Fato que aconteceu na Fazenda Barro, de propriedade de João Danado, contado por seu neto no Boteco do Teco
Tasso Franco , Salvador |
21/09/2023 às 09:49
Escureceu e o jogo continuou com vários gols
Foto: REP
Prólogo:
Diria que foi emocionante este conto do vigário – desculpem o trocadilho – pois não se trata dessa gíria política que existe no meio jornalístico e notei que, abstraindo-se as críticas maldosas do canhoto, se não aconteceram aplausos ao homem de Deus, ao menos ouvi palmas discretas do Dr. Tamboatá, o qual explicou aos presentes que a lenda do rasga-mortalha se espalhou pelo Nordeste porque uma carpideira - choradeira de defuntos - era filha de um feiticeiro chamado Eliel e se chamava Suindara também apelidada de coruja branca, por sua beleza, e namorava Ricardo, filho de uma condessa chamada Ruth que não consentia o namoro e mandou matá-la. O pai de Suindara descobriu o motivo do crime e fez um poderoso ritual onde um espírito jovem entrou na estátua de uma coruja que havia no túmulo dela e ganhou vida, voou e foi até a sacada da janela do quarto de Ruth, onde ela dormia, piou a noite toda, e quando amanheceu o dia Ruth estava morta e com asa roupas rasgadas.
Gostaram? Franqueei então a palavra e levantou-se, rapidamente, o representante das comunidades da Barrocas, Barro e Cajueiro, que salvo engano se chama Marcolino Abacate, o que pedi “por gentileza” que se apresentasse.
Assim, se introduziu, já em pé: - Solicitei a palavra depois do ilustre pároco porque sendo gente do povo, da roça, da enxada e do arado como a gente mesmo fala, pessoa de poucas letras porque só completei o primário na minha querida Barrocas e quando abriu o ginásio da Serrinha eu já estava passado, casado com minha senhora Marieta com quem tenho meia dúzia de filhos, e sou nascido e registrado como Marcolino Pereira dos Santos, mas, o povo é sabido, o povo é ladino, e colocou no meu sobrenome a palavra abacate porque eu tenho uma rocinha dessa bendita planta e vendo os frutos na nossa feira livre e encaixoto outros tantos que despacho no trem para a capital da Bahia e vivo, em parte, dessa cultura, tendo também umas vaquinhas, uns mamotes, uns carneiros e umas ovelhas, e também sou rezador com a graça de Deus; e a Marieta me ajuda me dá um bom adjutório porque trabalha como dona de casa, roceira e parteira.
Intervi: - O senhor é, portanto, um produtor rural e protetor de almas com suas rezas, o que é muito importante – elogiei – e vossa senhora uma pessoa dedicada a trazer novas almas a terra.
Marcolino era baixote, o que chamamos de atarracado, cabelo à escovinha, mãos enormes calosas, uma costeleta que descia até metade do rosto, nariz largo, olhos negros bem vivos e fala de besouro com um tom rouco, mas firme, audível, compreensível.
- Ora, meu distinto mediador, sou um roceiro, um homem do campo, um nativo dessas terras que conhece o que é seca e os sofrimentos do povo, que tem sua rocinha de dez tarefas de milho e feijão, plantadas no dia de São José, na invernada de março, pra dar de comer aos seus, aos de casa e nada mais do que isso, e que carrega com muito orgulho a honra e a honestidade nestas costas largas (bateu nos ombros com as mão) que ninguém monta, ninguém destrata, e aqui evoco o testemunho de doutor Tamboatá, o qual pode confirmar se, por caso, alguém vez na vida, há algum processo na magnifica Justiça contra mim.
Marcolino deu uma pausa esperando que o douto juiz desse uma palavrinha atestando o que falará e como este não usou do verbo, porém, meneou com a cabeça como fazem os calangos, de cima para baixo; e vice-versa, Marcolino se deu por satisfeito e todos viram a gentileza do gesto de sua excelência, e o roceiro seguiu sua prosa dizendo que iria falar de um tema ameno, agradável e querido do povo que era o futebol, a narrativa da peleja entre a seleção da Serrinha versus a seleção da Barrocas no campo do Barro.
