Moral da história: cervejeiro cria barriga e tem pouca adrenalina.
Tasso Franco , Salvador |
19/07/2024 às 09:09
O jogo do dominó e o fura couro
Foto: Seramov
Prólogo:
A Sra. América Feliciano, representante das Bordadeiras, pediu um minuto de atenção e perguntou se alguém da távola conhecia o senhor Marlinhos Avião, pois, se tem uma coisa que ela também gostaria de fazer era voar, “voos mais altos e encantadores” – assim se expressou – dando a entender que adorava aventureiros, homens intrépidos, corajosos, espadas afiadas. Assim concluiu: - Não pensem os senhores e senhoras que estou interessada no jovem em si, a essa altura, creio que seja um senhor maduro, mas, a gente nunca sabe o nosso destino, de repente, podemos voar mais longe, para o alto, sempre”.
O padre Domênico Ulisses se benzeu e o irreverente Merrinho Umbuzeiro, o cara de Cutia do bairro das Abóboras, completou baixinho sem pedir a palavra: - Todo voo termina no solo, como aconteceu com o Marlinhos, mas, pelo visto, querem terminar na cama.
- Protesto - levantou-se a senhora Cordélia Damasceno Araújo, do bairro do Cruzeiro, dizendo que não admitia essa insinuação maliciosa e machista do senhor cara de Cutia e que as mulheres têm o direito de sonhar, livremente, e só quem manda nos seus corpos são elas – bateu inclusive na altura do seio – e se tiver que acontecer que aconteça e ninguém tem nada a ver com isso, pois, o amor é livre e soberano ainda mais se acontecer nas asas de um jeep voador.
Ouvi aplausos calorosos das mulheres e discretos dos homens. Dessa maneira, nada melhor do que passar a palavra a uma mulher, a representante do bairro da Rodagem, Floromda Evilásia Maçaranduba, conhecida como Duba de Betinho, uma vez que este senhor era empreendedor neste bairro e possuia um loteamento e uma armazém de secos e molhados onde corria a larga, nos finais de semana o jogo do domingo e a venda de cerveja, e ela, a senhora Duba era a presidente da Associação Comunitária da Rodagem bairro que surgiu graças ao pai dos pobres Getúlio Vargas que mandou construir na década de 1930 a Transnordestina ligando a Bahia ao Ceará passando por nossa aldeia onde, na zona norte, surgiu esse bairro e Duba era líder, tocava reco-reco na banda de Otacílio, sambadeira das boas, mulher dos seus 50 anos, saruaba, cabelos arruivados, olhos da cor de azeitonas verdes e voz de curió em carretilha.
A senhora Florinda Evilásia assim iniciou seu conto: - Maçaranduba é pau de telhado, resistente, duro, e estou aqui por minha dedicação ao bairro onde moro desde sua inicial e luto em defesa do povo, conduzo doentes para a capital de trem ou de jeep porque ainda não temos um hospital, os políticos daqui só querem fazer açudes e estradas, e dizem que com a chegada da energia vai ter tudo – hospital, maternidade, laboratórios, raio x, etc – o que não acredito porque desde a época de JJ Seabra e Góes Calmon nos prometem isso e quero dizer a vocês que também vou contar um conto que ouvi a história do meu esposa testemunhadas por mulheres sofredoras que deixam seus maridos nos bares bebendo à mancheia e só voltam para casa aos tropeços, e depois que apareceu essa tal de cerveja, não se fala em outra coisa, e essa bebida que é antiga, dizem que na Babilônia já se bebia cerveja muitos anos antes de Cristo nascer e olhem que já tem 1960 anos do nascimento do Senhor e na idade média na Europa, quando o Brasil foi descoberto os monges já fabricavam cervejas nos mosteiros e os produtores artesanais da Alemanha criaram várias marcas da melhor qualidade e eu não sei dizer quem trouxe essa cerveja para o Brasil se Pedro Álvares Cabral ou Thomé de Souza e Pero Vaz de Caminha, em sua carta ao rei de Portugal, quando da descoberta da Terra de Vera Cruz não falou desta bebida, mas o certo é que chegou entre nós e se tornou popular mesmo numa Província quente como a nossa, ideal para se beber refresco de frutas, e aqui na nossa aldeia, creio que já nos anos 1930, eu era mocinha, os homens já bebiam cerveja nos bares do Beco da Lama, cerveja que era resfriada em barris com salmoura pra ficar geladinha, não como é hoje que já temos geladeiras a gás e as garrafas das cervejas ficam geladíssimas, e quando Sêo Betinho abriu a bodega na Rodagem tive que vaquejar meu marido que gostava desse ponto e da cerveja, já estávamos nos ambos 1940, e a conversa que ele me falava é que havia um adversário no dominó que inventava a história de que precisava ir para casa porque era a hora de furar o couro e saía sem dar chance raspando o dinheiro das apostas.
.América Feliciano Cajueiro voltou a pedir a palavra e repleta de curiosidade perguntou: - Gostei dessa expressão de “furar o couro” pois embora seja a primeira vez que a ouço essa frase uma vizinha, minha comadre, gosta de dizer que seu couro anda carente, que ela está precisando arranjar um tocador de pandeiro ,e quando ela fala isso aponta para uma parte do seu corpo que fica entre as virilhas e não sei se uma coisa tem a ver com a outra, por isso estou fazendo esse questionamento.
- Ora, senhora Cajueiro, uma coisa realmente não tem a ver com a outra, embora tenho, porque todas nós temos essa parte vulnerável do corpo que popularmente também é chamada de vergonha, e assim por diante, e tem muito homem conversador, gabola, meroso, fanfarrão, que gosta de falar de feitos que não é capaz de realizar e eu ficava curiosa quando meu Faraó, apelido que dei ao meu marido, falava nesse jogador de dominó que era especialista em furar couros e procurei saber do nome dele, onde ele morava em nossa aldeia, com que era casado, e numa ocasião festiva da inauguração do nosso Mercado Municipal, em 1950, encontrei com sua esposa Nesta festa política e como tenho bastante intimidade com ela, fomos colegas no Colégio do Professor Piedade eu decidi tirar essa conversa a limpo e primeiro elogiei sua beleza, porque é, de fato, uma bela mulher, vistosa, e falei a frase dita por seu esposo no jogo do dominó, e ela se mostrou indiferente, sem entender o que eu queria saber e então fui mais clara e procurei saber se era verdade que seu Faraó tinha esse relacionamento afetivo, frequente, se seu esposo, melhor dizendo, honrava a promessa na roda do dominó de ser um audaz furador de couros, e ela me disse que, de fato correspondeu a expectativa em tempos idos, tinha dois filhos com o tal, mas, ultimamente, e agora que estava na flor da madurez da idade, cheia de desejos, de ardor, e pronta para novos ritmos, inclusive comprara umas ‘langeries’ vermelhos na lojinha sex da praça, se aprontava toda, se perfumava com o melhor em perfumes do Armarinho Santana, de Sêo Dema, e ele quando chegava do dominó pedia pra jantar e depois deitava numa rede e ia dormir, e eu insisti em saber se ele bolinava nos couros, e ela então respondeu se eu conhecia a música do Trio Parada Dura que canta assim: É pra furar o couro, explodir a adrenalina/É pra furar, é pra furar, é pra furar/É pra furar o couro, da sola da botina. É isso dona Florinda estou pra explodir a adrenalina e o homem só quer consertar sua botina.
Moral da história: cervejeiro cria barriga e tem pouca adrenalina.