Bahia, novembro 13, 2023 - Luiz Mário Montenegro Nogueira - Prosa sobre show de Vinicus em Salvador dia 5 de setembro de 1970
Luiz Mário Nogueira , Salvador |
13/11/2023 às 10:20
5 de setembro de 1970, Vinicius de Moraes e Luiz Mário Nogueira
Foto: REP
No pino do dia a linguagem dum patuá deveras melodiosa zunia dentro de mim como o deus fora da trindade cristã, laxo, quase em ruína. Colori manto e sem espírito de trevas homiziei-me ao aceno: almoço no Solar do Unhão. Em volata, pressa e disparada, pus-me na direção do rumo.
Setembro 5, um sábado de 1970. Unidos, Vinicius de Moraes e Toquinho fariam a primeira apresentação no Teatro Castro Alves pós exílio de Chico Buarque em Roma, casa onde lhes fora dado o sim. A solavancos, pleno, maciço ruído com os pés, dei um tempo, ajustei-me e segui, estruvinhado, amplo de solicitude.
A Igreja não se vestia frente às águas do mar da Baía de Todos os Santos, o altar não zelava o pão. A voz estresida do som do sino não se abalava ao sibilo do vento.
Em voares de pés e pernas gatimanhos de capoeiragem e seus luzidios corpos lascivos em saracoteios e gozos. Ao mesmo tempo, os seixos na pequena praia e roliços pedregulhos, almas num missal dedicadas à consagração.
E ali puseram-se ao meu alcance em prega de tecido vincado e flor de papel, assistidos por Marília Medalha. Anunciei-me. Como músico que canta à meia voz arrastada mas canora, doce, recitei um seu poema de 1946, ROSÁRIO.
Tengo-tengo, a minha crença vã em dulçor amoleceu o poeta. Estatuída a amizade logo depois de um
meu cartão postal. Rolam tambores em batuques ritmados, fotografias, quesitos como bombada de foguetes e o meu alborgue em breves hastilhas de raras sobras.
Sem nada faltar, o sacrário onde está encerrada a hóstia enroupa o santo dos santos. Vinicius, no furo de surpresa e espanto, uniu-me ao Anjo rebelde, meio bruxo do inferno, travesso, quimerizado.
Fosfóricas ondas do mar em bateres carcomiam a masmorra do tribunal eclesiástico. Malsofrida, mãe-da-lua arranhava o chão em pedacinhos.
Agouro de tempos a tempos, minava das centenárias pedras o aroma aturquezado de velhos e açucarados rapés em sombras de aquarelista; trançados de rolos de fumo namoriscavam a música que andava em bailes e festas. Temperei costumes.
À noite, no teatro, abanquei-me, acaipirado, distante do palco. Desoras reinei-me nas marolas
de um mar banzeiro.
Na mente, Dirck e Disa, um ventre, dois corações.