E assim começou a narrar o conto do jogo que terminou com placar elástico, pugna histórica a figurar no livro inglês dos recordes:
- Era um domingo de sol tinindo e o proprietário deste campo esportivo, o senhor João Danado, personalidade por demais conhecida em nossa comunidade, pois, pai do mais competente mestre-de-obras do município, o mago da construção, Emílio Danado, responsável por grandes obras na nossa aldeia, visto que igual a ele só há o senhor Toinho da Bela Vista, igualmente sábio na arte de armar um pé-de-galinha em ferro, do largo e engenhoso, vendido pelo respeitável Antônio Nunes e importado da Belgo, que depois de adicionado o concreto e a brita sustentam uma torre de Babel, pois, esses mestres sabem de cor e salteado o que é um traço resistente, quando de cimento se junta ao quanto de brita se é para concretar uma base; e o quanto de cimento e areia cabem num traço de levante, num traço de reboco, sem desperdício, tudo calculado e decorado na cabeça, e a prova disso está no alicerce da igreja nova que, dizem, assim que estiver pronta, a torre do sino ficará na altura da catedral da Sé, sede da nossa Província, sita na capital da Bahia.
Por conseguinte, desculpem essa expressão decorada que vos falo, essa beleza de introdução num parágrafo, e eu mesmo que só tenho as letras do primário jamais saberia o que significa conseguinte, mas, agora sei, por adjutório de uma das minhas filhas que colou grau na primeira turma da Escola Normal, esclareço, pois, que o senhor João Danado foi o responsável por organizar o jogo e convidar as seleções, isso de forma adrede (essa foi outra palavra que aprendi com minha princesinha), sendo que, no combinado da Serrinha tinha nomes de porte desse esporte, o goleiro Coqueiro, o zagueiro Gago, o meia Rominho, o lateral Carrancudo, o avante Brizolara, só para citar alguns nomes de escol (obrigado filha) combinado que se apresentou tendo como técnico, o ardiloso Camacho, o Boca do Mundo; e de nossa parte, dos selecionados a dedo na Barrocas, o raçudo defensor Pedro Magarefe, o elétrico ponteiro Sindé, o maestro do meio do campo Paulo Teiú, o goleiro Delho - popularmente conhecido por Diú -, o cabeceador Alfredo entre outros, equipe sob a batuta do treinador Lito, sendo que Sêo João, homem precavido, este, sim, fazendeiro, contratou os serviços do farmacêutico Biêta para eventuais socorros aos atletas, o qual se apresentou com uma imensa sacola onde havia gases, esparadrapos, barras de gesso, ataduras, pomadas, frascos com éter, mercúrio cromo e outros, e este senhor, que também prevenido era solicitou ao Sêo João Danado que providenciasse umas tiras de madeira, aplainadas, e que poderiam (ou não) serem usadas no caso de alguém quebrar o braço ou uma perna, e também foi alugada a camionete Chevrolet do Liovaldo que tinha uma carroceria larga cujo lastro foi forrado com colchões que serviria como ambulância uma vez que, em nossa aldeia só havia uma ambulância doada pelos gringos depois da Grande Guerra e era muito solicitada ao alcaide e, a toda semana, levava doentes para a capital e, desculpem eu falar isso, trazia alguns doentes que tinham ido, já como defuntos, de volta, para serem sepultados no cemitério da paróquia, e como Danado gostava de uma festa contratou a banda de pífaros de Bilia para animar a chegada das autoridades esportivas e políticas, fazendeiros amigos, as madrinhas das seleções, o trio da arbitragem, diga-se, constituído pelo promotor Hamilton, um homem com quase dois metros de altura, juiz central, e pelos bandeirinhas Edgard, que mancava de uma perna, mas ainda assim era ágil como um lebre; e Flodoardo, o qual embora míope, não falhava no aceno da bandeira nos jogadores em banheira, em faltas que fossem cometidas contra os goleiros, os quais já chegaram na casa do Fazendeiro que era anexa ao campo com bom terreiro para samba e fogueiras juninas e um alpendre que rodeava a casa coberto com telhas marrons de primeira qualidade e digo-vos, adiante do campo de Barro, menos de uma légua havia um barreiro considerado o melhor da região onde Danado construiu um imenso galpão e instalou uma cerâmica, uma mina de ouro, pois daí saiam caminhões de telhas e tijolos para construção civil, um tijolinho refinado, uma