é um livro de crônicas e não de investigação jornalística. Portanto, paciência. Descrevo o que vi e gravei. O restaurante italiano que servia a mais deliciosa “porpeta” na capital da Bahia já fechou há algum tempo. Até os quadros e as gravuras que existem nas paredes o permissionário levou, mobiliário, também. Só restou uma velha pia e um espelho. Agora, funciona no local um coma a quilo “Sabor da Terra” que serve o trivial da comida baiana.

    Sua sede tem um dos mais belos exemplares da arquitetura eclética (provavelmente) italiana em Salvador e o local já abrigou eventos da colônia italiana, conferências, atividades de cultura, cursos de italiano, bailes de gala e bailes carnavalescos.  Já serviu para abrigar o Camarote Folia em 2017 e foi interditado em 2018 pela Prefeitura de Salvador por falta de segurança. 

    Nesta confluência da Rua Direita do Forte, Avenida Sete e Carlos Gomes onde majestosamente se situa a Casa d’Itália era o local extra muros de encontros carnavalescos que se assemelhavam a Praça Castro Alves, em menor dimensão. Um "point", uma congregação de foliões e se alguém dissesse "Carnaval bom e popular é em frente à Casa d'Itália não estava mentindo".

   Houve uma época em que os trios elétricos saiam do Corredor da Vitória adentravam no Campo Grande, seguiam pela Direita do Forte de São Pedro, Avenida Sete retornando no Sulacap e puxando os integrantes dos blocos em folia pela Carlos Gomes e retornando ao Campo Grande exatamente por essa garganta em frente a Casa d’Itália e encerrando o cortejo ao lado do Hotel da Bahia. Hoje, não acontece mais isso, a Carlos Gomes não tem mais folia e a encruzilhada em frente a Casa d’Itália como espaço carnavalesco desapareceu.

    O que teria derrubado esse clube - na verdade também era um clube - com piscina, quadra de esportes, academia, campo de bocha, etc - são os sinais do tempo. Não foi o único na cidade do Salvador que desceu a ladeira e próximos da Av. Sete - o Politeama, o Fantoches da Euterpe, a Associação Atlética da Bahia e o Bahiano de Tênis, na Barra - também decaíram porque a cidade se movimenta, se modifica e as pessoas vão procurando outros rumos. Da comunidade estrangeira o que ainda existe é o Centro Espanhol de Ondina uma vez que, também, o Clube Português da Bahia, na Pituba, desapareceu. Há o clube de Bridge, dos ingleses, na Banco dos Ingleses, para drinks de vinho e carteado.

    A comunidade de italianos na Bahia nunca foi grandiosa. Embora o primeiro cartógrafo da Baía de Todos os Santos tenha sido Américo Vespucci, em 1501, integrante da expedição exploratória de Conçalo Coelho e Cristovão Jaques ainda na época do rei dom Manoel de Portugal logo após o descobrimento do Brasil, uma quantidade razoável de italianos só chegou a Salvador no século XIX, um total de 1000, segundo narra o professor Thales de Azevedo em seu livro “Italianos na Bahia e outros temas” para trabalharem na construção da estrada de ferro ligando a capital baiana a Juazeiro, importados pela Companhia de Colonização da Bahia, em 1858. Época do Império com Dom Pedro II.

     Vale lembrar numa pincelada da história que Diogo Dias Adorno era filho de italiano e mãe portuguesa e chegou em Salvador, antes da cidade fortaleza existir, quando ainda era sede da Capitania Hereditária da Bahia (1536) e se casou com Felipa, filha de Diogo Álvares Correia (Caramuru) e Catarina Paraguaçu, casal que o rei de Portugal Dom João III concedeu uma sesmaria que ia do Rio dos Seixos (Avenida Centenário) até o Rio Vermelho.

    Conta também Thales de Azevedo que, em agosto de 1837, a Companhia de Colonização da Bahia que era dirigida pelo marquês de Abrantes, Miguel Calmon du Pin, importou 135 italianos que chegaram em Salvador no “Maddona della Grazie” e eram artesãos, a maioria, sapateiros. Alguns deles, que foram indultados na Itália, se envolveram na Sabinada (a revolta de Dr. Francisco Sabino 1837/1838, separatista, criação da República Bahiense) e 3 foram fuzilados. 

   Cita também o professor Thales de Azevedo que companhias líricas dramáticas italianas já se apresentavam em Salvador no Teatro São João, no século XIX, quando se cantou pela primeira vez, em 1879, a ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes graças a intermediação do empresário Tomás Pasini. 

   A grande importação de estrangeiros para a Bahia, no entanto, se deu no governo de Luiz Vianna (1896) quando este encarregou a Cia Metropolitana de introduzir 25.000 imigrantes europeus – portugueses, espanhóis, austríacos, alemães e italianos – muitos italianos se fixando nos municípios de Jequié, Maracás, Conceição do Almeida, Poções, Jaguaquara, Ipiaú, Belmonte e Morro do Chapéu. 

   Os dados historiográficos apontam que foi no primeiro governo de J.J. Seabra (1912/1916) quando foi aberta a Av. Sete e realizadas obras monumentais e de grande transformação de Salvador, com a criação de um imenso aterro na Cidade Baixa – construção do porto organizado – e alargamento de diversas ruas – essas reformas ampliadas com a construção da Av Oceânica (concluída no seu segundo governo (1920/1924), fizeram com que famílias ricas que habitam o centro histórico migrassem para o Corredor da Vitória, Barra, Canela e Graça.

