Cultura

O HOMEM VERDE DO GINÁSIO, CAP 21: A RINHA DO ITAÚNA E A LUTA DO SÉCULO

Nossa aldeia foi Paris por um dia com serviço de champagne e caviar, e mais a presença de vedetes polacas importadas da Cracóvia
Tasso Franco , Salvador | 02/06/2024 às 09:53
A LUTA DO SÉCULO
Foto: SERAMOV
  
CAP 21 – RINHA DO ITAÚNA E A LUTA DO SÉCULO

 
    PRÓLOGO:
 
   Antes que alguém se prontificasse em apresentar um novo conto, o representante da Intendência, advogado Dantas Ribeiro, que até então estava calado e só observando os debatedores pediu a palavra e assim falou: - Quero prestar meu depoimento corroborando o que relatou o intelectual Alvinho sobre sua tia bisavó Oscália, pessoa que não tive oportunidade de conhecer visto que nasci em 1899, justo no ano que desencarnou, mas, herdei dos meus pais uma coletânea dos seus livros e aprecio muito a sua poesia, em especial a que dedicou aos seus 13 gatos.

   Permita-me evocar um pequeno verso: "Animais dóceis que amei com toda a minha virtude/ Sábias criaturas que me ensinaram a compreender a doçura da vida/ Oh! como os acariciei! como os beijei/ Um amor fraterno de mãe aos filhos e abençoados serão para sempre". 

   Dantas Ribeiro, homem de estatura alta, cabelo crespo escovado, a usar um óculos redondo com aros de ouro, retirou-os da face e com um lenço de cambraia que usava no bolso do jaquetão enxugou algumas gotas de lágrimas que desciam de sua face amarronzada pelo pó que usava e prosseguiu alertando ao representante do Raso (suponho) e aos demais da távola que, com poetas não se brinca, não se perjura, e digo-vos, que embora não seja uma senhora Oscália nem um Casemiro de Abreu tenho da minha forja, da minha lavra, alguns poemas que ainda não editei em livro por falta de oportunidade, mas, alguns deles já foram publicados n'Serrinhense. É o que tenho a dizer.

   O representante do Raso, Erasmo Palmeira - também suponho - sentindo-se ofendido pediu uma tréplica e enalteceu que sua fala sobre a desconfiança dos méritos da poetisa Oscália, era apenas por desconhecimento deste ser, e não por zombaria. E acrescentou: - Minha cunhada de nome Hermínia também é dotada de inteligência super relativa e produz versos, não sei se iguais ao do nobre representante da Intendência, que não os conheço, mas sei que os de minha cunhada são excelentes, superaria aos desse rábula.

   Dantas Ribeiro rubro se tornou com sangue à mostra em sua pele diante provocação de Erasmo e também se levantou, novamente, e intimou-o para um desafio "não de tiros de pistolas" - assim falou - mas “uma peleja de versos”, ele a declamar os seus e Erasmo os de Hermínia, que sequer tem nome de poetisa e sim de alguma flor de canteiro - insultou.

   Como mediador tive que intervir para que a situação não piorasse tocando a sineta e pedindo parcimônia aos presentes, mas, fui aparteado pela madame Zabelinha que solicitou uma “questão de ordem” e defendeu Hermínia, a qual embora não conhecesse era mulher e “em mulher não se desmerece nem se afronta com a ponta de um leque, muito menos igualá-la a um canteiro de flores, até porque – elevou a voz: mulher é para viver de amor, ter vários cheiros e usá-los como tempero” – tenho dito. E que duelem sem versos sem atacar as mulheres, completou.

   A essa altura, os representantes na távola ficaram ouriçados e fui obrigado a permitir a realização da batalha de versos, que não fosse demorada e passei a palavra a Erasmo que assim declamou um trecho da obra de sua cunhada Hermínia: - Meu Raso tem licourizeiro onde cantam os curiós/ Os pássaros que aqui cantam, não gorjeiam como os de Tucano.

