Cultura

O HOMEM VERDE DO GINÁSIO, CAP 25: TUBARÃO 1T PESCADO NA CABEÇA DA VACA

O Homem Verde do Ginásio terá 30 capítulos todos passados na Serrinha e se trata de obra de ficção, portanto, qualquer coincidência com personagens vivos é mera coincidência
Tasso Franco , Salvador | 08/07/2024 às 11:31
Os três pescadores em ação
Foto: SERAMOV
   CAP 25 - O TUBARÃO DE NILBERTO OURICOURI

 Preâmbulo:

 A noite chegou. As últimas réstias de sol foram encobertas pelo Morro Guarani e a senhora Agripina pediu a atenção dos contistas e assim se manifestou em oração pedindo licença ao mediador para usar da palavra. Expressou-se desta forma: - Sei da preocupação dos ilustrados contistas e a pressa que tem dado o astuto mediador para que corram nas suas falas, na narrativa das suas histórias, por sinal, muito interessantes, eu que, sendo filha desta aldeia já conhecia de ouvir falar algumas delas e outras para mim são novidades prazerosas e sendo uma pessoa do povo, acredito piamente em todas, mas Deus me livre e me guarde de falar dos infiéis e das puladoras de cercas que são muitos e diversas em nossa comuna, e quem tem a sua oferece a quem quer por necessidade ou por gozo, portanto não entro nesses por menores, longe de mim (se benzeu) e quero dizer que nossa taverna, nossa casa de cultura é de respeito e também de acolhimento e já sabendo que essa tertúlia poderia durar noite à dentro, que espero não passe das onze, providenciei quatro candeeiros aladins dos mais modernos que existem no mercado que produzem luz de dia e vamos acendê-los dois sobre a mesa e dois em pretaleiras suspensos nas laterais do salão, assim como adquirimos no Armarinho de Valdemar Gil vários leques que foram importados da Espanha e poderão ser úteis para os (as) que sentirem calor, só pedindo que não abanem na direção dos candeeiros para que as camisas que produzem a luz não sejam queimadas, e serviremos uma canja de galinha se o senhor mediador permitir, café com leite e pães de sal amanteigados que estão chegando do Hotel da Tereza e da Padaria Pirangy, e para aqueles e aquelas que estejam apertadas querendo se aliviar os nossos sanitários são asseados e contém sinalizações nas portas, sendo o dos cavalheiros o que tem uma imagem de Lampião e das madames o de Maria Bonita. 

   Interrompi a fala da senhora Agripina acionei a sineta e propiciei um intervalo de uma hora de relógio - como diz o povo - havendo em seguida uma movimentação da senhora Agripina e sua equipe, um rapaz apelidado de Marconi Keter tá acendendo os candeeiros com maestria, Cheiroso colocando os pratos fundos para a sopa nos lugares dos oradores e Carrinho, procedente do Hotel de Tereza descarregou do seu carro de mão de madeira  um panelão contendo a canja que foi servido à vontade e a gosto com a ajuda de uma auxiliar que se chamava Jucileide dos Caldas, e chegaram igualmente os pães da Pirangy quentinhos já preparados, amanteigados, salvo engano trabalho que coube a uma menina chamada Dudinha Cruz e foi uma beleza de refeição, de muito bom preparo e gosto, sem reclamações.

   Terminado o leve jantar, Dr Tamboatá pediu a palavra para breves esclarecimentos jurídicos informando de viva voz: - Tanto o conto do Oitentinha que envolve uma possível herança pecuniária, uma gorda poupança como se alardeia e que estaria sendo cobiça por uma viúva de última hora; como esse outro dos folhetos denunciando anonimamente, folheteria fora da lei, frise-se, acusando sem provas que madames estejam a se deliciarem com outrem que não os do seu matrimônio, assim como o tal do casamento de última hora com um ser terminal para herdar a poupança acumulada em banco, merecerão deste Juizado dos Feitos, quando oportuno e desde que cheguem ao nosso conhecimento de forma oficial, por alguma ação encaminhada por advogado inscrito na OAB, tomaremos as providências com base em provas, em documentos, em fotos, em flagrantes de alcova com pavios acesos, e só assim, é que os possíveis delitos serão punidos, ainda que, sempre defendo que haja um acordo e aquele que, por acaso levou ponta possa entender que não lhe prejudique, não lhe desonra, seja perdoada a sya senhora e se mantenham juntos porque amante sempre existiu na face da terra desde o tempo de Sócrates, em Atenas, 399 a.C. É o que tinha dizer sem imputar a nenhum dos senhores e senhoras desta távola tal carapuça.

