Cultura

O ANDARILHO DA CIDADE DA BAHIA, CAP 28: AS BAIANAS E SUAS IDENTIDADES

As baianas típicas são símbolos da representação da Bahia e querem ser do Brasil
Tasso Franco ,  Salvador | 05/11/2023 às 10:39
Baianas no dia da Baiana Feliz, Memorial das Baianas, Sé, Salvador
Foto: BJÁ
 As baianas estilizadas com suas vestes coloridas são a essência, o símbolo da Bahia e elas têm uma identidade própria, porém, não única, e também não representem a identidade da massa populacional baiana (do estado) que é diversa. Mas, ainda assim, são a marca primordial da Bahia e, em sentido mais amplo, ao menos no mundo do turismo ocidental exterior, o símbolo mais representativo do Brasil, não oficial, é verdade; assim como são imagens de sambistas, de esculturas do Aleijadinho, cataratas de Iguaçu e a planta aquática vitória régia da Amazonia 

A propósito da personalidade a baiana, como tal, o indiano prêmio Nobel de Economia em 1988 – ferramenta para o bem social - Amartya Sen, em “Identidade e Violência”, conceitua que é “ilusório uma identidade única e sem alternativa” e uma pessoa pode ser ao mesmo tempo um cidadão asiático residente nos EUA ou Inglaterra, diletante em filosofia, escritor e vegetariano

Sim, observem, então, que a baiana tem sua identidade própria, mas pode ser gaúcha de origem como há uma no Lucaia, branca, pode também falar inglês e achar que não há vida após a morte, pode praticar a espiritualidade sem estar ligada efetivamente a um terreiro de candomblé - como a maioria delas - e pode ser homem

A pergunta é: você é baiana (o)? Sou - É a resposta. Mas esse sou tem uma identidade múltipla e não se enquadra obrigatoriamente como a identidade da baiana típica. Então, embora não seja questionável, o por que a baiana ser o símbolo da Bahia representativa de um universo geral - homens, mulheres, trans, cisgêneros, gays, lésbicas, fluidos e demais em gêneros, de sertanejas, barranqueiras, vaqueiras, piemontesas, chapadenses e outras - é algo a pensar e até contestar

Creio que isso advém da força cultural de Salvador que era chamada de Cidade da Bahia, a mãe, que é feminina cisgênera e se impôs como incontestável, mas isso é complexo de se entender, pois, também simbolicamente a baiana representa o Estado (e em tese o Brasil) que é masculino e, neste caso, passa a ser igualmente feminino e transgênero, assim creio que seja

A propósito, a representação carnal e simbólica da baiana se espelha nas baianas vendedores de acarajés e abarás vinculadas ao povo de santo e que são identificadas como as baianas típicas e essa área de trabalho tinha matrilinearidade em poder e responsabilidade familiar unicamente feminina, mas tem sido ocupada também por homens e gays chamados de “baianos do acarajé” e já são muitos, mas a simbologia (as baianas) segue com as mulheres inclusive com grande visibilidade nas escolas de samba do Rio e São Paulo

Uma pergunta polêmica: Por que as baianas não são destacadas na maior festa popular do planeta o Carnaval de Salvador?  Elas são as mais vistas e louvadas em centenas de lavagens de escadarias e adros de igrejas católicas, da basílica do Bonfim a Madalaine, em Paris, mas excluídas do nosso Momo. Não me recordo de algum bloco exclusivo de baianas em trajes típicos, salvo vistas em pequenas alas ou grupos em blocos afros e afoxés. Nos blocos de samba – imensos – imitamos o listado muito utilizado pelos antigos malandros e sambistas cariocas e o chapéu estilo Zé Carioca; e nos blocos de trios elas inexistem 

Lembro-vos que na antiga Cidade da Bahia quando a Rua Chile ainda se chamada Direita do Palácio e o Campo Grande de Outeiro, as baianas das ruas - a baiana pobre e preta - vendiam peixes, frutas, verduras, etc, em tabuleiros que carregam nas suas cabeças e usavam vestes brancas, torços brancos e xangrins igualmente brancos, colares alguns coloridos, e não vendiam acarajés e abarás porque ainda não existiam até que, a prática do candomblé se estabeleceu na Barroquinha, somente a partir de meados do século XIX, porém Salvador é do século XVI e as baianas já andavam pelas ruas do centro antigo desde final deste século e nos seguintes XVII e XVIII