  Na resposta Dantas Ribeiro borrifou: - Isso é uma cópia mambembe da canção do exílio de Gonçalves Dias, versão clonada do grande poeta. Eu sou muito mais original. Eis: - Na Serra que amo tanto, o sol nasce nas colinas Dois Irmãos/ Montes sagrados da minha terrinha aurora de luz e encanto.

   Em tréplica Erasmo acudiu: - Isso, diria, é um verso sem pé nem cabeça rimando Serra com terrinha. A minha Hermínia, sim, tem saber puro e não imita quem quer que seja. Eis outra de suas pérolas: - Mulher é a mais linda e doce magia que Deus colocou na terra/ Mina sempre guerreira como a flor da mangabeira. 
   Ouviram-se alguns risos e acionei a sineta para acalmar os ânimos e Dantas Ribeiro evocou quase aos berros: - As mulheres guerreiras deste Sertão são garra, aço e sedução/ São modeladas com mel e pitadinhas e limão.

  - Bravo, gritou alguém e ouviram-se palmas calorosas. Toquei novamente a sineta e dei por encerrada a batalha dos versos estabelecendo que houve um empate entre ambos e recebi uma vaia, uns dizendo que o vencedor foi Dantas Ribeiro e as mulheres enaltecendo a poetisa Hermínia. 

   O assunto estava sepultado e passei a palavra ao próximo contista apresentando-se Damião Dão Dedal, representante do comércio, das lojas de tecidos, sapatos e chapéus, dos armarinhos de bolsas e linhas, das tendas dos mercados e afins, um senhor de estrutura baixa usando suspensórios, barba esfoliada com pele em oleosidade zero, nariz de papagaio e voz estridente como de uma gralha azul e assim começou sua fala:
   - Vou contar uma briga não peleja de versos como a que escutamos, versos pífios, enfadonhos; nem duelo de pistolas entre homens; e sim as brigas de galos que acontecem em nossa aldeia, estas sim, com sangue, esporões partidos, olhos perfurados, embates que duram às vezes uma hora, outras um quarto de hora, e assim como no boxe entre os humanos, na rinha temos galos campeões como “Herodes Canguru” e “Tibério Navalha”, os quais são capazes de derrotar adversários no primeiro round com bicadas irresistíveis, e diria, também,  meus senhores e minhas senhoras, que possuímos em nosso arrabalde os melhores treinadores, não vês esse Vicente Feola que treinou o São Paulo e foi campeão do mundo do futebol pelo Brasil, em 1958, o nosso Valmiro Pimentel, conhecido como Val dos Galos, nada fica a desejar diante Feola ou outro grande da bola, e o que vou narrar ninguém me contou nem são essas histórias fantasiosas que apareceram por aqui, ‘bruxa que voa no Regalo’, ‘menina que fala com bichos’, ‘serpente que engole uma cidade’ (protestos gritou Jana Pinharada) coisas que ninguém acredita, o que vou contar presenciei, vi, assisti, pois, sou desportista que frequento a rinha do Bar Itaúna há anos, e que arena temos para os nossos atletas, que acomodações, a área do embate com piso natural, de barro, mas de um solo liso que parece um cimento, sem desníveis para que ninguém seja prejudicado, para que nenhum treinador reclame que seus atletas A ou B escorregou num desnível por isso teria perdido o embate, que que forro na laterais onde os atletas podem encostar ou serem lançados sem provocar ferimentos, arena em altura certa e que permite aos treinadores terem acesso sem grande esforço, e toda uma infraestrutura com banheiros, prateleiras, gaiolas para colocar os atletas antes dos embates, área alternativa menor para aquecimento e tudo isso facilita a vida dos atletas e dos treinadores, e a plateia é acomodada em arquibancada de madeira reforçada, de qualidade, também madeiras aplainadas, lisas, alguns trechos com acolchoadas e para os empresários tutores desses atletas, frisas, camarotes com cadeiras, e um serviço de bar com uísque do primeiro mundo, champagne, caviar, faisão grelhados e demais acepipes.

