Liliana Peixinho é Jornalista, ativista humanitária. Faz Imersões Jornalísticas Caatinga Adentro- Sertão Afora. Especialização em Jornalismo Científico, Meio Ambiente e Cultura- Facom- UFBA
Nessa entrevista, exclusiva, a professora Lucicleide Ribeiro, doutoranda em Crítica Cultural, revela como os signos se repartem no universo cultural ao investigar as raízes de movimentos populares.
A pesquisa é inovadora em linguagem, plataformas, mobilização de públicos e especialistas, em múltiplas formas de apresentação: textos, fotos, lives, investigação imersiva em campo minado de desafios. O resultado é uma arqueologia sociocultural de movimentos populares Caatinga Adentro.
Com foco em Crítica Cultural, as fontes mobilizadas no trabalho reforçam o cenário diverso de roteiros de filmes, livros, peças de teatro, canções, cordéis, repentes.
O ambiente multidiverso da Caatinga/Sertão, retratado em obras de renomados cineastas, escritores, músicos, se ressente de cuidados numa realidade demasiadamente desumanizada.
A Caatinga, o Sertão, palco de interesse cultural por sagas históricas de um povo em labuta de vida, mobilizou o Cinema Novo, de Glauber Rocha; a Literatura de diversos escritores como João Cabral de Melo Neto; o Teatro, a Música, os ritos religiosos e modos de vida. Como observa esse cenário, e de que forma seu trabalho pode contribuir com desafios na atualidade?
LUCICLEIDE RIBEIRO: Um dos maiores desafios é cortar os signos e os arames da academia e assumir um compromisso de contribuir com a visibilidade dos problemas sociais. Tive o privilégio de nascer na Terra do Sol, onde os paradoxos de Deus e o Diabo são quebrados por Glauber Rocha e as promessas políticas e religiosas são esvaziadas por um Pagador de Promessas trazido por Dias Gomes, colocando no cenário um movimento social camponês, liderado por um padre que fez a luta concreta coletiva através de uma evangelização popular, descortinando as mazelas da sociedade e organizando o povo ao enfrentamento da barbárie. A contribuição do meu trabalho talvez esteja no sentido de trazer uma teoria organizativa do povo camponês para a cena, incentivar novas pesquisas e até inspirar novos roteiros de luta.
Locais como Canudos, Monte Santo historicamente chama atenção por suas manifestações culturais, fé, modos de vida.
Desde criança, vi de perto o respeito e luta, de meu pai, "Seu Peixinho", pela preservação do ambiente natureza como símbolo de sagração à vida. A labuta de quem cravou a defesa, o cuidado com o ambiente, como espaço precioso da existência, é pauta recorrente.
O respeito e luta pela diversidade do ambiente cultural da Caatinga foi inspiração para ações do projeto "Caatinga Adentro- Sertão Afora", realizadas pelo Movimento AMA, desde os anos 90, através de Imersões Jornalísticas em territórios culturais tradicionais identitários como pequenos agricultores familiares, fundos de pastos, quilombolas, indígenas, feirantes, artesãos. Nesse cenário, como observa tradições religiosas, desigualdade, desmatamento, violência, insegurança alimentar, nas histórias de vida de um povo que não desiste de lutar?
LR: Nossa luta sempre foi pela defesa da terra, pelo pedaço de chão para o posseiro tirar seu sustento, pela terra livre para uso coletivo. A devastação do bioma Caatinga é uma realidade. Os latifúndios crescem cada vez mais rápido na nossa região e a preocupação é derrubar e queimar para preparar o terreno e fazer pasto para criação de animais de corte. As mineradoras avançam com apoio do governo. Inclusive, esse Marco Temporal, que tira os títulos de domínio das áreas tradicionais de fundo de pasto e determina 90 anos de concessão de uso, é uma ameaça às áreas preservadas que têm acordos de preservação dentro das associações agropastoris. Precisamos de projetos de revitalização da Caatinga que é onde se cria o bode, se tira o sustento do povo camponês, mas temos que resistir o tempo todo ao atraso planejado. Monte Santo foi cenário de luta do Movimento Popular e Histórico de Canudos, de Glauber Rocha e Dias Gomes que escolheram como palco para seus filmes que trazem histórias do povo camponês e da luta contra os poderes dominantes. Um lugar rico na literatura com escritores locais que registram sua beleza, e seus dois lados: o sagrado e o profano. Terra fértil para a luta, pois assim como é santuário da fé, foi também paraíso da grilagem, solo consagrado pelo terço e o bacamarte (Pe. Enoque Oliveira, 1997). Município de grande extensão territorial, e mesmo com mais de 80% da população rural, é ausente e marginaliza o povo camponês. Um povo da cultura do mutirão, do reisado, da coletividade que se organiza em associações para enfrentar o atraso planejado. Assim é o meu lugar, berço da religiosidade, da arte, da literatura onde lançamos a semente da luta camponesa pela terra e por dignidade.
Suas chamadas em redes sociais para debate no YouTube, com escritores, músicos, poetas, pesquisadores sociais, mobilizou agentes culturais no Brasil e outros países, pela inovação do seu método. Como pensa disponibilizar ao público esse vasto acervo cultural?
LR: A realização do Fórum de Debates: Modos de cortar os signos e os arames foi um momento de produção histórica do conhecimento e ficará disponível no canal do YouTube do Programa em Crítica Cultural-Pós-Crítica/UNEB. A partir desse acervo, pretendo organizar outros trabalhos como livro, relatórios, realizando uma ampla divulgação do conteúdo para alcançar outros espaços e pessoas interessadas no enfrentamento à barbárie.
Sua pesquisa aponta para o resgate histórico de Movimentos culturais populares através de "modos de cortar os signos e os arames" como instrumentos de rompimento cerceadores de
culturas. Poderia falar sobre seu trabalho de campo?
LR: Tenho realizado rodas de conversa no Campus Avançado de Canudos com o povo camponês, participamos da FLICAN (Feira Literária Internacional de Canudos) e homenageamos o Movimento Popular e Histórico de Canudos com a Trincheira Pe. Enoque. Dessa trincheira, significada como lugar epistemológico, gerou um novo projeto de montar uma sala do Movimento no Museu do Sertão, em Monte Santo, que será inaugurada no dia 6 de outubro de 2023, na noite cultural da XXXIX Celebração Popular pelos Mártires de Canudos. Realizamos também o Fórum de debates já mencionado, onde construímos um arquivo histórico sobre a luta do povo subalternizado camponês.
Sobre origens, formação, motivação, influências de autores em seu trabalho, o que destaca?
Lucicleide Ribeiro: Sou uma mulher camponesa, militante dos movimentos sociais desde muito cedo, professora de escola do campo e tenho muito orgulho de morar na Fazenda Barra, comunidade de um povo emancipado. Como professora tento passar para os meus alunos uma formação diferente, provocando-os a se fortalecerem na coletividade, a se organizarem, se reconhecerem em seus espaços e junto com a comunidade discutirem a realidade das ausências do poder público e transformarem a realidade. Sou filha de Dona Lourdes e de Zé da Barra, um sindicalista de coragem que sempre me inspirou a resistir. Padre Enoque, Karl Marx, Celi Taffarel, Osmar Santos e tantos outros autores têm me provocado a entender melhor o atraso planejado, a importância da luta concreta para encorajar o povo, principalmente o povo camponês, a sair da condição de subalternidade.