Cultura

O HOMEM VERDE DO GINÁSIO, 16: O POTE DE OURO DE SINHOZINHO DA VARGEM

Os homens pensaram que iriam ficar ricos, mas o demônio apagou o candeeiro e as velas e deu sumiço no pote
Tasso Franco ,  Salvador | 07/12/2023 às 09:07
Nem tudo que reluz é ouro/ Nem tudo que balança cai/ouro fácil é desgraça/ É coisa do satanás
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 PRÓLOGO:
 
     O conto narrado pela senhora América Feliciano sobre a serpente que ia engolir a Serrinha foi objeto de debates o primeiro argumento trazido à baila pelo doutor Tamboatá, o qual com seu saber jurídico, disse que desde o Egito antigo essas narrativas de serpentes são bem conhecidas, e por lá houve uma chamada Apófis que era conhecida como a senhora do caos, personificava a morte em contraste a Mat que significa a ordem e o direito, a lei.

     O reverendo Demôndaco também comentou sobre a serpente do Jardim do Éden que seduziu Eva a comer o fruto da “Árvore da Ciência do Bem e do Mal”. E assim obtemperou citando Gênesis 3:1: "A serpente é a mais astuta de todos os animais que o Senhor Deus tinha criado". Não há indicação no Livro do Gênesis que a serpente seja uma divindade, embora seja um dos dois únicos casos em que animais falem no Pentateuco (a mula de Balaão é o outro).

     Em Gênesis, alertou o pároco: “A serpente é retratada como uma criatura enganadora ou trapaceira, que promove como bom aquilo que Deus proibiu, e demonstra perspicácia ao fazê-lo” (Gênesis 3:4–5, 22). Já o Novo Testamento identifica a serpente do Gênesis como Satanás; “O Adversário, um membro da Corte dos Céus atuando em nome de Iavé para testar a fé de Jó"), de tal forma que Satanás/Serpente se torna parte de um plano satânico para afastar o ser humano de seu criador Iavé”, tenho dito.

     O padre também pincelou dados sobre “A Hidra de Lerna” que habitava um pântano junto ao lago de Lerna e tinha corpo de dragão e várias cabeças de serpente. Segundo a lenda as cabeças da Hidra podiam se regenerar; algumas versões dizem que, quando se cortava uma cabeça, cresciam duas em seu lugar. A Hidra era tão venenosa que matava os homens apenas com o seu hálito e os comia; se alguém chegasse perto dela enquanto ela estava dormindo, apenas de cheirar o seu rastro a pessoa já morria.

    Pediu a palavra Melinho e disse que, embora sendo homem da roça, sabia de cor e salteado quais eram as 7 cobras mais perigosas do mundo e assim descreveu: As as que são Patrício levou para fora da Irlanda; a do jardim do Éden; a medusa; a cobra branca chinesa a madame Branca que se apaixonou um monge budista; a Naga meio humana e meio cobra; a mexicana Quetzalcoatl conhecida como “Serpente Emplumada”, uma mistura de pássaros com um cascavel; e a Jörmungandr, a mais poderosa serpente marinha que o deus Thor matou com seu poderoso martelo e foi morto por ela.

   Vixe! adveio o sonso “Cara de Cotia” do bairro Abóboras: - Aqui na Serrinha temos uma mulher que é também chamada de Marieta Cobra Venenosa e uma outra chama Maria Boca de Cobra....

     Toquei a sineta com vigor e dei por encerrado esse debate, entendendo que já tinha se falado em todas as cobras do mundo e como o assunto poderia descambar para o pessoal, uma vez que começaram a falar de senhoras da nossa aldeia, abri a questão para quem fosse narrar o novo conto.

      Apresentou-se, assim, um homem vistoso, caboclo retinto, alto, forte, desses que o povo chama olhos d'água porque a gente não sabe quando olha para ele se o capiau está lacrimejando ou chorando, olhos cor de mel de abelha mandaçaia, troncudo, usando uma roupa caqui da cabeça aos pés como se podia notar, dizendo que se chamava Miguel Arcanjo Araçá, conhecido como Miguelão do Saco, por ter nascido no povoado do Saco do Correio, tido esse nome porque certa ocasião acharam um saco contendo cartas e o povo disse logo que era do Correios e assim pegou o nome povoado Saco do Correio, mas alguns chamavam de Saco do Correia, de um fazendeiro que por lá teve roça e se chamada Antônio Correia, e que ele, Miguelão do Saco, tinha a honra de falar representando os carpinas, marceneiros, telheiros, pedreiros e ferreiros, destacando que cada um deles era diferenciado do outro, tinha suas especialidades, porém, todos artífices, e ele mesmo era carpina e marceneiro, mas decidiu ao longo do tempo ser apenas telheiro, que era uma arte das mais difíceis, assim como um compadre seu chamado Neco que não fazia mais levante nem reboco e tinha se especializado em azulejos, cm assentar azulejos, e era conhecido como Neco do Azulejo, e foi falando de outros amigos, um marceneiro que só produzia cancelas, quando interrompi e disse que abreviasse a conversa narrasse seu conto.

