Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE,CAP 8: IGHB, A CASA DE CULTURA DA BAHIA

So no prédio da Avenida Sete o IGHB completa dia 2 de julho próximo 101 anos
Tasso Franco , Salvador | 29/06/2024 às 10:55
Biblioteca do IGHB com pesquisadores diariamente
Foto: BJÁ
      O prédio em estilo neoclássico italiano do arquiteto Rossi Baptista que abriga a sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) é o mais belo do trecho conhecido como a área comercial da Avenida Sete, entre os conventos de São Bento e das Mercês, freiras da ordem Ursulinas.

   Foi erguido entre 1921 e 1923 graças a subvenções públicas e inaugurado no dia 2 de julho de 1923 nas comemorações do centenário da Independência da Bahia, sob a presidência do historiador Theodoro Sampaio e com as presenças do governador JJ Seabra, do representante do presidente da República, Arthur Bernardes, deputado federal Pedro Francisco Rodrigues Lage, com benção do arcebispo do Ceará, dom Manoel Gomes, acolitado pelo cônego Christiano Muller, pároco da Paróquia de São Pedro.

   Quando Consuelo Pondé de Sena foi presidente do IGHB entre 1996 e 2015, a Avenida Sete em decadência o que já vinha acontecendo desde o final da gestão de Thales Olympio Góes de Azevedo, ocupada por camelôs, mendigos, prestadores de serviços em amolar alicates, vendedores de comidas, relojoeiros, batedores de carteiras e outros, sobretudo neste trecho comercial, lutou muito para que, ao menos, o passeio em frente ao instituto fosse desocupado, mas não conseguiu.

  Eu era secretário de Comunicação da Prefeitura (1997/2004) e fui seu aluno na Faculdade de Comunicação da UFBA, e ela, com frequência me pedia ajuda para falar com o prefeito Antônio Imbassahy no sentido de remover os ocupantes desse espaço em frente ao IGHB. Era um trabalho de gato x rato, a Prefeitura limpava a área e no outro dia era reocupada. Certo dia ligou afirmando: - Agora colocaram roupas, confecções, calças, blusas, calcinhas, rente a janela do nosso gabinete.

   Adiante, mandou confeccionar um gradil de ferro para proteger a entrada do IHGB e foi pior: tornou-se um varal para os ambulantes. O que, existe até os dias atuais, e ninguém consegue mais mudar essa realidade. A Prefeitura, recentemente, conseguiu organizar os ambulantes na Sete no passeio à direita, mas, o passeio a esquerda, justo onde está o IGHB segue essa babel. Há alguns anos, a entrada principal do IGHB é a secundária que fica na Joana Angélica; e a principal só é usava nos grandes eventos, como a comemoração ao 2 de julho ou quando uma autoridade nacional aparece por lá.

   Paciência. Salvador – digo isso com frequência – se tornou incivilizada, embrutecida.

   Quando a casa foi inaugurada descerraram a placa Pedro Lage, JJ Seabra e Bernardino de Souza secretário perpétuo. O poeta Adalício Nogueira recitou o poema “A Casa da Bahia” assim ficando conhecida para sempre o IGHB e instalou-se o escudo Urbis et Orbis (na cidade é o mundo, alusão a cidade eterna, Roma) com os seguintes dizeres: “Esta casa é uma árvore de remotas raízes, ampla ramagem e inesgotáveis frutos. Fê-la medrar a própria alma da Pátria, que há de mantê-la imperecível. A sua sombra sentir-se-ão unidos indissoluvelmente, o passado, presente e o futuro. Templo votivo e tenda criadora, relicário de tradições e abrigo de esperanças. Com ela se celebram os primeiros cem anos de emancipação e comemoram os feitos que asseguraram a independência do Brasil, comemorada na Bahia e cimentada pelo sangue dos baianos”.