beleza, para servir de estrutura para churrasqueiras, decoração de casas, e tudo o que dizia a este nobre senhor tinha a palavra barro a espelhar - Fazenda do Barro, Cerâmica do Barro, Capela do Barro, Campo do Barro, Estrada do Barro - as celas dos cavalos tinham a marca B estilizada; o gado era todo marcado com um Jota e um B; os caminhões e caminhonetes da cerâmica e da fazenda traziam um B desenhado à capricho, arte do pintor Maninho, e o alpendre e o terreiro estavam embandeiradas com cores misturadas e que representavam as dos uniformes das seleções, a da Serrinha, num verde limão vistoso e amarelo cobra coral fortíssimo o recamo do escudo com fios de seda onde se via a planta do sisal e os chifres de um touro; e da Barrocas, vermelho grená e azul celeste com escudo destacando uma máquina de um trem Maria fumaça e folha de fumo; e essa mesma decoração se via ao redor do campo, mas só nas laterais, nada atrás dos goleiros para não perturbarem os guardas-valas, os lugares demarcados onde ficariam as torcidas com riscas de cal no solo para que ninguém ultrapasse do marcado, e serviu-se a esses convidados especiais uma bebida que nunca tinha tomado na minha vida, ponche de frutas, apregoava o distinto anfitrião (essa foi outra santa palavra que aprendi com minha filha, o termo anfitrião) que se tratava de uma bebida inglesa assim como era a origem do futebol, ao juiz e aos bandeirinhas foram servidos ponche de maçã com camomila para deixaram os mediadores calmos e as seleções que chegaram de caminhão, a de Serrinha, no decorado caminhão de Jesse; e a de Barrocas no de Ireninho desembarcaram no terreiro acompanhadas de suas torcidas, mais mulheres do que homens, todas portando bandeiras, tambores e cornetas; e os times se perfilaram neste local, no centro do terreiro, na maior civilidade, e Sêo João fez uma prelação de boas-vindas, o diácono Foba lançou água benta nos atletas e na bola, registre-se, de couro, 16 gomos, obra de Nenen da Bota, uma beleza de pelota falou-se até que seria de couro de veado, mas, pra mim e os que entendem um pouco de futebol de couro de boi novo, novilho, e haviam mais duas bolas de reserva, um mascote que era natural da fazenda considerado um excelente amansador de burros levava consigo uma bomba de encher pneu de caminhão e dois pitos, ou seja, como os senhores podem ver tudo foi organizado da melhor forma possível e com os times já em campo, animava a torcida da Serrinha, um combinado de músicos da Filarmônica 30 de Junho, sob a batuta do maestro Azevedo; e da coirmã a Charanga do Zé Martins com Chibarra a marcar o surdo e Simão na caixa.
- Meus senhores e minhas senhoras – Marcelino para um pouco para beber um copo d’água, refrescar a goela, pois, não estava acostumado a proferir um depoimento dessa natureza, longo – e seguiu sua fala dizendo que antes do início da partida houve a troca de flâmulas entre os atletas, a formação dos juízes e dos times em fileira, o hasteamento da bandeira pátria, da bandeira da Província e das federações em tela, a FFB (Barrocas) e FFS (Serrinha), o canto do hino nacional, tudo isso provocou uma emoção distinta, emoção altaneira (desculpem se essa combinação de palavras não se encaixam bem) levando muitas pessoas às lágrimas, de tal ordem foi que a patronesse da FFB teve que correr a passos de gazela ao banheiro feminino do campo uma vez que estava a urinar-se e a coisa só não foi pior ou vista por mais gente porque ela prendeu a respiração, correu e só liberou a enxurrada no WC e esta foi outra inovação de Sêo João sinalizando os locais de mijar com essas duas letras e ninguém sabia o significado dessas letras, mas estavam bem sinalizados o WC dos homens com o desenho de um vaqueiro; e o WC das mulheres com a figura (assim penso) de uma Maria Bonita estilizada, dito depois em esclarecimento ao povo que se tratavam de palavras em inglês, nada mais justo, pois na tradução em português significava “gabinete da água” e mais que futebol vem de “foot” (pés) e ball (bola), o que significava jogo da bola com os pés, e as posições dos jogadores também tinham nome em inglês, mas, o povo, esse gigante pela própria natureza, só sabia falar do goalkepper, ora bolas, muito mais simples era chamar de goleiro ou guarda metas.
