Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA A CARNE DO MAR: JOÃO DE LORETO, por JULIVAL GÓES

Livro conta a saga de um pescador da localidade de Loreto em busca de um irmão desaparecido
Rosa de Lima ,  Salvador | 20/07/2024 às 10:05
Carne do Mar, João de Loreto, por Julival Fônseca de Góes
Foto: BJÁ

    Chegou as nossas mãos em brinde o volume 2 do título "Carne do Mar" - suculentas histórias sobre a Baía de Todos os Santos - de Julival Fonsêca de Góes, 85, em que narra a aventura de João de Loreto - a saga de um pescador - que deixa a sua terra natal na Baía de Todos os Santos e singra os mares da baía e o aberto, o Tenebroso, em direção a Sergipe, em busca de um irmão chamado Zelito que desapareceu da localidade de Loreto, onde morava, e nunca mais dera notícias de sua existência.

    Esse fato e a proximidade que tinham entre si, como os demais de Nossa Senhora do Loreto, localidade situada na Baía de Todos os Santos onde os moradores se conhecem, comunidade pequena e pacífica suja principal atividade econômica e de sobrevivência é a pesca artesanal tal como, em certo sentido, faziam os nativos tupinambás que habitavam essa região e o Rio Paraguaçu acima, bem como no território da cidade do Salvador. 

    A tarefa de João em encontrar Zelito pareceu-nos, em princípio, um fato corriqueiro, pois nessa região é comum pescadores mudarem de sítios em busca de uma vida melhor com mais ganhos financeiros e o uso de novas tecnologias. Mas, o fato de João deixar a sua esposa Arlinda e mais 12 filhas em Loreto e se aventurar pelo Mar Tenebroso fora do seu habitat normal, a Baía de Todos os Santos, e ainda mais fazer a viagem sozinho e num pequeno barco de 6 metros com nome prosaico - Chuvisco - vai se revelar numa aventura perigosa e só aqueles que têm muita experiência com o mar conseguem fazê-lo a salvo das tempestades e do traiçoeiro gigante da natureza.

    O autor vai oferecendo aos seus leitores na medida em que o barco avança em direção a Coroa do Meio, Aracaju, informações históricas das localidades por onde passa bem como traços da cultura local dos pescadores, a amizade, a culinária, o modus de vida em choupanas que se assemelham aos seus iguais em Loreto, uma solidariedade que nos dias atuais se apresenta como incomum dado que o homem citadino se digladia com frequência até mesmo no trânsito dos seus veículos com brigas e até mortes.

    O livro, pois, tem esse ponto de inflexão que conduz os leitores a conhecer um tipo de vida diferenciada e que ainda existe na Bahia e em Sergipe. E, cremos, noutros mares navegados. O homem do mar é, por natureza, solidário, E a aventura de João de Loreto revela uma outra disposição do pescador de cumprir promessa à sua mãe dada ainda quando em vida., "que haveria de sair mundo a fora em busca do irmão desaparecido. A sincera promessa do filho deixava a mãe menos entristecida, porque esperançosa".

    Julival, portanto, amalgama esse caldo de cultura no seu trabalho, onde estão sintetizados aspectos da vida de um pescador artesanal da Bahia, o fervor de honrar a promessa feita a mãe - veja que mesmo ela estando morta ele vai cumpri-la – as semelhanças com as vidas dos pescadores do mar aberto e de Sergipe, e observa os contrastes entre a majestosa Salvador e as prosaicas comunidades pequenas. E estão embutidos os sonhos e outros atributos psicológicois.

    "Deslizando seu possante Chuvisco, João contemplava a magnitude da encosta de Salvador, a cidade grande, como era mais chamada em Loreto e adjacências. O pescador ficava deslumbrado com o verde contrastando com as antigas construções, como as instalações da família Correia Ribeiro, notadas por todos, e chamava a atenção de João e de todos que por ali passavam, permitindo aos 'brancos', aos burgueses que atracassem duas embarcações nos ‘pieres’ de madeira existente".

    E aproveita, também, para oferecer aos leitores um pouco de conhecimento histórico: "Logo adiante, estaria o majestoso Solar do Unhão, construção do ano de 1690, que outrora servia para dar suporte ao transporte de mercadorias para o porto de Salvador, como a Cia Docas da Bahia, ponto de referência maior da cidade baias". 

    João, deslumbrado com a paisagem, tinha seus sonhos de um dia poder visitar esses locais com sua Arlinda e as 12 filhas: "João pretendia visitar com a família os fortes que ladeavam a praia do Porto da Barra, de São Diogo e Santa Maria, o primeiro tendo sua construção ao pé do morro de Santo Antônio da Barra, datado do século XVII, obra do arquiteto Francisco Frias de Mesquita. E o segundo edificado no ano de 1614, pelo mesmo autor, também dirigente das obras de edificações do Brasil, ambos estrategicamente localizados na Baía de Todos os Santos, para defender a cidade de invasões estrangeiras".

   O primeiro contratempo que João enfrentou no Tenebroso foi logo após ultrapassar o Farol de Itapuã quando perto das 18hs “a cerca de duas milhas da terra um forte tranco foi dado contra a embarcação e percebido, incontinenti, pelo comandante timoneiro”. O pescador chegou a imaginar o barco soçobrar pelo peso da água em todo o seu casco, caso viesse a ficar inundado. Pulou na água e circundou o barco e percebeu que a quilha de Chuvisco estava enrolada por uma coisa estranha e observou que estava preso a uma rede de pescar com uma tartaruga que se chocava contra o barco para limpar as cracas.

   Adiante, em Arembepe, atraca num porto natural e é acolhido por um pescador e sua esposa Coló que lhe serve uma caldeirada de mariscos com olho de boi. E assim, a viagem de João segue até a Praia da Espera, em Itacimirim, Bara do Pojuca, povoado de Praia do Forte onde vê o castelo construído a partir de 1551, pelo português Garcia D’Avila filho bastardo de Thomé de Souza até a Coroa do Meio, em Sergipe.

   Bem, não dá para contar todos os detalhes dessa trajetória até para não tirar o açúcar do café dos leitores. O certo é que João de Loreto tem uma excelente receptividade em Aracaju, novos personagens dão recheio ao livro, sobretudo com o Andarilho, uma solidariedade frequente em todas as paragens, até se aventura pelo São Francisco até Alagoas, a Penedo encantadora.

   Toda saga tem um objetivo que é encontrar Zelito, o fulcro, o âmago da questão, mas, debalde não consegue nenhuma pista que o leva ao irmão. O autor, por fim, promete seguir viagem viajando em sentido contrário, João de Loreto já de retorno a Baia de Todos os Santos, a sua comunidade de Loreto onde volta a viver com Arlinda, algumas das filhas já casadas, mas com o desejo latente de encontrar Zelito.

   A saga seguirá, portanto, na rota do mar do Sul. É o que virá no volume 3. O velho marinheiro Julival, aos 85 anos de idade, pilotando um programa sobre náutica na Rádio Metrópole é igual a João de Loreto, incansável nas letras, 

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