Então, generaliza-se que a baiana símbolo da Bahia é a do acarajé, mas na real, não é. A Associação Nacional das Baianas do Acarajé (ABAM) ampliou essa designação incluindo, hoje, vendedoras de mingaus, aqueles que fazem receptivo e similares e isso lembra (só para efeito de exemplo) da criação do movimento LGBT isso depois da despsiquiatrização da homossexualidade pela American Psychiatric Association (APA) em 1973, quando se criaram os termos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, hoje com os queeres, os intersexuados, assexuados LGBTQIA+ e colocaram o + porque senão a sigla abrigaria todo o alfabeto uma vez que há fluídos e uma imensa galáxia como confere a psicanalista Elisabeth Roudinesco 

Ouçamos o que diz Rita Santos, presidente da ABAM, baiana de longo curso: - As baianas típicas são as dos tabuleiros do acarajé do mingau e mais as de receptivo e similares. Hoje, a Associação é Nacional com representações no Rio, São Paulo, Fortaleza e Teresina também abriga homens que, no caso são considerados similares por serem filhos de baianas tradicionais que não tiveram filhas e exercem a profissão de ‘baianos do acarajé’ e as muquequeiras de Saúbara que carregam tabuleiros nas cabeças e vendem comidas e abarás

Na concepção de Rita o leque é grande, mas a tradição deve ser respeitada com vínculos à cultura afro ancestral, a religiosidade do candomblé, e a feitura do acarajé não permitindo os modismos do acarajé rosa (inspirado no movimento Barbie), o pizzajé, o espetojé e outros daí que é preciso criar regras

Eu conheço muitas baianas e já tiver oportunidade de entrevistar algumas delas, as saudosas Dinha, Cira e Chica, e hoje aprecio prosar com Sônia, 80 anos de idade, ex auxiliar de enfermagem aposentada com ponto no Porto da Barra. Ela respeita as normas da ABAM e se sente poderosa e internacional na concepção da imagem consensual de que é um símbolo de apreciação mundial. Observa isso diante dos turistas e admite que sua identidade própria, é valiosa e primordial - o fato de ser baiana do acarajé e usar a indumentária típica do candomblé 

Pergunta ampla: A baiana é internacional? Em imagem, sim. Uma baiana pode requerer uma cidadania angolana e/ou europeia/portuguesa? Pode, desde que preencha os requisitos protocolares para isso. E agora, quem identidade teria? Uma dupla identidade – baiana e europeia ao mesmo tempo. 
Há algum tempo, descendentes de espanhóis, portugueses e italianos residentes na Bahia têm dupla identidade (nacionalidade) e são baianos (as) quando estão em Salvador e europeus quando estão na comunidade europeia, com acesso a dezenas de países. 

As baianas do acarajé não estão excluídas dessa possibilidade desde que tenham ancestralidade portuguesa angolana, portuguesa moçambicana, portuguesa cabo verdense, etc, e que requeiram esse direito e não há conflito algum nisso. Ademais, é observado que alguns afro baianos (com passaporte europeu ou brasileiro) se identificam e se comportam como soteropolitanos quando estão na Europa e africanos (em comportamento) quando estão em Salvador. Há algum mal nisso? Não. Eu pelo menos não vejo

O institucional sobre baiana típica em relação ao pertencimento Brasil é que, desde 2005, já tem a chancela de ser considerada patrimônio nacional. Agora, como deseja a ABAM que seja o símbolo único da representação nacional essa conquista é difícil de ser alcançada porque o Brasi é uma Federação com 27 estados e o DF e cada um deles tem a sua figura típica e, mesmo a Bahia sendo a mãe do Brasil, pelo menos em antiguidade, a ordenação política não deixaria.

Creio que a África também teria grande e insuperável dificuldade de ter uma representação simbólica única uma vez que, sendo um Continente - ainda que os negros sejam majoritários, aqueles vinculados a cultura ancestral achanti, nagô, iorubá, etc, - há, muitos negros cristãos e muçulmanos e árabes de várias matrizes em cor e religião