   Vê-se, pois, a relação do IGHB com o 2 de julho, as lutas que aconteceram em Salvador e no Recôncavo contra as tropas portuguesas do brigadeiro Ignácio Madeira de Melo, que também lutou para manter o Brasil como colônia de Portugal. Há muitas publicações sobre essas lutas, algumas com ufanismo exagerado e fora da realidade, heroínas que não lutaram, uma das quais figura de ficção literária criada por Ubaldo Osório Ribeiro; há heróis esquecidos e a sagração de personagens nativistas, o caboclo e a cabocla, que representam as personalidades de Diogo Álvares (português) e Catarina Paraguaçu (tupinambá).

    Ainda hoje, nas comemorações ao 2 de julho, considerada a mais emblemática festa cívica e política da Bahia, o presidente do IGHB, na atualidade, Joaci Fonseca de Góes, discursa no pantheon da Lapinha, pela manhã, na largada do desfile; e abre as portas da Casa da Bahia, à tarde, para a passagem do cortejo com autoridades e grupos escolares.

    Estou inicialmente situando o IGHB na Avenida Sete porque esta via é o objeto de nossa obra literária, mas, ressalte-se que o nascimento desta instituição cultural – a mais antiga de Salvador – se deu em 1894 na residência do jovem advogado abolicionista e republicano Francelino Leovigildo Torres no Largo 2 de Julho. Época em que governava a Bahia, Joaquim Manoel Rodrigues Lima (1892/1896), natural de Caetité, que sofreu forte oposição do Barão de Geremoabo e no Senado da Bahia travaram-se grandes debates entre conservadores (adeptos do Império) e republicanos.

    A ata de instalação do IGHB é de 13 de maio de 1894 e foi confeccionada em livro doado por Dr. Glicério José Velloso da Silva em livro de 100 páginas numeradas e rubricadas no Salão do Grêmio Literário, tendo como presidente da mesa provisória Dr. Tranquilino Leovigildo Torres, abrindo a reunião Dr Braz Hermenegildo do Amaral e sendo designado secretário Dr. Antônio Calmon du Pin e Almeida.

   Veja, portanto, que a criação do IGHB dá-se durante o caldeirão politico de transição do Império para a República (15 de novembro de 1889) e publicação da Lei Áurea (13 de maio de 1888) pondo fim formal à escravidão e os integrantes desse movimento cultural da Bahia são abolicionistas e republicanos e contaram com o apoio do governador Rodrigues Lima o qual ajudou financeiramente o órgão com 25 mil contos de reis, em 1895, e o considerou de utilidade pública.

   Nasceu o IGHB com esse sentimento patriótico e a data escolhida para sua primeira sessão foi 13 de maio de 1894, instalando-se nove dias depois na Rua do Palácio, no Grêmio Literário, adiante transferindo-se para a Rua da Misericórdia, 6, prédio da Santa Casa onde permaneceu até 1900. Daí mudou-se para uma sede própria no Terreiro de Jesus, 15, entre 1/5/1900 a 14/9/1913, sede destruída por um incêndio. Entre 14/9/1913 e 15/11/1914 funcionou provisoriamente no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.

  A sede do Terreiro foi restaurada graças aos esforços de Bernardino José de Souza e Braz Hermenegildo do Amaral e entre 15/11/1914 e 1/7/1923 aí permaneceu até que se mudou para a sede nova da Avenida Sete.

  Foi uma luta de anos a construção do prédio da Sete. A essa altura, entre 1912 e 1915, o governador JJ Seabra havia aberto a Avenida Sete e mexeu substancialmente com essa área onde havia o prédio do Senado da Bahia, a Paróquia de São Pedro Velho, a Rua do Duarte, o beco do Senado, a rua do Senado, a praça da Piedade, casarões e  o prédio onde funcionava a Escola Modelo Patherson dirigida por José Joaquim Palma. Com a abertura da via, a derrubada da igreja de São Pedro, uma banda do Senado, os abnegados do IGHB, adquiriram de Dona Leopoldina Lemos Vieira, o sobrado número 887, da Rua do Senado, por 10 contos de reis; de Dona Emília Osório de Barros Santos Moreira, o  prédio do Beco do Senado, 11, o governador JJ Seabara, em 3 de agosto de 1920 através de lei aprovada pela Assembleia Geral concedeu 50 mil contos de reis para auxiliar a construção da obra cuja pedra fundamental foi lançada dia 2 de julho de 1921, segundo contratado o arquiteto Júlio Conti para dirigir os trabalhos de construção.

