Como mediador quero apenas acrescentar alguns dados complementares à fala de Marcolino informando como este feito foi registro no Guiness Book, em Londres, graças a súmula da partida que foi assinada pelo trio de arbitragem, fotos anexas do evento registradas por Wilson fotógrafo com vários lances e gols, assinaturas dos jogadores e testemunhas tudo devidamente com as firmas reconhecidas pelo cartório das Hortélios, sito na praça Luís Nogueira, o que garantiu a validação do feito e seu reconhecimento, recorde até hoje não quebrado por outras equipes.
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Aberta a palavra para novo orador apresentou-se a representante do distrito do Lamarão uma elegante senhora da família Freitas, de tradição no local, a qual se nominou como sendo Isabel Freitas Franco, nascida na Fazenda Limão, professora formada em Alagoinhas com estudos preliminares em Água Fria, graduada em letras pela Universidade da Bahia, segundo suas palavras: - Sou também conhecida como professora Zabelinha e represento a nossa comunidade de Santo Antônio do Lamarão que, os senhores e senhoras sabem, luta para se tornar município emancipando-se desta Serrinha, que muito admiramos, porém, precisamos de nossa autonomia para crescer, se desenvolver, ter a nossa Prefeitura, nosso Conselho e Câmara, nosso poder judiciário, nosso vigário ainda que gostamos demais do padre Demôndaco, mas ele não é como nosso santo Antônio que tem o poder da bilocação, e quero vos dizer que falarei aqui, meu conto será sobre a detenção deste glorioso santo, e vos comento que sou uma estudiosa desse insigne lisboeta e já estive em Lisboa e Pádua nos locais em que ele peregrinou, visitei a casa onde ele nasceu e orei de pés juntos, andei pelos caminhos da Itália até Pádua e escrevi dois livros, o primeiro intitulado "O tenente coronel Santo Antônio da Bahia", ele que foi militar por determinação do imperador João VI; e "Santo Antônio milagreiro do Lamarão" narrando seus milagres em nossa terra; e por posto, estudei italiano para entender mais sobre a trajetória do distinto religioso, orei também na basílica de São Pedro, em Roma, sendo, portanto, uma pessoa culta - desculpem a imodéstia - doutora em letras, católica, viúva e espero aqui não ser calamocada por olhares maldosos nem interrompida por algum solerte crítico deixando que conclua meu pensamento, meu magnífico conto, em paz e ordem, e que os debates sejam posteriores e minha oração.
E, assim, a distinta senhora, usando um vestido branco com bolas negras bem ajustado ao seu corpo, o que mostrava a relevância do porte do seu colo, esbelto, bem talhado, a cintura fina de pilão admirável, derrière aparentemente apetitoso ao olhar, usando um broche expondo uma borboleta amarela pouco acima do seio esquerdo, colar de pérolas vermelhas a embelezar o pescoço, o que dava um contraste fabuloso com a veste, cabelos curtos penteados como topetes dos homens, olhos negros vivazes, boca perfeita e bem desenhada com batom igualmente vermelho ao colar, enfim, uma lady a ser respeitada com todo carinho.
