Cultura

CACOS DE VIDROS E A CONDIÇÃO HUMANA, por LUIZ MARIO NOGUEIRA

Bahia, setembro 20, 2023 - Luiz Mário Montenegro Nogueira
Luiz Mario Nogueira ,  Salvador | 12/10/2023 às 09:51
O homem e os cacos da vida
Foto: BJÁ
    Esparramavam-se entre os cacos de vidro multicoloridos sobre os muros meio aos primeiros e leves rebocos, desvestidos calangos em lérias e íntimas exibições, chispas e sinais de ajuste de contas e folgança. 
 
   Em cada cabeça, uma mola em movimentos a sangue-frio, ora encapotando-se, ora despapando-se. Birrentos e espantadiços, embora as lâminas de vidro sob seus pés não inibissem o deslizar de um para outro lado, quando em fuga seguiam a luz do sol. 

   Todo vidro parecia um cálice de aguardente em verniz de vidrar.
 
   De lés a lés em qualquer muro, as figuras em remédio de meia-lua e luminâncias nas vistas traziam tochas de clarões e sinais de que alguma coisa poderia ser ajustada. 

    À roda enviesada, ferir as mãos e os pés não imitava gracejo malicioso, mas um pano de orvalho ensopado antes do relento da noite. 

   Juntava-me a esfarrapados maltrapilhos sem perder a coragem ao estrear uma roupa como quem pinta um arvoredo na paisagem de um cenário de amplo espaço. Ali, o lado de fora nos era permissível. 

    Sobre os meus pés, noutro ângulo, uma dobra de fio de seda, cortiço de abelhas bonançosas, cortinas de lodo, pedacinhos de coisa partida que se vinga, que tira desforra em agravo extremo, voz de cães, selo de última mão.

   Serenar-me em abandejares de nuvens ou por entre os dentes, o murmúrio entrincheirado de ninhos de passarinhos fora das mãos, fanfarrice de confeito.

   Aprendi, naquele lugar, decantar os minguados seminus, aliando-se-me à cor de todos os céus em paládio e salvaguarda, celipotentes. Sobredourava, pois, o pinote de acrobata sem cipós e amarras. 

   Arregalados olhos, o abismo não me convizinhava sem alumiares.

     À distância, mangas, goiabas, sapotis, groselhas, carambolas esbraseavam, incandeciam, e o ruído de cada fruto desunia aborreceres. 

   O limo, desde baixo, cobria a luminosidade dos muros. A batina do padre, capa-saia, nos enchia de receios, remoto futuro. Mais vil, o último e pior solene feixe de luz brindava cacos de vidro e tal nsulto, uma visagem.