Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE, CAP 6: A PARÓQUIA DE SÃO PEDRO VELHO

Paróquia mais frequentada da Avenida 7 recebe 120.000 fiéis ao mês na matriz erguida em 1917, na Av Sete com Piedade
Tasso Franco ,  Salvador | 06/06/2024 às 10:07
Igreja de São Pedro Velho derrubada para passar a Av 7 e a última procissão, 1913
Foto: REP

  A Paróquia de São Pedro Velho Extramuros completa 345 anos de constituída pelo primeiro arcebispo de Salvador, Dom Gaspar Barata de Mendonça, em 1679, abrangendo extensão territorial desde o Campo Grande até a atual Praça Castro Alves. O nome original era Freguesia de São Pedro de acordo com a terminologia adotada em Portugal.

   O Arcebispado de salvador da Bahia tinha sido criado pelo Papa Inocêncio XI a pedido do rei de Portugal, Afonso VI, "o Vitorioso", através do príncipe Pedro II, em 16 de novembro de 1676. 

  A abrangência desse arcebispado primaz do Brasil como Metropolitano foi pedido do rei de Portugal Dom Pedro II (1683/1705) ao mesmo Papa Inocêncio XI e colocava como sufragâneas (subordinadas a Metropolitana) Rio de Janeiro, Olinda, Angola e Congo, os bispados de SP e Mariana e as prelazias de Goiás e Cuiabá.

  São as interpretações da Igreja Católica desde sua concepção com abrangência mundial - a primeira multinacional religiosa do planeta - pois naquela época, mesmo que Dom Gaspar Barata tivesse boa saúde (o que não era seu caso) seria praticamente impossível visitar essas áreas diocesanas. Na realidade, esse arcebispo, o primeiro da Bahia, nunca pisou os pés em Salvador e comandou o arcebispado a partir de Lisboa. 

  Ainda assim administrou a arquidiocese por procuração durante quase cinco anos (1676-1681), segundo monsenhor Walter Magalhães, em "Pastores da Bahia", "também por procuração foi seu governo pastoral", renunciando ao cargo por motivos de saúde, em 1861, e morrendo em Sardoal, em 1686.

  Importante destacar o seguinte: a devoção a São Pedro em Salvador data de 1554 quando o bispo Pero Fernandes Sardinha solicitou a Thomé de Souza, primeiro governador Geral do Brasil, construir uma capela para São Pedro na área onde é, hoje, o Forte de São Pedro. Os fiéis oravam nesta capela até a invasão holandesa.

  Em 9 de maio de 1624, Salvador foi invadida pelos holandeses comandados por Jacob Willekens com frota de 26 navios e 3.000 homens. Os batavos ocuparam a área onde havia a capela e imediações e montaram uma trincheira para defesa. O governador Diogo de Mendonça Furtado e os jesuítas foram presos e deportados para Amsterdam. A resistência aos holandeses, em terra. foi organizado pelo bispo Dom Marcos Teixeira, apelidado de "bispo soldado" ou “bispo general” a partir do Rio Vermelho e depois de Vila de Abrantes, onde montou seu QG de guerrilha, com grupos de homens armados - cada um deles entre 25 a 30 homens - para fustigar os holandeses. 

  Mas a expulsão dos holandeses só aconteceu em 1625 quando a "União Ibérica" da Dinastia Filipina enviou uma esquadra de 52 navios e 14.000 homens sob o comando do espanhol dom Fradique de Toledo Ozório, que reconquistou a capital.

  Os holandeses resistiram quando puderam. Ilhados por terra pelos guerrilheiros do bispo e por mar, com deserções em suas tropas constituída por mercenários holandeses, ingleses e florentinos se renderam.
  No período entre 1580 e 1640, Portugal, Brasil e outras colônias portugueses foram anexadas à Espanha com o fim da Casa dos Avis e o domínio espanhol, de Felipe II a Felipe IV (60 anos). 