Começou, então, a senhora Zabelinha a narrar seu conto:
- Sabem vossências (nossa, iniciou mostrando ser boa em linguagem) que essas terras que estamos a pisar (bateu os pés no chão) neste café que, vos manifesto, sem sombra de dúvida e com o coração aberto de forma jocunda, que a partir deste debate, deste memorável encontro, deverá ser chamado de "Café Literário da Serra", sem desmerecer o nome original da favônia Agripina, pessoa admirável a que todos amamos e gostamos (soaram palmas), essas terras e as demais até o Itapicuru Mirim e acima dele pertenceram aos Guedes de Brito, as daqui adquiridas por Bernardo da Silva, em 1723, da viúva Joanna Guedes de Brito, fundador de nossa aldeia, e as da Cuya de Nossa Senhora da Conceição, hoje, conhecida como Coité; as dos bois valentes, o Valente; do agave de Santo Domingos, São Domingos; de Santa Luzia, aquela que nos dá a luz, cura os males dos olhos e recebeu o nome de Santaluz e as da Vila de Santo Antônio das Queimadas, hoje, Queimadas, todas elas eram dessa portentosa família a Casa da Ponte, amigo do rei de Portugal e dos primeiros colonizadores que se instalaram na capital e ganharam tudo isso no traço, na régua, numa linha reta porque não se conheciam as técnicas cartográficas, e dizia-se, esse pedaço aqui é do fidalgo tal; esse pedaço acolá do fidalgo qual, no mapa, um traçado pequeno, mas quando se ia andar pelas terras, imaginem, um mundo enorme que nem eles mesmo sabiam e conheciam de perto, só os desbravadores dos sertões é que entendiam essa dimensão, daí que tem até uma quadrinha popular que diz: a serrinha não serra pau grosso/o cuyté não dá salamin/ o raso não tem fundura/ queimadas não nasce capim; e o que diz esse verso, decodificando os termos é que a serrinha é a nossa portentosa Serrinha; cuyté, a cuia, a querida Coité; o raso, assim que este distrito conseguir sua emancipação o povo de lá já colocou o nome de Araci; e as queimadas, do fogo e das águas do Itapicuru, a valorosa Queimadas; e foram nessa última localidade que dona Maria Isabel Guedes de Brito a herdeira das terras da fazenda "As Queimadas" e que era devota ardorosa de Santo Antônio desde que uma imagem deste santo apareceu embaixo de uma quixabeira na sua fazenda ela determinou que a imagem fosse levada para ser colocada num nicho que havia em sua residência, o que foi feito com zelo e cuidados especiais, ato que ocorreu com muita fé, orações, louvores, seguido de um drink de licor de cajá e um foguetório agradecendo a Deus tal honra, mas, milagrosamente, nesta mesma madrugada, a senhora levantou-se para urinar e aproveitou para olhar a imagem e se benzer, e o santo havia desaparecido, e ela não dormiu o restante da madrugada e assim que o dia raiou, no tirar do leite das vacas, ela aflita com o sumiço da imagem, o vaqueiro disse para ela não chorasse pois a imagem de Antônio estava embaixo da quixabeira e ela correu e se dirigiu para a quixabeira e lá estava Antônio, sereno, como se olhasse o Itapicuru admirado com o correr das águas, e a madame o recolheu novamente e levou-o para o seu nicho com todo cuidado, abraçada à imagem, e não demorou nem 24 horas o santo voltou para a quixabeira e ficou nesse vai e vem, quando os missionários capuchinhos que andavam por essa região ao saberem dessa narrativa aconselharam que fosse erguida uma capela no local onde o santo aparecera pela primeira vez, na sombra da quixabeira, e assim foi feito pela Guedes de Brito, uma enorme capela que se tornou objeto de peregrinações, como em Pádua no século XIII, e o povo desta região que é muito sofrido frequentava o local e pagava promessas, o santo, obviamente, retribuindo-os, e daí se formou um povoado à margem direita do rio e virou pouso de tropeiros que avançavam pelos sertões, e assim cresceu e nasceu a vila de Santo Antônio de Queimadas, hoje, Queimadas, e um certo ano, já nos primeiros 20 do século 20, um homem que nunca foi preso, um homem que certamente foi tentado pelo labaredas de fogo, pelo o chifrudo, saiu da linha da decência e abraçou o mal, e matou um outro homem, ninguém sabe exatamente por que motivo, certamente fútil, uma pessoa endemoniada mata outro por uma barra de sabão, por uma discussão de jogo de dominó, e o que foi mais grave, o corpo do morto foi colocado no adro do templo de Santo Antônio, e segundo o historiador Nonato Marques, poeta da Baixinha, homem culto e respeitado, autor de livros, historiador com assento no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, como santo Antônio se achava na posse de todas as terras herdadas da senhora Guedes de Brito, o gado, as plantações, os bodes e cabras, e tudo isso que era administrado pela Freguesia de Santana de Tucano, a cuja jurisdição eclesiástica a capela de Santo Antônio das Queimadas estava subordinada, por força da lei colonial, o santo europeu de Lisboa e Pádua, sem nunca ter pisado os pés no Brasil foi responsabilizado pelo crime cometido. ao que se propagou por um escravo fugidio.
