Comentário dois em um dos livros de crônicas de Ruy Botelho publicados pela Ponto e Vírgula, 2022 e 2023
Rosa de Lima , Salvador |
02/08/2024 às 19:14
O Sorriso da Bola e Novo Endereço, livros de Ruy Botelho
Foto: BJÁ
Vamos elaborar um comentário sobre dois livros de crônicas de um mesmo autor - anos 2022 e 2023 - intitulados "O Sorriso da Bola" e "Novo Endereço" da pena do radialista comentarista de Esportes - especialmente o futebol - Ruy Botelho (Editora Ponto e Vírgula, 93 e 96 páginas, respectivamente, à venda no portal Estante Virtual, ilustrações de Luiz Humberto de Carvalho). Ruy é um contador de histórias nato e conhece como poucos a cidade do Salvador onde nasceu e vive já passando dos 70 anos de idade, pleno de memória, voz grave e pena leva, leitura boa, agradável de ser lida e admirada.
Diria que os livros narram um pouco de sua trajetória como comentarista de futebol e as amizades que angariou ao longo de muitos anos de "lata" e de suas andanças pela cidade como gourmet, boêmio, amigo do copo e pessoa que sabe cativar e agradecer. É, também, oportuno se dizer, uma narrativa da cidade do Salvador além do futebol, pois, comenta passagens nos colégios em que estudos, os colegas que conviveu e os professores, além das transformações que a cidade experimento ao longo dos anos.
Assim, por exemplo, quando escreve sobre o Colégio de Aplicação, lembra desde o Exame de Admissão, "que seguramente era muito mais difícil do que os vestibulares de hoje" e de colegas (vivos e que também que já morreram), como Mário Piva, Zezéu Ribeiro, Manoel Segura Martinez, Francisco Sena, Antônio Matos, Bela Zausner, Luiz Fernando Studart, Luiz Lago Cabral e as professoras Leda Jesuíno e Diva Guerra, entre outros. São imagens de uma Bahia do passado e que compõem a história da cidade.
Diz o autor: "As saudades são inúmeras. Dos dois jambeiros da entrada, que sofriam porque comíamos a safra antes de amadurecer; da quadra de esportes, onde fui atuante goleiro; do pátio principal onde aconteciam festas dançantes; dos chuveiros coletivos para o banho depois das aulas de Educação Física, dadas pelo amigão professor Coelho ou professores Alcir, Miranda ou Romeu()...na parte externa os amigos vendedores, Ipiranga (revistas e cigarros), e por debaixo do pano e caro, também os "catecismos" de Carlos Zéfiro, grande orientador sexual; Dona Hilda do abará - não tinha acarajé porque não permitia acender o fogareiro; destaque para o baleiro Tchulha - levou muita gente para a inicial sexual, pois, morava no Maciel de Baixo".
Já na crônica intitulada "Dialeto" – cita termos em baianês que utilizavam quando jovens - tais como carro de praça (táxi), gazoza (refrigerante), o cara é um pão (belo), não pode ir porque o menino estava meio assim (adoentado), tem que botar para suar (baixar a febre), vou de marinete (ônibus), vou apartar a briga (separar), xô galinda (botar para correr), que horas seu colégio solta (termina aula) e muitas outras que lembra e são o retrato de uma época, as giras que vão sendo modificadas de geração a geração e revelam que a cidade também se mexe na linguagem.
Assim, o autor, enumera noutra crônica intitulada "Meus Tipos Favoritos" como Miguel - barbeiro que ia uma vez ao mês cortar o cabelo de meu pai, o meu e de primos, nos sábados; Augusto - polidor de móveis que, sempre alinhado, ia uma vez por mês, sempre de terno de linho branco e gravata que polia os móveis de ébano; Secundino massagista do Galícia - sua missão era me massagear, a pedido de Dr Nova, ortopedista que acompanhava minha sequela de pólio; Manolo - vendedor de ovos - minha mãe ia atender e não sei porque ela olhava ovo por ovo contra o sol antes de colocar no prato; Nelson do acaçá; dona Badeguinha, rezadeira; Caminhãozinho do leite; o homem do telefone, dona Maura que vendida fígado e miúdos de boi; o vendedor de peixe, etc.
É isso, o leitor pode sentir aqui por esses exemplos o movimento da cidade e das mudanças de comportamento da população, novos hábitos que foram incorporados com as novas tecnologias e muitas dessas profissões que ainda existam nas décadas de 1960/1970 não existem mais e lembram até de uma Salvador colonial quando os mercadores eram os principais abastecedores das casas nos bairros carregando cestos imensos nas cabeças mercando frutas, verduras, mariscos, miúdos, etc; e havia polidores, engraxates, lambe-lambes (fotógrafos), leiteiros usando burros, amoladores de tesouras e outros que, salvo raríssimas exceções, quase todos já desaparecem.
Então, quando se lê o livro de Rui, em especial Novo Endereço" aos mais velhos como eu vai passando esse filme na cabeça e aos mais jovens que, porventura leia o livro, as indagações e as pesquisas para saber do que se trata. Se hoje temos o carro do ovo noutra dimensão e os vendedores de frutas também motorizados e com sistemas de sons nos veículos com microfones e áudios potentes que chegam as mensagens nos apartamentos mais altos dos prédios, antes, isso era feito no grito, no berro, o que ainda se vê nalguns mercados da feira de São Joaquim e na feira da Joana Angélica.
No total são mais de 100 crônicas nos dois livros em “Novo Endereço” uma visão mais ampla do autor a cidade, sua gente, sua família e os amigos; no “O Sorriso da Bola” relacionado ao futebol, atletas, reinadores, juízes e fato curioso do mundo da bola. Tudo, claro, com humor e leveza na escrita, como o autor fala no rádio. Portanto, facilmente compreensível, textos curtos e agradáveis de serem lidos. São livros a serem devorados. Isto é: lê-se de uma sentada.
Só para citar um pequeno exemplo ao comentar em duas crônicas tiradas do lendário jogador de meio de campo do Bahia, Baiaco, Ruy lembra que no final dos anos 1960, inicio dos 1970, na concentração do tricolor na antiga Fazendinha, na Pituba, hoje Stiep, o assunto entre os jogadores era o absurdo aumento da gasolina imposto pelo governo. A revolta era geral e Baiaco disse o seguinte: “Por mim podem aumentar quanto quiserem, vou continuar colocando 50 cruzeiros. Conclui Rui: Pureza total!! Viu Paulo Guedes que você não é este economista todo11?? Boa, Baiaco, salve o petróleo brasileiro!!!!
Bem, dei apenas esse aperitivo sobre os dois livros e nossa recomendação é lê-los para apreciar a pena do baianíssimo Ruy Botelho. Ilustrações de Luiz Humberto Carvalho.