Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE, CAP 13: O MOSTEIRO DE SÃO BENTO

O mosteiro - todo o conjunto com colégio e biblioteca - é o que existe de mais importante em cultura na Avenida Sete
Tasso Franco ,  Salvador | 01/08/2024 às 09:27
Turistas visitando a basílica do Convento
Foto: BJÁ

 O Convento da Ordem de São Bento incluindo a Basília de São Sebastião, a biblioteca, a clausura, a horta e o colégio são o maior, mais belo e mais valoroso monumento da Avenida Sete por seu destemor, arquitetura e abrigar a mais importante casa de saber histórico da Bahia, ainda que sua biblioteca esteja fechada desde a pandemia da Covid.

  Ocupa um platô onde exista uma aldeia tupinambá comandada pelo mayoral Ipiru (Tubarão) área ocupada inicialmente pelos jesuítas, assim que desembarcaram com Thomé de Souza, em 1549, para fundar a cidade do Salvador, onde instalaram uma capela em louvor a São Sebastião e deram o nome cristão a aldeia de São Sebastião os nativos sem saber o que isso significava.

  Oito anos depois (1575) o abade do Mosteiro Beneditino de São Martinho de Tibães, Portugal, Braga, no avanço das conquistas ultramarinas da Corte portuguesa enviou para a Salvador o frei Pedro de São Bento Ferraz para fundar um mosteiro no Brasil. Em acá chegando, Ferraz negociou com a Câmara do Senado e com o bispo Antônio Barreiros a possibilidade de instalar o mosteiro neste terreno onde existia a capela e conseguiu uma doação da área que já pertencia a um militar português de alta patente Francisco Afonso e de sua esposa Maria Carneira.

   Como esse condestável conseguiu a área não se sabe. O certo segundo o padre Carlos Bresciani, autor do livro “A primeira evangelização das aldeias ao redor de Salvador (1549-1569) é que, já em 1553, os tupinambás das aldeias que viviam próximos da fortaleza erguida por Thomé de Souza, já tinham sido expulsos e/ou fugiram para o interior, sendo que muitos foram mortos, no governo de Duarte da Costa.
   Em 15 de julho de 1581 com consentimento do bispo Barreiros e carta lavrada da Câmara, o frei Ferraz tomou posse da ermida e da área. Em 7 de outubro de 1581, a Congregação Beneditina do Mosteiro Tibães autorizou fundar o Mosteiro dos Monges Bentos, em Salvador. 

   Em 1582, chegaram nove representantes da Ordem (todos portugueses) chefiadas pelo frei Antônio Ventura de Latrão segundo o livro Dietário compunha também o grupo freis Pedro de São Bento Ferraz, João Porcalho, Plácido de Esperança, Manuel de Mesquista, José, Francisco, João (corista) e Bento (subdiácono), para erguer o convento. Vale observar que há uma distinção entre mosteiro (monges e monjas) e convento (só de monges ou monJas). Em Salvador, se construiu um convento só com homens, mas, ficou conhecido e assim é, até os dias atuais, como mosteiro. 

   A Ordem de São Bento é uma das mais antigas da Igreja Católica (ano 529) e seu fundador foi o frei italiano Bento de Núrsia, em Monte Cassino, irmão da freira Escolástica (ambos, depois canonizados como santos) e irradiou-se pela Europa se estabelecendo em Portugal no século XI. 

   Chega a Bahia na época do governador Manoel Teles Barreto primeiro governador Geral nomeado por Felipe I, da Espanha, uma vez que o Brasil pertenceu a coroa espanhola entre 1580-1640. A essa altura e desde 1553 os tupinambás que tinham aldeias entre o Passeio Público e o Além Carmo já tinham sido expulsos das áreas que habitavam, mortos ou empurrados para o interior.