A senhora Zabelinha bebeu goles de água, sentou-se um pouco para descanar aa pernas, levantou-se novamente, passou a mão no cabelo ajeitando uma pequena mecha que descera até as proximidades da sobrancelha e prosseguiu: - Senti que alguns incréus aqui ficaram admirados com essa narrativa, que o santo fosse herdeiro de terras e gado, mas isso era comum na época da Colônia e dona Josefa Maria do Sacramento, esposa de Bernardo da Silva, quando do seu falecimento, porque ela morreu anos depois de Bernardo, os quais estão sepultados no chão da nossa matriz, doou a capela e as terras adjacentes - o Tanque da Nação e toda essa área onde o Dr João Barbosa construiu o Mercado Municipal - a Senhora Sant'Anna e vos esclareço um caso que aconteceu comigo, nem queria falar nisso mas sou obrigada a fazê-lo para os senhores e senhoras entenderem melhor sobre a prisão de Santo Antônio, porque nessas terras vieram habitar descendentes de portugueses, holandeses e de africanos de todos os lugares, de Portugal, da Holanda, do Benin, de Angola, e veio gente boa e gente ruim, de letrado a degredado; de cristão novo a aventureiro em busca da roda da fortuna e onde tem gente o azucrim, o canhestro, o senhor da escuridão aparece para atormentar mentes, praticar maldades, e eu mesmo, cuja família descende de produtores de vinho de Braga, no nosso querido Portugal dos meus bisavós, meus avós pararam no Irará para vieram para o Brasil e depois meus pais se estabeleceram no Lamarão, onde nasci, e conheci nesta Serrinha um galego que se dizia descendente de holandeses da turma do Nassau, de Pernambuco, e eu nunca consegui provar que ele era da corte de Amsterdam, sei que tinha uma porção da gasos na Barrocas, e me apaixonei por ele, ele era lindo demais, cabelos louros como os de espiga de milho novas, um homem de porte, pomposo, de poses, e contraímos núpcias e fomos viver na paz do senhor no nosso querido Lamarão, até que, já muitos anos com ele, filhos criados, o gênio do mal colocou alguma coisa na cabeça dele e primeiro enamorou-se do taco do bilhar e depois da cachaça, isso numa baiuca de ponta de rua de nossa vila, e deu pra se amaziar com a mulher dona do bilhar, uma sarigaita atrevida, uma jurupari sedutora, e quando eu descobri que não era só o taco do bilhar que o entusiasmava naquela birosca, naquele templo do mal, já era tarde, o meu gazo afinou, amoleceu, ao que dizem contraiu um constipício rajado, trouxe-o para Dr Negreiros, mas ele veio a óbito; e narro isso para vocês verem que nas Queimadas este homem que cometeu crime foi tentando pelo barzadu, pelo beiçudo e o que aconteceu é que a imagem do santo foi amarrada no lombo de uma mula para ser julgada na Comarca Jurídica de Água Fria e se vocês não sabem eu conto o que aconteceu em Tolosa, na Itália, quando Antônio – o verdadeiro - teve uma discussão com um herege chamado Bonvillo, e este o desafiou: "Prove-me por um milagre público de que Jesus Cristo está mesmo presente na eucaristia" e aquele maldito completou dizendo: "Creio em Deus, creio em tudo que você diz, exceto na eucaristia". - Você é mais teimoso do que um cavalo, respondeu Antônio a Bonvillo, o qual ironizou o franciscano: "Meu cavalo é mais inteligente do que você, padre. Um cavalo distingue o pão da carne". Antônio então retrucou: - Se sua mulher reconhecer Cristo na eucaristia então você creia". "Sim" - disse Bonvillo acrescentando que levaria toda família à igreja. Desafio aceito, Bonvillo deixou o animal três dias sem comer e numa quinta-feira santa conduziu a mula para uma praça lotada de gente, a mula faminta com seu dono portanto em mãos feno e aveia, alimentos preferidos do animal; e do outro lado estava o frei que levava consigo a hóstia consagrada e o ostensório com o cordeiro que apagava os pecados do mundo e ficaram os dois frente à frente com a mulher no centro da praça, no meio de ambos, e o frei assim falou: "Em nome do teu criador peço-lhe que preste-lhes a reverência que lhes deve" e no mesmo momento o dono do animal deu-lhe aveia e feno, mas, este se afastou dos alimentos e postou-se no solo de joelhos, com as patas da frente dobradas e ficou diante do frade, enquanto o povo na praça exultava de alegria; este registrado como o milagre da mula, daí que todas as mulas do mundo são amigas de Antônio e a que conduziu sua imagem até Água Fria amarrada em seu lombo pano de damasco forrado com uma camada de tecido lanoso para que não a estragasse, isso fazendo com todo cuidado, andando o longo percurso em três dias acompanhada por dois guardiães da capela de Queimadas, os freis Anatólio e Vinicius, e uma guarda de meganhas armados do Corpo da Policia, e assim o cortejo chegou a Água Fria, o povo concentrado na praça a recebê-lo louvando a imagem do santo e os frades e apupando "os poliças" sendo o julgamento feito de imediato, dada a repercussão do fato, e a imagem do santo foi colocada no banco dos réus protegidas pelos dois frades já citados, havendo toda a tertúlia de um júri, com as testemunhas, promotores, advogados, jurados e juiz sendo o santo condenado e seus bens levados a hasta pública no correr do martelo da lei, tendo sido arrematante um ascendente do coronel Francisco de Paula Araújo Brito, de Inhambupe, homem de posses, sendo o glorioso santo - segundo narrativa a do poeta Nonato Marques - destituído de tudo o que possuía em terras no município de Queimadas.
