Com era o transporte na implantação da Av Sete, em 1915, e antes disso como se andava e se deslocava na cidade do Salvador na Colônia
Tasso Franco , Salvador |
25/07/2024 às 10:02
Projeto de Melhoramentos da Cidade do Salvador, engenheiro Alencar Lima
Foto: REP LIVRO J SAMPAIO
O Brasil foi durante 273 anos colônia de Portugal e Salvador a capital da colônia por 214 anos até que a sede foi transferida para o Rio de Janeiro quando país foi elevado à condição de Vice-Reino (1763) e onde, posteriormente, se instalou a Corte na fuga de Dom João VI para o Brasil expulso pelos franceses de Napoleão Bonaparte, em 1808.
Essa mudança de Salvador para o Rio credite-se ao poderoso Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que viu uma oportunidade de ajudar na reconstrução de Lisboa atingida por um terremoto, em 1755, e que destruiu a cidade – a baixa, toda; e a alta uma parte.
Salvador era um cortiço. Insalubre, suja, fedorenta, com casarões espremidos nas ladeiras do Centro Histórico e no bairro da Praia, no Comércio à beira mar, e o transporte mais importante da colônia era feito pelo Atlântico dos navios que vinham da Europa e das embarcações que procediam do Recôncavo trazendo farinha, feijão, carne, telhas, frutas, verduras, caças, etc para abastecer seus habitantes.
Até a década de 1960 em parte ainda era assim e a feira mais importante situava-se em Água de Meninos, Cidade Baixa, destruída por um incêndio, e mercadorias também atracavam para abastecer o centro comercial do Mercado Modelo na rampa dos saveiros.
Duas pestes mataram muitos dos seus habitantes, em 1686, a Febre Amarela conhecida como o “mal da bicha”; e em 1855/1856, a “cólera morbus”, epidemia mais violenta e que ceifou 36 mil vidas. Ambas, cada qual em seu século, foram provocadas por alimentos mal processados e falta de higienização na cidade.
Sem saneamento básico, nas áreas mais habitadas era comum vê-se escravos conduzindo barricas de coco para serem lançados no mar da Preguiça e a principal porta de entrada de doenças era o porto considerado o mais importante do Cone Sul durante séculos até que a força econômica do café e do ouro das Minas Gerais fizeram com que o do Rio de Janeiro suplantasse Salvador.
Além do transporte marítimo os habitantes de Salvador para se movimentarem na área urbana da cidade, que era imensa em território, indo da Península de Itapagipe e Barra, ao Sul; até os arrabaldes do Rio Vermelho e Itapuã, era feita a pé, e com o uso de cavalos, jumentos, burros e mulas, em montaria individual e em cargas nas carroças e carros de mão de madeira, charretes, poucas carruagens à moda Paris ou Lisboa, cadeirinhas de arruá para as madames e redês em banguês para os homens mis ricos que eram carregados por escravos.
Por que Salvador não teve carruagens como as usadas pela nobreza europeia e que, desde os séculos XVI e XIX rodavam em Lisboa? Há várias razões. Tinha-se poucos “nobres” e as ruas da capital baiana eram estreitas e esburacadas, portanto, nem coches, berlindas, seges e liteiras como as que estão em expo permanente no Museu Nacional dos Coches, Belém, Lisboa, tivemos. A inglesa Maria Graham quando nos visitou em 1821 escreveu: !!Não há transporte público ou cabriolé”.
Esse quadro se modificou quando em 1869 o austríaco Raphael Ariani com a participação dos seus filhos Luciano e Justo implantaram a Companhia de Trilhos Centrais e instalaram na Cidade Baixa os bondes importados de Boston puxados a burros e que rodavam em trilhos. Um avanço extraordinário, pois, significava dizer que a cidade ganhou um transporte público que permitia o deslocamento de pessoas de um ponto a outro. E esses bondes também passaram a ser de cargas o que trouxe um novo ingrediente a economia. Até então, os trapiches à beira mar eram abastecidos por barcos e daí aos consumidores por burros, em tropas.
Esse mesmo Ariani, anteriormente, implantou carroças tipo gôndolas que levavam até 20 pessoas, sem uso dos trilhos, puxadas a burros nos solavancos. Havia, ainda, os almocreves com suas tropas de bestas para transporte de cargas e as padiolas para levar doentes.
Os bondes de Ariani puxados a burros se expandiram rapidamente pela cidade. Em “Perfis Urbanos da Bahia”, Geraldo da Costa Leal, conta que além de Ariani e filhos, surgiram as empresas Transportes Urbanos, de Antônio Lacerda, criador do elevador ligando as duas cidades; da Companhia de Veículos Econômicos de Monteiro Carneiro e Azevedo; e da Companhia Linha Circular de José Ramos de Queiroz, responsável pela implantação do Plano Inclinado.