   Os freis da Ordem que vieram para a Bahia se instalaram ao redor da ermida de São Sebastião. Não há informações nessas negociações qual acordo feito entre as duas ordens, a de São Bento e a Companhia de Jesus, mas, ao certo pelo menos teria ficado estabelecido manter o culto a São Sebastião, santo francês mártir da igreja executado na Itália (viveu Sebastien entre 256 a 288) por ordem do imperador Diocleciano, e isso foi seguido tanto que a basílica em São Bento se chama São Sebastião.

  A obra do primeiro convento começou embalada por doações. Havia o núcleo central onde se instalou o convento (até hoje no mesmo lugar), porém a área inicial doada por Francisco Afonso e Maria Carneira compreendia ruas de São Pedro, dos Barbeiros, da Lapa, Mouraria, Castanheda, Terminal da Barroquinha, Ladeira das Hortas e Ladeira de São Roque. E numa segunda doação do condestável (6/fev/1587) Piedade, Rosário, Alegria, Barris, Ladeira dos Coqueiros, Portão da Piedade e Paraiso – neste último, onde os beneditinos instalaram a senzala dos escravos. 

   Os beneditinos chegaram paupérrimos pedindo ajuda e esmolas e ficaram ricos em bens móveis.  
   Três anos após a instalação desse núcleo conventual, em 1585, a Ordem elevou a instalação à condição de Abadia, sendo nomeado Ventura de Latrão, o primeiro abade.

   Não se tem informações qual foi a contribuição que a Corte espanhola deu na construção do convento entre os governos de Manoel Teles Barreto (7º governador) e Diogo de Mendonça Furtado (14º governador), quando se dá a invasão holandesa, em 1624. O certo é que já existia o convento e foi ocupado pelas tropas holandesas em 9 de maio de 1624 e transformado em quartel general dos holandeses, onde a 2 de abril de 1625 nos holandeses num ataque imprevisto mataram grande parte da guarnição que foi sepultada no claustro.

   Esses são os dizeres afixados numa placa no pórtico de entrada do convento ainda hoje no local.
   “A reconquista da cidade do Salvador conhecida como Jornada dos Vassalos foi um feito importantíssimo para a Monarquia Católica, durante a administração filipina. Uma oportunidade não só de rever a produção do açúcar da região mas também de Castela bradar sob sua responsabilidade, o que fez com que surgissem inúmeros testemunhos, relatos e histórias de batalhas, escritos pelos portugueses e espanhóis, em uma guerra das letras ou ‘guerra das tintas’, cada qual contando sua versão”, diz Fernanda Terra em “Bordando o tecido Invisível do Tempo”, Salvador uma iconografia através dos séculos.,

   O certo é que os holandeses foram expulsos em 30 de abril de 1625 após a cidade ser bombardeada pela esquadra luso-espanhola liderada pelo português D Manuel de Mendes e pelo espanhol D Fradique de Todelo Y Osório, 52 navios e 14.000 homens. Infinitamente mais poderosa do que a armada de Lord Crochane no combate aos navios do almirante João Félix, na retomada da Bahia, em 1822/1823, guerra naval que não houve. 

  A “Jornada dos Vassalos”, de 1625 foi sangrenta e a cidade bombardeada. Só não foi pior porque os holandeses se renderam e já vinham sendo fustigados pela guerrilha em terra tendo no comando o arcebispo, dom Marcos Teixeira, uma vez que o governador da Bahia, Mendonça de Furtado e os jesuítas foram presos, em 1624, e enviados para Amsterdam. Dom Marcos Teixeira não presenciou a reconquista porque morreu em 8 de outubro de 1624.  

   A partir de 1625 e sobretudo de 1640, quando Portugal retoma o poder total no Brasil encerrando a dominação espanhola, o Mosteiro de São Bento vai entrar numa nova fase com projeto do monge arquiteto frei Macário de São João obra que vai durar entre os séculos XVII e XIX e é o que se vê ainda nos dias atuais. Graças, mais uma vez, as doações. 

