Cultura

O HOMEM VERDE DO GINÁSIO, CAP 24 : O ZEBU MAIS MORDIDO DA ALDEIA

Nas épocas de eleições os folhetos difamatórios aparecem embaixo das portas das casas na Serra
Tasso Franco ,  Salvador | 01/07/2024 às 18:30
Na época da politica os folhetos aparecem na Serra
Foto: SERAMOV
  CAP 24, O ZEBU MAIS MORDIDO DA ALDEIA 

   PRÓLOGO
 
  A senhora que administra os saberes das damas das noites emocionada pediu a palavra e assim falou dona Lia do Luar do Sertão: - Diria que fiquei triste em saber desse infortúnio do solitário senhor Oitentinha em apreço, até conhecia essa admirável pessoa e se soubesse que deixaria essa fortuna para o banco teria pedido a ele, em vida, que doasse ao menos uma parte à nossa instituição de amparo às senhoras da noite, a Associação Beneficente de Ajuda Assistencial e Familiar as Trabalhadoras das Noites (AFATAN) que, como o nome reza auxilia, ajuda, ampara, aquelas que já se aposentaram e outras que enfrentam algum mal, muitas delas fumantes inveteradas e que sofrem de câncer do pulmão e outras de bronquite, mas, agora, “Inês está morta” como reza o ditado popular e com estabelecimento bancário ninguém pode porque eles têm grandes estruturas, advogados e políticos de renome que os protegem e certamente a bolada ficará nos seus cofres, eternamente.

  Em aparte, também se pronunciou, o camarada Faetone, o qual disse ter sabido nas conversas no Beco da Lama, no ‘snooker’ de Jardineiro e no salão de corte de cabelos de Oficial, que arranjaram um casamento de última hora com Oitentinha e ele teria dado o sim a uma pessoa no leito da morte sendo o papel foi registrado em cartório daí que a fortuna teria sido reivindicada por essa pessoa juntamente com seus advogados, caso deveras rumoroso uma vez que o senhor em apreço (que o Deus o tenha no reino de sua gloria) era solteiro convicto, não que desprezasse as mulheres ou as odiasse, mas coisa de convicção, de que era melhor viver só do que mal ou  bem acompanhado, porque sozinha a pessoa faz o que quer, acorda a hora que deseja, come o que tem em casa, veste qualquer roupa, e não tem que ficar dando satisfação a ninguém, e assim eu penso, aqui em nossa aldeia tem muitos homens assim, embora pés rapados, sem grana no banco e, ademais, em sendo solteira, a pessoa também está livre de usar uma touca de touro, carregar chifres como os zebus carregam para o resto de suas vidas, e tem uns que os chifres crescem de tal maneira que andam arqueados e recebendo dichotes dos meninos "lá vem o velho chifrudo", e outros cantam o refrão: "O corno manso chegou", como já vi cantaram na soleira do Bar de Foba.

  Aquilatei que era melhor parar a discussão porque estava entrando no lado pessoal e ainda que não fossem nominadas possíveis infiéis ao corpo e aos ensinamentos do Cristo, do casamento indissolúvel, do amor eterno a´que somente a morte os separem, franqueei a fala para novo contista e assim se apresentou o representante dos professores, Epitácio Vieira Romanzeira, o qual disse não estar admirado com a atitude do senhor Oitentinha, pois, ele próprio era solteiro por razões íntimas, não admitia que alguém duvidasse se sua virilidade, de sua potência testada e aprovada por divinas representantes do sexo feminino, e embora não fosse rico nem possuísse dotes numerários, como bem frisou: “A vida de um modesto professor municipal em proventos minguados mal dá para fechar as contas do mês e vive-se, como sobrevivo eu, na penúria até a hora da partida, porém, honrado e feliz por saber que transmito ensinamentos valiosos às crianças o futuro desta nação”.

   Pedi ao probo mestre Vieira, assim, muitos o chamavam e eu particularmente o admiro, o moderador que revela essas anotações, e intervi para pedir que o discípulo do jesuíta Antônio Vieira apressasse em narrar logo seu conto e aproveito para dizer aos nossos leitores que o digno professor era desses homens que Deus colocou no mundo sem atributos de Apolo e corria a boa miúda na aldeia que sua ferramenta que agrada sobremaneira as senhoras e senhoritas nos momentos do deleite era miudinha, daí que tinha o apelido jocoso de professor Pirulitinho, entre alunos ousados e intempestivos, além do que era um tipo sarará de cabelo cor de bunda de tanajura que assustava a primeira vista por sua feiura, embora, como sabemos, para cada sapato sempre tem um pé acolhedor.