Tudo pronto, tudo conferido pelo trio de arbitragem, bola no meio de campo, redes dos gols testadas, bandeirinhas a postos, os maqueiros Nicolau e Clélio a postos, as autoridades sentadas em bancos de madeira com encostos, torcidas em seus devidos lugares, o juiz Hamilton solicitou 1 minuto de silêncio para homenagear os mortes da Guerra de Canudos, soprou o apito e foi iniciada a pelega, a pugna (adoro essa palavra: não canso de dizer que minha menina é um gênio) e já nos primeiros minutos numa arrancada de Sindé pela direita e cruzamento milimétrico nasceu o primeiro gol do Alfredo. Em instantes, a seleção de Serrinha empatou numa escapada do meia Zezé de Jardineiro, as torcidas gritavam a plenos pulmões e o jogo foi esquentando a medida que o tempo foi passando, a essa altura 20 minutos de esforços mútuos, os craques da pelota suando em bicas, o placar visto num improvisado letreiro colocado à vista de todos numa armação de madeira e letras e números grandes dava conta de 7 para Barrocas e 4 para Serrinha todo mundo vendo que o ponta Sindé estava arrasando, fazendo o que queria, sendo que o técnico Lito também via esse salseiro e chamou Carracudo nas suas proximidades, colocou as mãos na boca como se fosse um microfone abafado e pediu que este tomasse uma providência, que contivesse o ponteiro esquerdo senão seu time iria tomar uma lavagem e ele poderia perder o emprego, e Carrancudo ficou astuciando o momento certo de agir, seu time estava no ataque e quase consegue fazer mais um gol, porém, Diú fez uma defesa espetacular e saiu rolando pelo chão com a pelota encaixada nos peitos, sem dar reboque, e levantou como uma águia, abriu as asas como essa enorme ave, deu um giro no corpo como bom laçador de boi que era, rodou feito pião e arremessou a pelota pra Sindé passando da linha do meio de campo, a ponto do locutor Pio que transmita o jogo pelo serviço de alto falante “A Voz do Sertão”, com duas bocas bem posicionadas nas laterais do campo ter dito que foi o “mais fantástico lançamento” feito por um goleiro, mais relevante do que os que eram realizados por Gilmar, o gigante da nossa seleção, e Sindé arrancou controlando a pelota numa matada incrível e partiu em direção a meta adversária driblando dois adversários, quando, assim aconteceu, Lito assoviou para Carrancudo e este partiu como a flecha de Oxóssi, como um avião da Panair, desses que a gente só vem no cinema, atravessou a intermediária na altura da linha da grande área, passou que nem um foguete e a velocidade era de tal ordem que mesmo acionando os freios das pernas atingiu o ponteiro atacante bem nas canelas lançando-o ao alto como um balão de São João vindo a cair, em seguida, a dois metros de distância, gemendo, um gemido só, pois, desfaleceu na hora, ouvindo em seguida protestos dos torcedores, um princípio de tumulto entre os atletas, mas o juiz foi rápido, eficiente e aplicou um cartão vermelho no defensor, enquanto Biêta atravessou o campo para dar socorro ao jogador, o seu auxiliar Popó levando a sacola com os aviamentos e em chegando ao local onde Sindé adormecia, morto estava, assim parecia, aplicou um chumaço de algodão embebecido em éter nas suas narinas, dez segundos apertando e depois suspendendo a mão, sugando a vida, e o ponteiro acordou atordoado sendo dores terríveis na canela esquerda, logo na perna boa de fazer gols, e no braço canhoto, Biêta o acomodou na maca que os irmãos Nicolau e Clélio levaram como socorristas, na verdade, uma rede presa em dois paus de banguê bem lavrados, roliços, e o atleta foi posto no estrado da caminhonete ambulância do Liovaldo, o qual, agiu rápido, e ai mesmo encanou-se o braço de Sindé, o gesso derretido numa trempe que assava carne, as taliscas previamente estabelecidas, fibras de sisal, enfim fez uma mistura, Nicolau, que era o mais forte do grupo esticou o braço de Sindé o mais que pode, ouviu-se um pequeno estalo sendo assim engessado o braço da vítima, cuja canela estava torta e mereceria uma atenção da Santa Casa, sendo o atleta levado para a Serrinha, já com o braço encanado e a perna imobilizado, e foi isso que o salvou porque na Santa Casa foi feito um procedimento na perna do atleta, mantendo-se o braço encanado como estava, e depois, dias depois, ficamos sabendo que o ponteiro havia quebrado a tíbia e todo mundo no Barro achando que ele tinha quebrado a canela.