Desta maneira o santo não pode ser preso uma vez que o processo iria se arrastar na Justiça por longos e intermináveis anos e novo caso se deu porque o coronel da guarda nacional Vicente Ferreira da Silva se negou a pagar os foros cobrados de terras que usava nas Queimadas, outrora de Santo Antônio por herança da Guedes de Brito e já pertencente pelo coronel Francisco de Paula Araújo Brito, sob a alegação de que, se devia alguma coisa era ao santo e não a ele, e Araújo Brito entendeu que Ferreira da Silva debochava dele e levou o caso às barras da Justiça, funcionando como advogado de Ferreira a favor da causa do santo, Raul Alves, e pela família do proponente da causa, o advogado Ponciano de Oliveira, sendo que a Justiça deu ganho de causa ao proponente e arrematante das terras tendo o santo perdido mais uma causa e Vicente tendo que pagar os foros e as custas do processo.
E o que se diz de tudo isso é que a localidade de Água Fria pagou um preço muito alto por ter sediado esse júri e perdeu os foros da Comarca para Irará e depois para Serrinha onde a Justiça instalou sua Comarca e o processo original, a papelada carimbadas e assinada, as pastas e arquivos em fotos foram trazidos para Serrinha, mas, como aqui é uma terra santa protegida por Sant'Anna os documentos sumiram e ninguém sabe; ninguém viu; Água Fria entrou em decadência, Queimadas sofreu enchentes terríveis do rio Itapicuru, nos anos de 1910 e 1911, perdeu seu belíssimo nome de Vila Bela Vista de Santo Antônio das Queimadas a capela passou a condição de matriz em 1842, desmembrada da Freguesia de Sant'Anna do Tucano, subordinada a diocese de Bonfim, e quando de sua emancipação política recebeu o nome oficial de Queimadas, excluindo o nome do santo, porém, até hoje, o povo canta e louva o glorioso Santo Antônio naquela altaneira cidade com trezena anual que começa a 31 de maio e vai até 13 de junho, data em que o glorioso faleceu, em Pádua no ano de 1231. E a Serrinha, que deu sumiço no processo foi abençoada e nada sofreu. Pelo contrário, cresceu e prosperou, e nós, do distrito do Lamarão, o adotamos como nosso padroeiro.
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E assim se encerrou o conto da senhora Zabelinha a qual foi aplaudida sonoramente enquanto o garçom Xêroso servia uma rodada de limonadas produzida com limões galegos cultivados no distrito da Manga adoçados com açúcar Pérola. Seguiu-se uma rápida tertúlia iniciando-se com o juiz doutor Tamboatá afirmando que, de fato, tratam-se de processos muito antigos e que caíram em desuso com o advento da República Velha e ele mesmo já ouvira falar nessa história sobre a prisão de Santo Antônio, acreditava piamente nela, inclusive no júri e hasta pública, mas que fazia parte da história, "como dito, a nossa aldeia não tem um instituto de arquivos históricos nem museu.
Em seguida, o pároco Demôndaco Ulisses quis saber do paradeiro da imagem do santo após o julgamento em Água Fria e a senhora Zabelinha retomou a palavra e disse que: "Esse é um grande mistério que até hoje ninguém sabe ao certo, comenta-se que os freis Anatólio e Vinicius voltaram para Queimadas de trem levando a imagem do santo, a mula que conduzira o santo teria morrido de desgosto no trajeto de volta, ao que se diz porque não conduziu a imagem do santo no retorno à Qujeimadas, e a guarda da Polícia seguiu de Água Fria para Queimadas na máquina de ferro.