Narra Costa Leal em seu livro: “Ariani inaugurou a linha central partindo do Bonfim a Calçada (1869) e no ano imediato chegou a Conceição da Praia; em 1871 pela estrada Dois de Julho (atual Vasco da Gama) os bondes chegaram a Mariquita, no Rio Vermelho, Cabula e Retiro. No centro, o uso inicial ocorreu a partir da Graça, em 1870, e aos poucos avançando pela Ladeira de São Bento, indo ao Terreiro de Jesus”.
Também em 1869, o ousado engenheiro Antônio de Lacerda cria uma linha com um bonde apelidado de ‘locomotiva’ saindo do Campo Grande, Garcia, Curva Grande do Garcia, 2º Arco, Garibaldi, Vila Matos e Paciência, no Rio Vermelho. Esta linha ficou conhecida como Rio Vermelho de Cima e a de Ariani e Filhos que ia pela Vasco da Gama, Rio Vermelho de Baixo. E é esse Lacerda que fura a rocha e instala o “parafuso”, em 1869, ligando as duas cidades, inaugurado em 1873 na festa de NS da Conceição e transportando 8500 pessoas.
Estou dando esses exemplos aos meus leitores pesquisados em vários livros e nos de Geraldo da Costa Leal, estudioso e usuário de alguns desses bondes já no século XX quando estavam eletrizados, para mostrar o cenário da cidade quando JJ Seabra assumiu o governo, em 1912, após um bombardeio ao centro determinado pelo presidente marechal Hermes da Fonseca diante da renúncia de Araújo Pinho e da disputa interna pelo poder que, em matéria de transporte já funcionavam o Elevador Lacerda, desde 1873, e o transporte por bondes havia se espalhado pelas cidades baixa e alta numa corrida já envolvendo a Ligth (americana) e uma empresa francesa.
A essa altura – no início do século – surge um novo meio de transporte quando o engenheiro José Henrique Lanat, em de 1901, importa da França, um veículo para uso familiar; e é implantada a luz elétrica nas ruas da cidade (1903) e nas casas (1906).
Nesse cenário é que o engenheiro Arlindo Fragoso vai pilotar o projeto de implantação da Avenida Sete com bondes elétricos já rodando na cidade baixa desde 1906 e outros pontos desde 1908, e o trecho da nova avenida entre o São Bento e a Barra era multifacetados: o São Bento foi a área mais fácil de se adequar ao projeto; o distrito de São Pedro a área mais complexa e foram necessários remover uma igreja (São Pedro Velho), derrubar meia banda do prédio do Senado, dezenas de casarões, as fachadas da igreja do Rosário dos Brancos e do Convento das Mercês; daí em diante, Aclamação e Campo Grandes áreas tranquilas; o Corredor da Vitória repleto de casarões ingleses foram efetivados alguns recuos; na Ladeira da Barra foi necessária a remoção de uma pedreira na altura da antiga morada de Caramuru e próxima a igreja de Santo Antônio da Barra; e o Porto da Barra e o Farol ainda eram praticamente virgens com poucas edificações e os fortes de Santo Antônio, Santa Maria e São Diogo.
Muito se falou que o projeto seria excludente, que afetaria sobretudo os mais pobres, em especial no Distrito de São Pedro e que esse modelo haussemianno (inspirado nos boulevards parisienses do Barão de Eungène Haussmann, século XIX) e copiados por Pereira Passos, no Rio de Janeiro, era desproporcional à realidade baiana, alguns defendendo que a cidade deveria manter suas tradições sem tamanho embelezamento; e Seabra e os seus advogando que a cidade precisava ser higienizada e modernizada e as mortes da cólera eram sempre lembradas.
Enfim, travou-se uma polêmica enorme entre tradição versus progresso, e o governo, através do diálogo, quando necessário – assim o fez com o arcebispo – e na força – também quando necessária – derrubou o que era impeditivo ao projeto e o implantou. Três anos em obras de 1912/1915.
Há de se dizer, que quem conhece Paris sabe que os boulevares da cidade luz – Montparnasse, Raspail, Sebastopol, Champs, etc – são imensos e largos e que, mesmo que Seabra quisesses não conseguiria fazer uma Avenida Sete nessas dimensões. Nem teria êxito em implantar um boulevard como os parisienses em linha reta quase a perder de vista; ou como a Rio Branco de Pereira Passos no Rio, porque a Sete percorre vários bairros e seu trajeto lembra uma cobra sinuosa, no rabo da cobra, então, quando se chega na Ladeira da Barra e gira-se à esquerda para chegar ao Porto da Barra há uma curva e daí em diante beira-se o mar; e na cabeça da cobra no São Bento, livrou-se apenas o mosteiro beneditino e fez-se uma curva à direita.