   Já existiam desde a década de 1870 alguns exemplares de construções da arquitetura eclética – período de transição da arquitetura entre os séculos XIX e inicio do século XX com uso de produtos advindos da primeira revolução industrial – ferro, vidro e aço – somente a partir de Seabra é que o eclético se torna a linguagem arquitetônica oficial do poder público e do poder econômico com as mais imponentes construções de Salvador sendo objetos de reformas internas e externas, nas quais as características ligadas ao passado colonial português foram suprimidas, segundo anotou a museóloga Ana Góis, em “Arquitetura Eclética da Bahia”. 

   Na abertura da Av. Sete alguns exemplares portugueses desse período colonial foram derrubados especialmente no Distrito de São Pedro para abrir a nova via e construções majestosas como a sede do Instituto Geográfico História da Bahia, projeto do arquiteto italiano Júlio Conti; e a igreja de São Pedro projeto do seu colega italiano Rossi Baptista, erguidos em 1923 e 1918. E adiante, a reforma e ampliação do Palacete dos Moraes que se transformou no Palácio da Aclamação, com características do eclético italiano e francês.

   O prédio da Casa d’Itália (não consegui identificar o arquiteto) tem algo do barroco francês e do renascimento italiano e é vizinho do Palácio da Aclamação, embora seja uma construção mais nova uma vez que a implantação das Casas d’Itália no Brasil se deu a partir de 1930, na era Benito Mussolini, inclusive para difundir a cultura fascista. 

   Estudos do poeta Godofredo Filho (1984, que foi diretor do IPHAN na Bahia), apontam que essa renovação arquitetônica e artística se deveu aos “técnicos italianos aqui chegados a partir de 1912, no primeiro Governo Seabra, quando o secretário Geral Arlindo Fragoso e, sobretudo, o intendente Júlio Viveiros Brandão, buscaram abastecer-se em São Paulo, de arquitetos, escultores, pintores, decoradores e artesãos especializados, com o fito de mudar, como pretenderam e em parte conseguiram, a grave e tranquila fisionomia plástica de Salvador”.

   Chegaram na década de 1910/1920 engenheiros, arquitetos e construtores estrangeiros – principalmente italianos – que vão se ocupar da construção dos novos edifícios institucionais e da renovação dos antigos palácios e sobrados coloniais, ao tempo em que erguem os palacetes da nova burguesia baiana, enumera Godofredo Filho.

  Os dois principais projetistas italianos atuantes em Salvador foram, Rossi Baptista e Felipe Santoro. Paulo Ormindo de Azevedo em detalhado levantamento da produção de Rossi Baptista afirma que o arquiteto, “reformou ou construiu pelo menos 32 edifícios na capital baiana entre 1911 e 1933”. O seu mais destacado e conhecido projeto é o Palacete do comendador Bernardo Martins Catharino (1911-1912) situado na Rua da Graça, ao lado do Mosteirinho de Nossa Senhora da Graça.

   Há vários exemplares belíssimos dessa arquitetura italiana em Salvador que não citamos aqui porque nossas crônicas são sobre a Av. Sete, porém, como foi recentemente restaurado para ser a Casa Conceito, cito o prédio da Associação dos Empregados do Comércio (1914-1917) conhecido como Palacete do Tira Chapéu na esquina com a rua Direita do Palácio.

   Há, na avenida Sete, ainda, exemplares belíssimos do eclético da época de Seabra e inauguração da Av. Sete e outros do neoclássico e colonial americana, tais como o Palacete das Mercês (fechado) o antigo Colégio São José (hoje, sede do MAB, 1918, estilo neoclássico, antigo Palácio da Vitória), a Residência Universitária da UFBA (estilo eclético adquirido em 1950), o edifício sede do Clube Carnavalesco Fantoches da Euterpe, o antigo datado de 1884 (hoje, Casa de Eventos Solar Cunha Guedes), um casarão abandonado ao lado desta casa de eventos, o Museu Carlos Costa Pinto (1958, estilo colonial americana de Euvaldo Reis e Diógenes Rebouças), a Igreja de Nossa Senhora da Vitória (neoclássico com frontão triangular greco romano) e só. 

  Quem vê as fotografias antigas das Mercês, Campo Grande e Corredor da Vitória pode observar vários casarões dessa época de abertura da Sete (1912/1915) e que deram lugar a edifícios, havendo, ainda, no Campo Grande, o Palácio Episcopal (estilo inglês) e o Monumento ao Caboclo que foi construído na Itália, fundidos em Pistoia, obra de Giuseppe Michulluci Figlo, estilo neoclássico criação de Carlo Nicolli, instalado em 1895. 

  Pronto, falei da Casa d’Itália e dei umas pinceladas na imigração italiana. O jornalista Paolo Marconi, ex-conselheiro do TCM, aposentado, italiano de nascença cuja família veio trabalhar numa fazenda em Jequié, na década de 1950, lembra que frequentou muito a Casa d’Itália com seu pai Marcelo para jogar bocha nos campos que existiam no clube. Diz que, há pouca transparência por lá, já não é mais sócio, mas que é preciso fazer algo renovador para não acabar de vez. 

  Há, segundo anotações que vi no quadro de avisos da Casa d1Itália, um movimento Uma chapa intitulada "Proffessionalità e Lavoro" constituída pelas sócias da Associação Cultural Casa D'Itala Andre Graziera, Lorenzo Lecchi, Márcio Gramosa, Paolo Loli, Jamile Cruz, Edvaldo Paulo, Albino Guerra, Ivanize Bitencourt, Clea Magalhães Dasciogley Santana vai disputar a eleição para comandar a instituição entre 2024-2027.

  O que se pode observar na Casa de Itália é um estado de decadência de um edifício importante do eclético e que se encontra parcialmente abandonado, sujo, como luminárias quebradas, limo por todo canto, corrimões quebrados, móveis gastos e velhos e outros. Daí que está precisando, de fato, de "Lavoro" senão desaparecerá do mapa.