Marcolino bebeu mais água e continuou: Pelos touros do meu arado...já estou concluído me conto, e digo aos senhores e senhoras que, em campo, não demorou cinco minutos para o juiz recomeçar o jogo, e esta providência da dupla Lito/Carrancudo funcionou perfeitamente, Barrocas perdeu seu melhor atacante e findo o primeiro tempo a partida estava empatada com placar marcando 18 x 18, a essa altura, o rapaz que marcava o placar trocando os números, já providenciara mais numerais a fim de compor o letreiro, uma vez que sói havia feito dois conjuntos de números de 1 a 10 e o placar já passara disso.
No intervalo do jogo, o juiz alertou que o descanso das equipes seria de apenas 10 minutos, pois, já passava das cinco horas da tarde, o sol estava se pondo na Serra da Tanajura, pois, era preciso ganhar tempo porque a noite estava chegando e seria impossível a prática desse esporte na escuridão.
Os técnicos deram as instruções derradeiras para ajustar suas equipes, houve um reforço na zaga do time da Serrinha com a entrada do lateral Cascudo e reiniciou-se a peleja. Logo nos primeiros minutos do segundo tempo aconteceu um pênalti contra Barrocas e Camacho escalou o zagueiro Albertão para bater a boa, o camarada tomou a distância de uma braça, correu em direção da bola como um boi desses de touradas da Espanha, testa baixa, olhos que só miravam a pelota, e no encontro desta deu uma bicuda com tamanha força que o couro furou a rede, seguiu em direção ao céu e só parou um galho de uma cajazeira, caindo no chão furada, nunca ninguém em tempo algum presenciando tal cena, mas, é evidente, o jogo não parou porque havia mais duas bolas e a reserva depois de devidamente enchida e calibrada foi sua substituta, a essa altura só havendo uma réstia de sol no céu, deu-se a ideia, ao que tudo indica ate de Sêo João, homem como já dito extremamente prevenido, de pintar dois sinais em cruzes na pelota, em tinta branca fluorescente, o que facilitaria os atletas no manejo da mesma e eu, diria, que foi uma providência brilhante que ajudou muito até que, Serrinha a frente do placar, 29 a 27, os jogadores já exaustos, o sol só tinha um fio de luz a iluminar o campo, o ponta direita da valorosa equipe de Serrinha deu um bico na pelota, chute insosso, sem risco de gol, daquele bico que se dá na direção da torcida e a pelota furou, descobrindo-se, em investigação feita no campo, após ligeiro tumulto, que o ponteiro havia colocado um prego invertido na ponta da chuteira o que fez com que, o digno juiz, que era isento, o expulsasse de campo, mas, nesse novo salseiro, diz-se que Gago jogou uma mão de sal no olho do melhor atacante de Barrocas em campo, vimos a essa turma, um grupo de homens vestidos de cangaceiros portando alavancas em mãos, cavando buracos feitos tatus pegas numa ligeirezas enorme, assentaram hastes de madeiras como se fossem torres de energia, na cabeças dessas madeiras instalaram e ligaram tochas de luzes, uns candeeiros enormes, e Sêo João chamou o juiz às falas e disse que o jogo teria que continuar ao menos até que a equipe de Barros empatasse, uma vez que sendo a sede da sua fazenda neste distrito e embora ele fosse Serrinha como os demais, visto que esta aldeia é que era a sede do poder político, do poder jurídico e do legislativo e ali estava o presidente da Câmara e Concelho, vereadores e outras autoridades, o digníssimo delegado de Polícia e seu ajudante de ordens, o justo, o correto, o altaneiro, seria um empate, porém, a essa altura do embate Serrinha estava com 3 gols de frente como já