   Prática que vinha desde o século XVI e registre-se as doações do senhor de engenho e autor do “Tratado Descritivo do Brasil”, Gabriel Soares de Souza, que, sem herdeiros doou seus bens aos beneditinos; e Catarina Paraguaçu, a qual ao morrer em 1587, doou a sesmaria que possuía com terrenos na Barra e Graça aos beneditinos. 

  Após a retomada de Salvador pelos portugueses, em 1625, os monges que haviam se refugiados no Recôncavo voltaram e Portugal enviou mais 3 monges e um novo abade, em 1628, frei Cosme de São Tiago. Foi tomada também a decisão no Capítulo Geral de Tibães, no Mosteiro de Santa Maria do Pombeiro, instituir as constituições para a Ordem de São Bento na Provincia da Bahia, sendo nomeado como provençal e abade frei Clemente de Chagas.

   Em 1822, quando o Brasil se tornou independente de Portugal, frei abade Antônio de Nossa Senhora do Carmo, que era português, solicitou a separação do Arquicenóbio da Província brasileira da casa mãe portuguesa. O imperador Dom Pedro I recorreu ao Vaticano através do Marquês de Queluz, ministro do Exterior, e no dia 1º de julho de 1827 o papa Leão XII publicou a bula “Inter Gravíssimas Curas” (Pelos Urgentes Cuidados) promovendo a separação e estabelecendo que o Mosteiro da Bahia seria a cabeça do Brasil. Por isso mesmo é chamado de Arquibadia.

  Quem quiser saber mais detalhes históricos sobre o mosteiro consultar Livros do Tombo 05 volumes, 400 anos do Mosteiro (Dom Paulo Rocha, Clarival Valadares e Waldeloir Rego), 1982; o Mosteiro de São Bento da Bahia, dom Gregório Paixão, Versal/Odebrecht; Dietário do Mosteiro de São Bento (1582/1815) EdufBA; entre outros. 

   Há uma série de acontecimentos entre os séculos XVII e XIX, sobretudo no período que Portugal foi praticamente governado pelo marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, quando ordenou a expulsão dos jesuítas da Bahia e confiscou seus bens, que as ordens monásticas sofreram uma decadência em função das novas normas e leis para ingresso do noviciado. Em São Bento, a continuidade das obra foi lenta tanto a capela mor demorou dez anos para ser concluída (1742/1752) trabalhos dos freis construtores Antônio da Luz e João de Santa Maria.

   Em cada período ia se fazendo alguma coisa e o frei Bento da Vitória entre 1681 e 1684 concluiu o pórtico da igreja e o coro; e o frei Manoel do Nascimento (1690 a 1694) instalou o assoalho do coro e rebocou todas as paredes da igreja. Ainda hoje é assim: a biblioteca que contém 300.000 livros muitos raros e está fechada desde a pandemia da Covid aguarda autorização e investimentos do IPHAN. Vale lembrar que até 1933 não havia IPHAN nem normas e tombamentos dos monumentos religiosos e outros, e as reformas e ampliações eram feitas por bom senso, sendo que algumas alteraram inadequadamente locais.

   Hoje, tudo tem que ter autorização do IPHAN e o Mosteiro de São Bento foi tombado em 1938.

   O mosteiro e seus monges são considerados baluartes da democracia e têm uma longa folha de serviços prestados na ajuda aos necessitados, mas, é necessário também se observar que no decorrer da história possuía 546 escravos homens e mulheres – fora crianças e agradados – em suas propriedades e somente na gestão do abade dom frei Manuel de São Caetano Pinto foram alforriados em julho de 1871, sendo que desses escravos 37 trabalhavam no mosteiro e vivam na senzala onde hoje é a Rua do Paraíso, 124 na fazenda Inhatá; 62 em Cabuçu; 93 no Engenho da Lage; 20 na Fazenda Santo Antônio; 17 na Fazenda Itapuã,; 21 em Porto Seguro 1 172 na Fazenda São Franciscos. Vê-se, também, por esses dados que a Ordem tinha muitas propriedades, renda e administrava também a área da Sesmaria de Catarina Paraguaçu e Diogo Alavares (Caramuru) onde se instalou o Mosterinho no bairro da Graça e se paga, até hoje, laudênios ao Mosteiro.