    Só depois da fala de Dr. Tamboatá abri a janela para o próximo contista apresentando-se o representante da Liga de Esportes Terrestres, Rufino Conceição Repolho, conhecido como Barragem, homem de estatura alta, ex “goal kiper” do São Cristovão conhecido dessa maneira porque quando titular desse clube, assim que o “football” chegou em nossa aldeia ainda se falava muitos termos em inglês, fazer um gol nele era difícil e o povo logo começou a dizer que parecia a barragem da Bomba que segurava a água do açude e só vazava em época de cheias, assim como Repollho que só tomava gol quando ia a campo mareado de milones, no mais um esportista de atitudes, fundador da Liga, incentivador do esporte inventado na Inglaterra, casado, cristão de missa, funcionário do Conselho onde secretariava as sessões, distinto, caboclo quase Tapuio, nascido e criado até a infância no Saco do Moura e depois migrante e estudante do ginásio onde se formou em primeiras letras.

   Vamos ouvir o que narrou Rufino Conceição Repolho, o  Barragem: - Quando aqui cheguei nesse torrão sagrado, creio que era o ano de 1939 fui trabalhar como aprendiz de mecânico na Oficina de Sêo Napoleão e os veículos ainda eram poucos na aldeia, mas foram aumentando muito nos anos 1940, os caminhões Chevrolet que carregavam carne, cereais e sisal para a gare do trem, e já estava ficando rapaz e fui ser goleiro do São Cristovão, integrei a primeira turma do Ginásio estadual, em 1949, me formei e fiz concurso público para integrar o Conselho como escriturário, e fui levando a vida com prazer nessa abençoada aldeia, me casei com a senhora Vanete, tenho três abençoados filhos e quatro netos, e fiz ao longo do tempo muitos amigos e esse conto que vou narrar quem me contou foi o compadre Zuminha, homem generoso e de bem, dando conta de que teve um mecânico de autos do tempo de Napoelão, de Zitinho, de Amaral, que se chamava Nilberto Loiola Ouricouri que evoluiu da mecânica e colou uma oficina de elétrica, salvo engano o nome popular era “Elétrica de Autos e Limusines Licuri” e este moço, aos domingos e feriados, se tornou pescador amador em tanques e aguadas do nosso território fisgando peixes enormes que o tornou famoso, mais como pescador do que como eletricista, fisgando pirarucus de metro, um dourado de 40 kilos e uma tilápia que não coube numa bacia de boca larga.

   Estanislau Murici, representante dos fazendeiros, interrompeu Rufino e assim o interpelou: - Meu caro Barragem, salvo uns peixinhos maiores de meio kilo que existem na Bomba e no Gravatá, aqui em nossa aldeia os peixes são miúdos e posso falar de cátedra porque conheço todas as fazendas, as aguadas desde a primeira quinta na estrada federal que Dr. Getúlio abriu para o Norte e mal pegamos corós, piabas e traíras onde esse senhor Ouricouri jogou sua rede ou lançou sua linha para obter tal façanha?  o que me permita este aparte essa narrativa parece uma grande culhuda pior do que as que Padreco contava no Largo da Usina.

   Acionei a sineta e pedi respeito e atenção com o orador em tela que usava da palavra e solicitei ao senhor Estanislau que aguardasse o final do conto de Barragem para opinar. Então, determinei: - Prossiga com sua fala Senhor Rufino Repolho.