     E assim adveio: - Ora, meu abnegado jornalista demorei de entrar no principal da história porque aqui na Serrinha tudo mundo é intrincado, encangado, e não dá para ser direto logo, porque nós somos uma grande família e eu estou nesse mundo desde o século passado e agora, nesse início dos anos 1960, estou vendo coisas difíceis de acreditar umas moças usando saias acima dos joelhos e deixando as coxas de fora, uns rapazes usando calças com boa de sino parecendo umas maricas, e digo-vos que ser telheiro não é pra qualquer um, saber desenhar e executar uma tesoura com lanternim, uma tesoura com tirantes e escora, e montar um telhado arqueado, um mansarda, executar um quatro águas sem goteiras e vazamentos, montar madeiras de lei em vão de dez metros sem cair é coisa de muita arte, e foi numa dessas minhas andanças pelo povoados, pelas roças e também na sede que ao armar um telhado piramidal na casa da Fazenda Vargem, do senhor Sinhozinho Mota, soube por um capataz chamado Martinho que lá pelos 20, quando seu Agenor Pedreira de Freitas era intendente, creio em 1921, se falava muito em nossa aldeia de um tesouro contendo muitas barras de ouro, colares, moedas, medalhões tudo de ouro que teria sido enterrado na Matinha e algumas expedições haviam sido feitas para tentar descobrir esse pote de ouro, também se falava que era um pote de ferro lacrado com um cadeado, e já tinha vindo gente do Ichú, da Bandarinha, do Tucano, de São José das Itapororocas, para tentar achar esse tesouro e certa ocasião um homem apelidado de “Gaúcho” que gostava de ficar na porta da matriz de Sant’Anna contando dinheiro com umas folhas de papel e fazia uns desenhos revelou para alguém que trabalhava na Ferragem, de Gonzaga, que sabia onde estava o tesouro e deu um mapa a ele e organizou-se uma expedição a fazenda Vargem, que também tinha uma mata fechada e pra lá foram e convenceram o dono da fazenda, Sêo Sinhozinho, a também ir em busca da riqueza que estava em suas terras, e este convocou e seguiu com Martinho, e mais o homem que trazia o mapa da mina, chamado Olavo, que conduzia uma pá; e outro chamado Zeferino portando uma picareta; e uma senhora chamada Adelina, apelidada de Lina, levando um candeeiro, caixa de fósforo e velas, e entraram na mata já chegando a boca da noite, e a recomendação de “Gaúcho” era essa que o serviço tinha que ser feito à noite, de preferência em lua minguante.

  Miguelão descansou a fala uns segundos e prosseguiu: E num local apontando no mapa próximo de uma baraúna começaram a cavar uma área de 2x2 metros quadrados e vocês sabem que na Serrinha, o dia tem um tempo e a noite tem outro tempo e fica frio, gelado igual a picolé, o vento sopra forte, mas os homens foram prevenidos com capas coloniais e sacos em mãos para trazer o ouro, e certa hora, creio que já era meia noite, deu uma lufada de vento que apagou as velas que Lina colocara protegidas por pedras, e ela acendeu-as de novo, e já era madrugada quando a picareta de Zeferino topou num aro de ferro e houve uma euforia geral, o pote do ouro estava à vista, e deu-se um esforço concentrado em desenterra o pote e os homens conseguiram abrir a tampa do ‘porrão’ ou baú, a essa altura pouco interessava o formato do tesouro, e quando abriram a tampa e o ouro brilhou nos olhos deles, deu-se um êxtase, uma alegria enorme, e foi nessa hora de entusiasmo daqueles novos ricos, que, ao mesmo tempo, soprou um vento de boreste de tal maneira violento, seguido de trovões e raios que os homens tiveram que se proteger embaixo da baraúna, deitados no chão e cobrindo as cabeças com os capuzes das coloniais, Lina esbaforida segurando o candeeiro apagado com as mãos e as velas sumidas e cobertas pela terra, porque o vento foi de tal força que a terra cobriu novamente o tesouro e foi um breu do cão na noite, ninguém enxergava nada, um palmo sequer à frente do nariz, e quando o tempo melhorou e os homens se levantaram, ainda assim alegres e esperançosos porque iriam ficar ricos, acenderam o candeeiro e foram ao local do tesouro e este havia sumido. Cavaram no mesmo buraco até o dia amanhecer e nada acharam. E assim termino meu conto dizendo aos senhores e senhoras que nem tudo que reluz é ouro/ Nourem tudo que balança cai/ Ouro fácil é desgraça/ É coisa do Satanás.