   Um aparte senhor mediador, gritou Manoel Esão, representante dos Treze, o Mané Radiola, com voz mais alta do que a de Dão: - Ora, senhor mediador esse rosto de peroba faz criticas aos contistas que aqui falaram sobre a bruxa voadora, a serpente gulosa e menina que fala com os bichos, e eu acredito em tudo o que elas narraram, assim como no Nego D’Água porque já tomei um carreirão de um deles. Dou fé na mula sem cabeça de Sêo João Devoto, temo as almas penadas de várias espécies e vem o senhor peroba falar aqui que na rinha do Itaúna, que a gente chama também de Arena do Veloso, porque o proprietário é o senhor Edmundo Veloso, que por lá serve caviar e champagne francesa, pois, digo em sua fuça que é uma inverdade, pois, também sou frequentador do local e só vende cachaça, conhaque Castelo e cerveja, assim mesmo no bar arriba, e serve empadas e espetinhos de churrasco de boi.

   Dão aumentou a voz em uma oitava e repeliu Radiola dizendo que suas faces – passou a mão no rosto – são de homem com H e não de peroba e que fuça quem tem a porco, é tatu que sai fuçando o chão, e que: - Infelizmente esse beócio não sabe o que diz, o rude, não participou da luta do século que se passou na Rinha do Itaúna entre os atletas “Nero Bico de Aço” e um campeão que veio de Minas, o “Demolidor das Gerais”, eu pelo menos não lhe vi por lá, e diga-me de viva voz se compareceste a este embate transmitido pela Itatiaia e pela Sociedade, e o que vimos foi o tutor das Alterosas comparecer em linho branco dos pés a cabeça, chapéu Panamá dos mais nobres, gravata de croché, acompanhado de um séquito que rumou de Valadares de ônibus até nossa aldeia e trouxe consigo bebidas finas, duas garçonetes que se apresentaram a caráter usando meias arrastões e chapéus de pano, seios quase à mostra; e o empresário da nossa aldeia, exportador de fumo e cereais, o senhor Diamante Rico Quixabeira, mandou importar da Cidade da Bahia, pela “Chemin de Fer”, pelo trem da Leste, duas polacas do “Cabaret Tabaris”, polonesas natas da Cracóvia, cor de leite, altas como o nosso morro da Santa, e com elas vieram um barman que servia no Hotel Paris da Ladeira do São bento, acostumado a atender governadores no Teatro São João, e trouxe caviar, postas de ganso, faisão e foi um espetáculo merecedor de toda gala, com atletas bem treinados, luta que durou uma hora e 4 minutos sendo aclamado vencedor, por diferença de poucos pontos, o nosso “Nero Bico de Aço”, havendo, em seguida entregue o troféu a Diamante Rico acontecendo na arena da rinha uma confraternização que não ficou nada a dever aos salões de Paris.

   Solicitei ao senhor Dão que concluísse seu conto pois havia muitos pedidos de apartes que, estava negando com grande esforço, sobretudo a senhora Jana Pinharada que se sentiu desmerecida, uma vez que a menina que falava com os bichos existia de fato e direito.

   Volta a falar Damião Dão: - Bem, meus contendores, desejo concluir dizendo que “Nero Bico de Aço” três meses depois desse embate foi disputar a final do campeonato brasileiro em São Paulo sendo derrotado, injustamente, pelo juiz da porfia – o qual teria sido ‘dengado’ - contra um galo de Campinas, o “Zoilo Campinense”, o que significa dizer que neste Pindorama, a corrupção e o roubo se alastram não só nos campos de futebol, mas em outros setores da Pátria.

   Mora da história a deste conto: Se algum dia o Sertão vai virar mar e o mar vai virar Sertão, nossa aldeia tem o direito de ser Paris por um dia. Sonhar é direito divino.

* Logo após essa luta o presidente Jânio Quadros proibiu a briga de galos no país.
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