   Então, quando houve a invasão holandesa a Salvador, o governo local era exercido por um português Diogo de Mendonça Furtado, o bispo era português e a documentação administrativa era em português. Esse período é complexo no entendimento e a administração era feita por um Conselho, o rei sediado em Madrid, até que vieram as revoltas dos nobres portugueses contra o governo de Felipe IV, criador de pesados impostos, as guerras da "Restauração", e o trono português foi retornado para Afonso VI, o "rei vitorioso", o primeiro da Casa de Bragança.
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  Na Bahia, já que estamos falando da Paróquia de São Pedro com a morte de dom Marcos Teixeira, em 1624, a nomeação de um novo bispo só acontece em 1627 com Dom Miguel Pereira, o qual também não pisou os pés na Bahia e morreu em Lisboa, em 1630. 

  E agora, como ficou a Diocese? Vacante de um bispo, mas administrada pelo cônego Pedro Velho, arcediago - dignatário do cabido, do conjunto dos clérigos, até que Dom Miguel Pereira, nomeou Governador da Diocese, o padre Dom Manoel Themudo da Fonseca, o qual veio para Salvador tendo como Provisor, o cônego Luís Pinto Carneiro, Deão do Cabido da Sé.

  A essa altura, na área administrativa do governo Geral, o novo governador Diogo Luís de Oliveira (1626-1635), iniciou a construção do Forte de São Pedro e dos baluartes de São Paulo, na Gamboa de Baixo, na área que servira de trincheira dos batavos. 

  Portanto, os fiéis que oravam na capela de São Pedro deixaram de fazê-lo durante a ocupação holandesa e só retornaram em 1626.  O forte só ganha forma atual em polígono quadrangular com baluartes pentagonais no governo de Antônio Teles da Silva (1642-1647) e só no governo de Dom Pedro Antônio de Noronha Albuquerque e Souza (1714-1718) foram construídas muralhas e o fosso. A capela teria sido preservada até 1723.

  A igreja só nomeou um novo bispo para Salvador em 1632, Dom Pedro da Silva Sampaio, este veio para capital da Colônia e tomou posse em 19 de maio de 1634. Foi esse bispo que erigiu a Paróquia de Santo Antônio Além do Carmo e nomeou o padre Manuel de Ledesma, seu primeiro pároco. 

   Silva Sampaio morreu em 1649 e passaram-se mais 21 anos para a igreja enviar novo bispo, Dom Estevão dos Santos (1670/1672), considerado o primeiro bispo depois da paz entre Espanha e Portugal - segundo narra monsenhor Walter Magalhães - pelo rei Afonso VI e confirmado pelo papa Clemente X, chegando à capital baiana em 1672 sendo bispo por apenas 22 dias. 

     Parecia algum aviso dos céus diante de tantos transtornos na Diocese. Durante 125 anos, a Diocese de São Salvador da Bahia - criada pelo papa Júlio III, em 1551 - foi sufragânea da Arquidiocese de Lisboa, até que, em 1676, o Papa Inocêncio XI, cria, a pedido do príncipe Pedro (depois rei dom Pedro II de Portugal) instituiu a Arquidiocese de São Salvador da Bahia, e a desliga de qualquer jurisdição da Arquidiocese de Lisboa.

  E o que aconteceu com os fiéis de São Pedro que oravam na capela do Campo de São Pedro (atual Campo Grande)? 

  Entre 1626 e 1723 continuaram orando nesta capela e na igreja de São Pedro dos Clérigos, anexa a Sé Primacial (atual praça da Sé), chamada de São Pedro Novo. 

