Cultura

O ANDARILHO DA CIDADE DA BAHIA,CAP 27: A ESCOLA DA RUA E O RACISMO

As ruas são dos pobres e suburbanos e, portanto, eles são imexíveis e se há um novo caminho a resolver esse problema que seja pela educação e não pela repressão
Tasso Franco , Salvador | 29/10/2023 às 08:47
A rua é ocupada pela população mais pobre em busca da sobrevivência
Foto: BJÁ
  Até hoje não consegui ser convencido de que a rua ensina salvo o saber popular intermediário da sobrevivência e nada mais além do que isso e na cidade da Bahia ouvimos muito a expressão de que a rua ensina, a rua é a escola da vida, a rua é do povo como o céu é do avião, que a rua tem psicologia própria, uma linguagem especial e isso representa a salvação de grande parte da população na ausência do estado, do poder educacional público, num amparo mais amplo e efetivo

  É, até pode ser, diante da extrema pobreza em que vive parcela significativa da população de Salvador, uma grande fração dos seus quase 3 milhões de habitantes, hoje, por conseguinte, submetida em alguns bairros ao jugo de facções criminosas armadas que dominam territórios e essas pessoas buscam às ruas os ganhos de sobrevivência no sustento de suas famílias e enfrentam essa dura realidade de, ao retornarem para suas residências, conviverem com pedágios e ordens de gangues que controlam o ir e vir nos bairros

  Isso, o fato de usarem as ruas do centro histórico e dos corredores humanos comerciais, no entanto, é pouco ou nada diante do que constatamos nas andanças pela cidade uma vez que essas ruas que chamo de produtivas são utilizadas pelos vendedores ambulantes, vulgos camelôs, os medidores de pressões, os amoladores de alicates, os mascates, baianas e baianos dos acarajés, abarás e cocadas, artesãos, policiais, mendigos, propagandistas de portas de lojas, artistas, agentes do trânsito e uma infinidade de biscateiros e pregadores da conquista da alma, os crentes e seus apelos religiosos

  Não há cientistas, médicos, operadores de IA, dentistas, advogados, contabilistas. radiologistas, pedagogos, professores, arquitetos, engenheiros, analistas de sistemas computacionais, dentistas, etc, porque estes só o ensino formal, a educação profissional ou a educação em nível superior é capaz de formar  

  Então, o que que a rua ensina? - Venha, aqui nesta loja, grita o locutor aos passantes na avenida, temos calças jeans importadas por apenas cinquenta reais; e um outro sinaliza que compra ouro numa placa banner que usa nas costas; um terceiro merca quentinhas de boa qualidade a dez reais; um quatro buzina em ouvidos que têm excelentes ofertas em capas de celulares; e um quinto no corredor da avenida Joana Angélica vende bananas as pencas por três reais
 
  Entro no convento de Nossa Senhora da Piedade para orações e deparo-me com senhoras pedintes no portal do templo, mãos estendidas, em frente à praça dos descamisados, dos que usam o local também para dormirem, e ouço os dizeres do frei no púlpito pregando a humildade e a compreensão, o amor em Cristo, e ademais observo que as fiéis presentes, a maioria, senhoras pobres que recebem as benções e amparos espirituais como uma lição de conforto e vejo onde estão as pessoas carentes de ganhos de capital e de afeto da cidade da Bahia

  Que outra cidade do mundo tem tanta gente vivendo e morando nas ruas como Salvador da Bahia? E quem são essas pessoas em sua maioria mestiços e negros da nossa comunidade? 

  A opressão aos descendentes dos escravizados pela colônia portuguesa parece não ter fim e são eles, os mestiços e os negros que usam as ruas para sobreviverem e um escritor de origem palestina Edward Said, autor do “Orientalismo”, publicado em inglês no distante ano de 1978, quando dos conflitos em Israel na “Guerra Dos Seis Dias”, 1967, dizia “que a separação entre os povos não é a solução para nenhum dos problemas que os dividem”, tese que também é defendida pelo argelino Jaques Derrida, psicólogo renomado autor de textos sobre o movimento pós-colonial e de-colonial e do termo desconstrução

  E o que tem a ver isso com a cidade da Bahia e seus povos? Tudo. Porque vemos isso nas ruas, uma separação a olhos vistos entre os mais ricos e os mais pobres e essa separação é nitidamente racial na medida em que os mais ricos e que vivem na cidade dos edifícios e das mansões são os brancos e os  que estão nas ruas e muitos outros que trabalham no eito são os mestiços e os negros, a maioria do povo da cidade

   O que fazer, então? Reparar, igualar, abrir janelas e oportunidades, como aliás, já vem sendo feito, e a ampliação da lei das cotas é o melhor exemplo, sem, contundo, atribuir ao homem branco no poder demandas que são dos séculos XVII e XVIII e Frantz Fanon, em 1952, ao escrever “Pele Negra; Máscaras Brancas” – comentado recentemente no BahiaJá por Rosa de Lima - já rejeitava esse tipo de abordagem exigindo uma luta igualitária pela educação e pela oportunidade de trabalho em  igualdade de condições, até porque, a escravidão, como dizia Aimé Césaire, é “irreparável”

  É preciso, pois, entender todo esse pensamento pré e pós coloniais no mundo ocidental e o que resultou dele na teoria e na prática para compreender a Cidade da Bahia e o que se passa no uso das ruas pela sobrevivência lembrando que neologismos estão em moda e os adeptos de políticas identitárias já criaram os termos pauperofóbicos e suburbofóbicos o que significa dizer que se mexerem como essas pessoas, como faziam os “rapas” de antão trata-se de uma ofensa e de uma discriminação inaceitáveis

   Ou seja, as ruas são dos pobres e suburbanos e, portanto, eles são imexíveis e se há um novo caminho a resolver esse problema que seja pela educação e não pela repressão