   O mestre Vieira, que Deus, por recompensa lhe presenteara com uma voz potente, alta e bonita, então assim prosseguiu: - Ora meu ínclito moderador, meus abalizados senhores e ilustres senhoras, o que narro a seguir, creio, é de conhecimento público, provavelmente de todos aqui nesta távola, pois que, na época das eleições, e creio que esse modismo difamatório vem desde o pleito em que se pugnaram em 1948, portanto, há apenas 12 anos, o fazendeiro João Barbosa com o apoio de Dr. André Negreiros Falcão, versus Samuel Rodrigues Nogueira da banda da UDN, pessoas honradas, dignas, foi quando surgiram os panfletos colocados nas caladas das noites embaixo das portas das casas, nas residências e no comércio, com dizeres difamatórios acusando algumas madames de infidelidade, no dizer do povo, de pular a cerca, e isso como sabemos não é novo, está na bíblia que é um livro bem antigo, e comenta-se que aos 7 pecados capitais – avareza, gula, inveja, ira, luxúria, preguiça e soberba – deve-se acrescentar um oitavo - a traição - e no versículo 19.9 do evangelho de Matheus lê-se que Jesus disse: “Eu voz digo, qualquer um que repudiar sua mulher, exceto por fornicação, e casar com outra, comete o adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério”, mas isso foi dito há 1960 anos e o mundo mudou muito, a ‘modernagem’ chegou as mulheres e os homens foram ficando mais salientes, uma francesa, ao que se diz, já criou a minissaia, senhoritas já usam maiôs nas piscinas e rapazes sungas, dançam um tal de ‘twist’ com calças bocas de sino e fumam cigarrilhas e assim aconteceu com uma jovem e bela senhora de nossa aldeia, que começou a conviver no Clube, que começou a frequentar aulas no ginásio com saiotes curtos, e lá um dia, esta vistosa recebeu elogios de um professor de educação física que enalteceu suas coxas como belas, torneadas, lisas como um tecido de seda da China, e ela gostou do que ouviu porque em casa nunca seu esposo lhe havia direcionado tais palavras, e olhe que tinha um casamento bom, sem brigas, agradável, e ele era arrojado na alcova, seu esposo era suado, bravo, mas o diabo é ardiloso, o demo é enganador, joga veneno na comida, põe sal onde é para colocar açúcar, e ela ficou com aquelas palavras do professor na mente (diria, sem citar nome, meu colega do magistério) e de outra feita ela teria se engraçado tanto que o professor alisou sua seda e ela sentiu um arrepio, um treme no corpo dos pés à cabeça, e os olhos do Pé-de-Botelho são cruéis e certa noite ele apareceu para o camarada supostamente traído que se chama Molinha e avisou-o, sem provas, só por maledicências, que sua esposa estava com gracejos exagerados diante um espada e ele procurou averiguar e, ao que se disse, e isso apareceu num tal folheto de época das eleições, e embora Molinha não fosse candidato apoiava um vereador que defendia a moralidade e a fidelidade, e isso foi fatal porque no folheto se lia que o defensor da moralidade tinha o apoio de um ‘cornutto’, escrito em italiano, um ‘ciervo’, escrito em espanhol, e as pessoas viam logo que não se tratava de um servo de Deus e se de um gamo, um alce, e dizia que  a tal dama moderna teria se deitado com o professor numa relva, numa paisagem bucólica em área do ginásio e ali mesmo teria o guapo Adão provado de sua maçã, e isso resultou que Molinha decidiu sair de casa e foi morar com a mãe e nunca mais passou pela rua onde morava, rejeitou a esposa de tal forma que, quando da morte de sua querida e adorada mãe, meses depois desse acontecido e improvável adultério, o professor seguiu dando suas aulas de educação física e a distinta concluiu o ginásio e foi estudar na Escola Normal, e foi visitar o corpo da sua sogra no dia do falecimento, e Molinha se trancou dentro de um quarto, não a cumprimentou e esperou que ela fosse embora para iniciar o sepultamento da mãe e, a partir dessa contestação ele ficou conhecido – segundo informou um novo folheto como o mais mordido zebu de nossa aldeia, a nunca mais passou na rua onde morava com sua esposa, nem lembra mais a cor da porta da casa onde residiu, e toda vez que necessita ir a essa área da aldeia para algum compromisso de negócios ou social faz um arrodeio enorme, contorna o prédio do ginásio por fora e volta pelo mesmo caminho.

Moral da história senhor mediador: Ser corno é uma arte; uns carregam os chifres nas testas para o resto da vida, conformados; outros levam a carapuça sem nunca serem traídos, se tornam assombrados; e os afobados levam a fama sem proveito e ficam mordidos.

Ouviram-se muitos aplausos e o garçom Cheiroso serviu uma rodada de cafezinhos coados na hora com biscoitinhos de nata.