   Durma-se com um barulho desses. Foi o arcebispo Dom Sebastião Monteiro de Vide (1702-1722), como narra J. Accioli e Braz do Amaral, em “Memórias Históricas da Bahia”, volume V, que implantou o 1º Sínodo Diocesano e promulgou as Constituições Primeiras da Arquidiocese da Bahia código que regulou e incentivou a Igreja Católica do Brasil durante 192 anos (1707/1899), e foi esse arcebispo que, em despacho dia 15 de janeiro de 1709, concedeu licença a Irmandade de São Pedro dos Clérigos a erigir a Igreja de São Pedro Novo no Terreiro de Jesus no local de casas que eram de Dona Antônia Maria de Jesus e do mestre de Campo Garcia D’Ávila Pereira de Aragão, residências que foram compradas, e como permuta derrubou-se a igreja de São Pedro dos Clérigos existente ao lado da Sé Primacial, terreno em que foi construído o Palácio Arquiepiscopal, e passou a ser a residência dos arcebispos.

   Os fiéis de São Pedro, portanto, oravam no Campo Grande de São Pedro e na Sé até que, constituída canonicamente a Paróquia de São Pedro ergueu-se a partir de 1723 a igreja de São Pedro Velho Extramuros, no bairro de São Pedro. Não sabemos quando esta matriz foi inaugurada. Provavelmente na pastoral do arcebispo Dom Luiz Alvares de Figueredo (1725-1735) e a Folha de São Pedro, órgão oficial desta Paróquia, em edição especial de dezembro de 2014, cita que isso aconteceu “no século XVIII, construída uma nova matriz na atual praça Rio Branco, onde se situa o Relógio de São Pedro”.

   Sabe-se, por informações de J. Accioli e Braz do Amaral, “que algumas negociações foram feitas com o rei de Portugal, em 1691, para construir a nova igreja, e uma carta régia de 1692 ordena que “fosse cedida ao rei de Portugal Pedro II o padroado e direito livre da Igreja de São Pedro Velho Extramuros”.

    Portanto, meus abnegados leitores e leitoras. Vocês vejam a importância do bispo Pero Fernandes Sardinha para a história de Salvador, criador dessas duas igrejas, a original capela do Campo de São Pedro e a da Sé, hoje, Paróquia de São Pedro na Avenida Sete com Piedade; e Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Terreiro de Jesus, ao lado da Cantina da Lua.
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   Pulemos antão para o projeto de implantação da Avenida Sete por JJ Seabra e Arlindo Fragoso, a partir da Ladeira do São Bento até o Farol da Barra (1912/1915). A primeira questão era como passar a via sem derrubar uma banda do mosteiro de São Bento. As negociações foram intensas e a engenharia conseguiu contornar o problema promovendo uma pequena inclinação à direita, na cumeada, e preservando o convento.

   Adiante estava, de testa, a Igreja de São Pedro Velho no bairro que se chamava São Pedro, a Rua do Duarte, o Beco do Senado e a Rua do Vigário. Não teve conversa. Tudo foi abaixo. Mas, claro, Seabra entrou em entendimentos com o arcebispo Dom Jerônimo Tomé de Souza, o qual administrou a Arquidiocese durante 31 anos (1893-1924), com quem teve longa conversa e o governador se comprometeu a construir uma nova igreja, na Piedade, o que aconteceu em 1917.

    De acordo com Geraldo da Costa Leal, em “Perfis Urbanos da Bahia” a Rua do Duarte “era o beco mais gostoso do Carnaval apertadinho mais safado para os bacantes carnavalescos”.

    A partir de 1913, últimas missa e procissão, as demolições começaram: igreja, casarões, casas menores, uma banda do prédio do Senado tudo foi abaixo e abriu a via larga com pista para bondes e uma praça que recebeu o nome de Rio Branco. 

   Lembrando os carnavais dos anos 1970/1980, essa praça que também era conhecida como Largo do Relógio, concentrava durante os momos as garotas que considerávamos as mais belas da cidade chamadas as “meninas do relógio” e esse local era de uma enorme concentração de foliões. Daí descia-se para o Beco Maria Paz e depois para o Clube de Engenharia. 