Portanto, quando a Av Sete foi inaugurada, em 1915, os tais sinais de modernidade chegaram a Salvador abriu-se uma cortina e representou um marco entre a cidade colonial e a cidade moderna, com arquitetura eclética italiana e francesa pontilhando as novas edificações – IGHB 1921, Casa da Itália, Palacio da Aclamação, etc. E a Praça do Relógio de São Pedro representava uma imagem ideal do modernismo baiano do início do século XX, como analisou Fernando Firmo, em “Avenida Sete - antropologia e urbanismo no centro de Salvador”, EDUFBA.
Nos dias atuais a Sete não mudou em nada seu trajeto, continua o mesmo de 1915, porém, não existem mais os bondes desde a década de 1950 nem se implantou ônibus elétricos ou VLT como em Paris, Lisboa, Munique, etc, e optou-se por um sistema de transporte público por ônibus, inicialmente chamados de marinetes, graças ao italiano Filippo Tomasso Marinetti, 1922, poeta, que no dia do desembarque desse ônibus pilotou um deles. E, com as devidas mudanças tecnológicas é que o que se usa até hoje e mais os veículos particulares, os táxis e as motos. Há uma ciclovia recente em alguns trechos e as áreas mais utilizadas pelos usuários de bicicletas são: Aclamação, Corredor da Vitória e na Barra. E só.
O trânsito na Av Sete é um inferno sobretudo no trecho Mercês ao São Bento, mão única em direção a Praça Castro Alves. Nessa levada, os veículos pode dobrar a esquerda no Beco da Quebrança chegando aos Aflitos; os que se deslocam do Vale dos Barris podem acessar a via na altura das Mercês; veículos e motos podem dobrar à direita em frente a Igreja de São Pedro, na Piedade, em direção aos Barris ou Politeama; e aqueles que sobem a Junqueira Ayres (Barris) podem contornar o Gabinete Português de Leitura e acessar a Sete em frente ao IGHB; os becos da Forca onde se entrava a esquerda para acessar a Carlos Gomes virou um camelódromo; e o Beco Maria da Paz que era usado para quem subia a Ladeira da Montanha e pegava a Carlos Gomes, dobrava-se a esquerda e pegava a Sete, também virou camelódromo; acessa-se a Sete também pelo Paraiso na lateral do Mosteiro de São Bento saindo da Mouraria; e há, ainda, uma entrada à direita no Largo de São Bento acessando a Barroquinha pela Ladeira das Hortas; e uma subida da Barroquinha para a Sete pela rua Visconde de Ouro Preto – rua do Sintracom - direita do antigo Hotel São Bento, acessando a Sete na Biblioteca Anísio Teixeira; a também pode-se dobrar a esquerda, adiante, para acessar a Rua Carlos Gomes havendo uma entrada para a Sete na Rua Pedro Autran.
Da bifurcação da Carlos Gomes e Rua Direita do Forte a mão é no sentido Campo Grande, também única, podendo-se dobrar à esquerda após o Wish Hotel; e há um acesso para quem sobe à rua Banco dos Ingleses; adiante pode pegar a esquerda em direção ao Canela; e quando chega no Corredor da Vitória é mão dupla, podendo-se, no Largo da Vitória, dobrar à esquerda e acessar a Graça; assim como seguir em direção à Ladeira da Barra até o Porto a mão é dupla e há acessos às transversais na Tenente Pires Ferreira, Presidente Kennedy, Raul Drummond, e Alameda Clemente Mariani; havendo adiante acesso a Igreja de Santo Antônio; na chegada do Porto, há um calçadão e os motoristas têm que usar um trecho da Av Princesa Isabel e retornar à Barra, já na área do além Porto, pela Barão de Itapuã; e daí seguem até a Afonso Celso onde termina a avenida.
Para os baianos, essa ginástica é decorada com o tempo; para um estrangeiro ou mesmo turista brasileiro que alugue um carro, mesmo com GPS, é dose pra leão. Na Avenida há vários estacionamentos particulares para veículos e guardadores de carros em tudo que é canto. Lembrando, ainda, que a Sete comercial o lado esquerdo (sentido centro) está ocupado por tendas de ambulantes dentro do projeto de 2012.
Então, meu caro, toda a atenção é pouco ao dirigir por essa área. Vale ainda lembrar que o metrô tem sua estação final no centro, na Lapa, que fica distante 200 a 300 metros da avenida.