visto e o jogo seguiu a luz tochas, uma cena digna desses cineastas famosos que têm na Itália, minha menina me garantiu que são os melhores do mundo, o locutor Pio em lágrimas a narrar alto e fantástico, a essa altura suas bocas de som sustentas graças a bateria de um trator da Cerâmica do Barro, o ponche correndo solto entre as autoridades, as charangas entoando marchinhas carnavalescas, Zé Martins cantando a “Maracangalha” e Azevedo sapecando do outro lado com “Jardineira”, o jogo seguiu adiante, e o técnico Lito, ardiloso como uma jiboia na busca de sua presa, fez chegar ao goleiro Coqueiro uma sovela com a recomendação de que, assim que ele encaixasse a pelota, a última em tela, rolasse pelo canto do gol e a furasse com a ponta afiada da sovela e arremessasse o objeto no canto que seria providenciar pegar e dar um sumiço, arte e encomenda que seria feita pelo gandula Bartolomeu, em troca de ingressos para um mês no cinema, na matinée, o que, de fato, foi feito, Serrinha ainda à frente, placar 37 x 35, o que, certamente acabaria o jogo, e quando isso aconteceu, pasmem, Sêo João disse que tinha duas cabaças roliças, iguais às botas fabricadas por Nenem e que, uma delas seria usada, o que todos consentiram, algumas das autoridades já baleadas de ponche e fazendo discursos à beira do campo, e assim seguiu-se adiante, a essa altura, já passara da sete da noite, o juiz tinha feito uma prorrogação de 1 hora num jogo, o que era também nunca visto neste esporte, o campo aluminado com as tochas que eram trocadas na medida em que perdiam força da luz, mais 60 minutos de prorrogação, estendendo-se a pelega até 8 da noite, o céu em breu vendo-se a estrela Orion, a constelação da Capricórnio (essa menina minha filha me ensinou foi coisa), jogo renhido, a cabaça resistindo bem aos chutes, até que uma delas partiu ao meio diante de um gol feito pelo time de Barrocas saindo de dentro do objeto uma galinha para significar que era um frango tomado pelo goleiro adversário e faltava pouco, a moral do time da Serrinha, ainda assim não se abatia, os ponteiros do relógio faltavam m quarto para as 8, nova cabaça em campo, gol de Barrocas, 44x44 no placar, a cabaça partiu e era um ninho de cobras siaram cobras pra todo lado o goleiro Coqueiro se picou, o juiz temeu por sua própria vida, as torcidas deliravam, Sêo João Danado era um poço de alegria e assim encerrou-se o jogo a pândega, a folia, o forró a comer no centro no terreiro da fazenda, a banda de Sidney a cantar Luís Gonzaga, Marinês e por ai adiante, os casais a dançar, os cangaceiros e fazer coreografia, os jogadores, aqueles que ainda se aguentavam em pé a forrozear, alguns ainda de chuteiras, outros de meiões, homem dançando com home, mulher com mulher, que festa maravilhosa até que, quando deu meia noite, Sêo João Danado mandou soltar uma dúzia de foguetes, mandou abrir a cancela das Fazenda do Barro para que as delegações retornassem as suas localidades e fez um brilhante discurso dizendo que, como havia chegado a segunda-feira, dia de trabalho, de labor, finda-se a peleja esportiva e a festa.
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E, assim encerrou Marcolino o seu conto e o que podemos verificar a luz da sabedoria é que já falamos da roda da fortuna, da roda do pecado e agora acabamos de presenciar uma beleza de oração de uma pessoa do povo e que trata das rodas do esporte, da alegria e do trabalho, havendo alguns pecados em todos eles, se é que podemos dizer isso, tudo observando-se o amor infinito em Deus, que assim seja.