  Luta de muitos abnegados, autoridades, particulares, municipalidade, mas, aos olhos da Bahia o grande benfeitor foi o governador JJ Sebara, o qual abiu a Avenida Sede quando governador (1912/1916), doou 50 contos de reis (50:000$000) quando governador no seu segundo mandato (1920/1924) e participou da inauguração da sede do IGBH em 2 de julho de 1923. 

  Porém, os méritos maiores foram de Bernardino de Souza, Braz do Amaral, Theodoro Sampaio (entre outros) e dos três primeiros presidentes: Tranquilino Leovigildo Torres (morreu aos 37 anos), Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque e Antônio Carneiro da Rocha, observando-se a luta pelo convencimento de que a Bahia necessitava de um órgão de cultura voltado à memória histórica, geográfica e política, à pesquisa, a publicações de livros, quando o estado ainda não tinha uma universidade, o que só foi criada por Edgard Santos, em 1946, a UFBA.

  Theodoro Sampaio vai ser presidente entre 1923 a 1937 sendo sucedido por Epaminondas dos Santos Torres, Francisco Peixoto de Magalhães Netto, Edith Mendes da Gama e Abreu, Paulo de Mattos Pedreira de Cerqueira, Frederico Grandchamps Edelweiss, monsenhor Manoel Aquino Barbosa, Jayme de Sá Menezes, Thales Olympio Goes de Azevedo, Consuelo Pondé de Sena (1996/2015), Eduardo Moares de Castro e Joacy Fonseca de Góes (presidente em exercício).

  O IGHB é uma instituição cultural sem fins lucrativos e que vem funcionando ao logo desses 130 anos completados no último 13 de maio em convênio com o governo do estado através dos seus órgão de Cultura. Tem prestado um relevante serviço às letras e a pesquisa da cultura histórica baiana e só para citar três expoentes desta constelação de estrelas, os livros de Braz do Amaral e J. Acyolli, de Theodoro Sampaio e Thales de Azevedo são faróis que iluminam e orientam estudos sobre a Bahia (e o Brasil) até os dias atuais.

   O instituto tem uma biblioteca fantástica e ativa, usada diariamente por pesquisadores de todo país, jornais encadernados dos séculos XIX e XX da Bahia, e que tem sido a principal fonte de pesquisas para novas publicações que se fazem no estado, possui uma pinacoteca valiosa e ao longo de sua história e ainda nos dias atuais, é atuante e promove palestras, encontros literários com historiadores e geógrafos, com cientistas políticos e economistas, debates, mesas redondas, sedia lançamentos de livros e outros.

 Recentemente, por posto, lançou juntamente com a ALBA Cultural a caixa contendo 7 volumes sobre o Bicentenário da Independência da Bahia com obras de Lucas Alexandre Boiteux, Eugênio Egas, Xavier Marques, Antônio Pereira Rebouças, Jorge Ramos, Sérgio Matos e José Nilton Carvalho Pereira.

  Quem por anda e pesquisa conhece os bibliotecários e patrimônios da casa, Lidijane Silva Santos e Antônio Fernandes da Costa Pinto e pode-se deparar com algum escritor de renome folheando seus velhos jornais. Velhos e sábios, como é a matriz do IGHB, sem dono, sem ideologia, que abriga todas as correntes politicas e de pensamento do estado e do país e nem adianta, como recentemente, ameaçar suspender o convênio que o sustenta por um dirigente burocrático da Cultura porque a Bahia e o IGHB é muito mais do que isso, e todos passam e o IGHB fica como está há 130 anos contribuindo e valorizando a cultura nacional a partir da Bahia. 

   Como bem disse o historiador Luís Henrique Dias Tavares, a Independência do Brasil é fruto das lutas na Bahia daí, também a marca simbólica que o IGHB tem com o 2 de julho.