   Evidente que cada período da gestão de um abade tem sua história, tem fatos, questões delicadas a resolver e um mosteiro que vai completar 500 anos, em 2082, tem milhares de narrativas que estou dando apenas algumas pinceladas nesta crônica e há uma ampla bibliografia sobre o monastério e m caminhão de documentos em sua biblioteca, e destaco apenas para ilustração que os monges viram o Brasil sair de Colônia para Império; de Império para República, atravessou períodos de ditaduras, duas guerras mundiais, a Revolta dos Alfaiates, a Sabinada, a guerra da independência da Bahia, a Guerra de Canudos (abrigou sertanejos pobres vitimados), a ditadura militar (1964/1985) onde muitos perseguidos foram acolhidos em sua clausura, e viu todas as transformações que aconteceram na sociedade desde o uso da caneta tinteiro ao computador, e mantém os seus princípios básicos da Regra da São Bento, as vestes, as pregações religiosas, ainda que não sejam mais tão rigorosos como Bento de Núrsia que só comia uma vez ao dia.

   Como a nossa serie trata da Avenida Sete e o mosteiro desde 1915 se situa nela a luta para mantê-lo em pé foi gigante e o abade da época dom Majolo de Caigny enfrentou o governador JJ Seabra, o qual após o bombardeio da cidade, em 1912, fato que esteve por detrás após a renúncia do governador Araújo Pinho e a disputa pelo poder, eleito Seabra que foi pelo voto, em 1912, mandou derrubar o Convento para instalar no local no Palácio do Governo que havia sido destruído pelos canhões de Hermes da Fonseca.

    Majolo resistiu convocou a sociedade, se respaldou na intelectualidade, e JJ Sebra chegou a publicar um decreto em 24 de agosto de 1912 autorizando a derrubada do convento, mas, posteriormente, desistiu tanto que a Av Sete começa no topo da Ladeira do São Bento e faz uma curva à direita no Largo de São Bento seguindo seu curso adiante.

   O arcebispo da época era o cearense dom Jerônimo Tomé de Souza e foi o interlocutor junto a Seabra e a Arlindo Fragoso (engenheiro chefe da obra), cedendo, mais adiante, a derrubada da Igreja de São Pedro Velho e parte das fechadas das igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos Brancos e Nossa Senhora das Mercês, está última, hoje, fechada. 

   Na atualidade o Mosteiro é administrado pelo arquiabade Emanuel d’Able do Amaral, há 30 anos, e já tive a oportunidade quando era secretário da Comunicação da Prefeitura conhecer a clausura e almoçar com os monges. O Mosteiro mantém sua rotina com missas segundas, quartas e sextas, 11 horas; e a missa dominical com canto gregoriano aos domingos, 10h, e mantém um colégio em anexo. 

   Em 1982, a igreja foi elevada a condição de Basília Menor de São Sebastião pelo papa João Paulo II O Mosteiro possui um dos maiores acervos de obras sacras do Brasil – quadros, alfaias e esculturas sacras, objetos de prata e ouro, baixelas, pinturas e vasto mobiliário, datados do século XVI ao século XIX, tendo em seu raríssimo acervo obras de Frei Agostinho da Piedade, Frei Agostinho de Jesus, José Joaquim da Rocha (fundador da Escola Baiana de Pintura), Teófilo de Jesus, assim como de artistas contemporâneos: Caribé, Jenner Augusto e Saint Scaldafferi.

   Está sempre a precisar de obras: hoje, quem está no seu interior e olha para cúpula da nave central vê sinais de infiltrações (mofo) e outros desgastes.