   A igreja de São Pedro Velho poderia ter sido poupada? Bem, se assim fosse, a Avenida Sete teria que fazer uma curva à direita, desnível que mudaria sua rota e afetaria o Cabeça e a Baixa de São Bento (atual Carlos Gomes); e se a curva fosse à esquerda, daria na Direita da Piedade e no vale. A solução era derrubar a igreja e construir uma nova e assim foi feito com projeto do arquiteto italiano Rossi Baptista, após desentendimentos entre Michele Caselli, autor do projeto original e a Mesa da Irmandade do Santíssimo Sacramento (ALMEIDA, 2006).

    A Igreja Matriz de São Pedro Velho durou aproximadamente 190 anos (1723/1913) e a atual já tem 107 anos e se chama Paróquia de São Pedro com território paroquial misto de residência, serviços e comércio, em lojas e nas ruas e praças e engloba os bairros Dois de Julho, Piedade, Lapa, Politeama e Barris. Seu território sofreu desmembramento com a criação da Paróquia de Nossa Senhora do Tororó, em 1954.

   O titular foi durante muitos anos o padre Aderbal Galvão de Souza, ordenado em 1983, Campo Formoso, sua terra natal, por Dom Avelar Brandão Vilela, também diretor e comunicador da Rádio Excelsior da Bahia, a emissora católica. Anota a “Folha de São Pedro” que a Paróquia recebe, diariamente, na atualidade, 4 mil pessoas e 4 igrejas estão sob a responsabilidade da Paróquia: a Matriz, Nossa Senhora da Conceição da Lapa, Nossa Senhora do Rosário e Senhor Bom Jesus dos Aflitos.

  Dom Aderbal Galvão que está velho e cego foi substituído pelo padre Fernando Pedrosa. Dom Aderbal ainda vive e quando sai da matriz até a igreja do Rosário é conduzido por um paroquiano.

   E, se antes, os paroquianos eram a elite de Salvador – donos de engenhos que moravam em São Pedro, comerciantes ricos, etc, hoje, há um público eclético da classe média e pessoas de baixa renda que frequentam a Avenida Sete e oram nesta matriz. Em média, 120.000 fiéis oram nesta matriz todos os meses e a politica deixa-la permanentemente aberta aos católicos fechando às noites.

   Integram essa Paróquia a matriz da Piedade, igreja de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, igreja de Nossa Senhora do Rosário e igreja de Senhor Bom Jesus dos Aflitos e diversas comunidades religiosas estão neste território paroquial: Beneditinos (Mosteiro de São Bento), Capuchinhos (Convento de Nossa Senhora da Piedade), Redentoristas (Congregação do Santíssimo Redentor), Ursulinas (Convento de Nossa Senhora das Mercês), Irmãs da Congregação das Escravas de Maria Menina; Filhas da Caridade de São Vicente (Colégio NS do Salette), irmãs franciscanas Imaculadas (Instituto NS da Assunção), Congregação de NS dos Humildes (Convento de São Raimundo), Oblatas do Santíssimo Redentor, Paulinas e Concepcionoistas, Convento de Santa Tereza.

  É importante salientar que tudo isso gira em torno da Avenida Sete e é comum vê-se neste trecho da que vai entre o São Bento e as Mercês monges, padres, freiras, diáconos, irmãs, etc, andando pela via em compras ou a caminho dos templos.

  Sem dúvida, a matriz de São Pedro é o centro religioso mais importante de toda essa área, isso do ponto de vista da frequência popular, e o templo abriga um restaurante, um café, a secretaria, tudo funcionando de domingo a domingo, há um portal da igreja antiga na sacristia datado de 1853 (pia batismal), a imagem sacra mais valiosa é a de São Pedro, no altar mor, e os sinos datam de 1777, 1782, 1807, 1805 – o quinto não tem identificação e tocam melodias festivas ao longo do dia. 

   Ao meio dia e às 6 da tarde, quem anda pela Avenida Sete neste trecho para e ouve o que anunciam em ambiente de paz e harmonia. Dia 29 de junho, todos os anos, há uma procissão na área da Paróquia e pela Av Sete, uma das poucas existentes na Senhora Avenida.