Luiz Mário Montenegro Nogueira é serrinhense filho de Renato Nogueira e Dirck
Luiz Mário Nogueira , Salvador |
04/10/2023 às 10:13
Carro de bois em frente ao casarão da familia Franco, década de 1950
Foto: DIV
Sorte futura, espaço que a minha vista perdia-se na linha de formato circular, estilo de caminho estreito e áspero em aparente canto de miserere até que a terra se una ao céu.
Dali, meio mortos entre a frouxidão e o vigor, à flor de poças d'água e poeira, vez por outra em comboio, despontavam do alto do Cruzeiro puxados por parelhas de bois, cada carro em cangas e trastes velhos.
Em forma de cogumelos em palha muito fina e abas grandes, os carreiros não se deitavam de cabeça para baixo. A terra seca pulverizada não lhes impedia o estalo de vozes assobiando a sinfonia de rodas em murmúrios prolongados.
Encantava-me o bem timbrado estridente, altissonante e triste, mas suave. Cinto de couro e fivelas, garbosos, por trás dos véus do tempo, à mão, o ferrão de ponta aguda marcava, sem desfazer as laçadas, o compasso de cada animal no fogo e faíscas à época de trovoadas.
Dar lustre à redondada, a composição aboiava, com ou sem razão, o chiar desiluso afortunado e bom saber nas cores do rosto, alumiares musicais de esperança e felicidade duma vida quase eterna. Contempo, todo homem me parecia precocemente velho.
Dentro de cada alforge, segredos de sal e açúcar. O açoite de metal limado embaçava o meu olhar e aos poucos, como frutos secos, apiedava-me ante à tábua que servia de suplício na tristeza dos animais. Eram choros de solidão. Imaginava-os atravessando a cidade em bênçãos e rogos, medês a parte mais elevada de Serrinha em pleno de avivares.
Na dádiva de compensação, o lusco-fusco ampliava peixes na lua e São Jorge escondia-se em jazida mansidão. De volta à casa, retrato de jubilosa festança. Recamados de estrelas, almo e corpo unidos, solar lírico ao abrir dos olhos à luz da vida em terneza e zelo. Licena e Marcos Nogueira, essa crônica é para vocês.