   - Obrigado, imparcial mediador, quero então complementar meu conto narrando o principal, antes, porém, contudo, dizer ao senhor Murici que, ‘quando um jerico está se comunicando outro jumento não relincha’ (fui forçado, novamente, a badalar o sino com violência porque o fazendeiro se inflamou ao ser classificado como jegue e por pouco os candeeiros não se apagaram diante acalorada discussão e, a custo, com a ajuda de Carrinho e Cheiroso que acalmaram Murici garanti o prosseguimento da sessão)...é o que expus sem querer ofender a outrem, e para concluir senhor mediador, vou finalmente narrar meu conto, o que foi-me dito por Zuminha, de que, num certo domingo, o eletricista Ouricouri, um amigo deste chamado Airton Cardoso, vulgo Gaita, e um terceiro apelidado de Cabo, cujo nome salvo engano é Tadeu Fiúza Álvaro. foram fazer uma pescaria no açude da Cabeça da Vaca e alugaram o jeep de Pandunga para levarem consigo um barco de pesca de 5 metros de cumprimento e 1.5m de largo, pnde colocaram rede de arrasto, linhas, anzóis reforçados, iscas, um tira gosto de galinha assada e farofa, duas garrafas de 31, refresco tubaína, bombas de bater e demais apetrechos incluindo boias e cordas e isso foi puxado pelo jeep num trailer e em lá chegando no açude estacionaram o carro embaixo de uma quixabeira e colaram o barco Ventania n’água e remos em mãos, o Cabo remando de um lado e Gaita do outro, Ouricuri lançou a primeira isca e o barco foi colocado numa área de profundidade média, lançaram o ferro, a âncora bateu no chão e travou, e todos seguros começou a pescaria, sendo que, em mais de hora só tinham fisgado uma traíra e então resolveram mudar de local e remaram para um ponto mais profundo e quando o Cabo já ia lançar o ferro observou que próximo do barco nadava um peixe algo estranho que parecia um tubarão, a calda sobre a flor da água e ele então mostrou aos amigos que o arreliaram dizendo que ele estava tendo visões estranhas, resultado provável das 31 que tomara, mas, minutos depois, o bicho apareceu de novo e mostrou seu dentes nas proximidades da proa do barco, e deu-se um Deus nos acuda e Ouricouri pediu ao Cabo, já aflito, que levantasse o ferro e que Gaita remasse de volta para a quixabeira, e naquela agonia, o Cabo suspendendo a âncora e Gaita já com os remos em mãos para entrar em ação, o bicho voltou com mais força e deu uma sobraçada no barco e Ouricouri teve a ideia de jogar o farnel para ele comer e lá se foi a galinha assada e a farofa, Oricouri dizendo que era um tubarão de água doce, devorou o farnel de uma bocada, e os homens começaram a remar com força em direção a beirada do açude, foi então que o Cabo teve a ideia de colocar duas bombas de bater que serviam para pescar nas pontas da âncora, acender os pavios e na hora em que o tubarão atacasse lança-las em sua garganta e a ideia foi aceita de imediato e preparou-se o artefato e faltando uns 30 a 40 metros para chegar na beirada, o Cabo segurando o artefato com mãos, Ouricouri com um isqueiro pronto para acender os pavios, o monstro atacou com aquela boca imensa e pavios acesos, o Cabo firme na proa do barco, quando o bicho abriu a bocarra recebeu o ferro goela abaixo e a zorra explodiu lá por dentro dele e a confusão foi de tal ordem, que o monstro enraivado e ainda vivo, empurrou o barco até a beira do açude em velocidade de cruzeiro os cinco cairam esparramados embaixo da árvore: o barco, quase intacto, o tubarão preso na corda do ferro da âncora morto e avariado  e os três pescadores caídos e com ferimentos leves, daí que juntou gente do povoado da Cabeça da Vaca para observar aquele desmantelo, os pescadores se aprumaram e recolheram o tubarão com a ajuda do povo, colocaram no barco que foi amarrado no jeep de Pandunga e trouxeram para nossa aldeia onde foi exibido em praça pública, na Luís Nogueira, guinchado e pesado pelo comerciante Bero sendo anotado que tinha 1 tonelada, acontecimento notável, inesquecível. É o que tinha a contar senhor mediador.

Moral da história: Açude não é mar, barco não é bar. Só jogue o ferro com quem sabe pescar.