Cultura

ANDARILHO DA CIDADE DA BAHIA, CAP 2O: O SÍMBOLO DA CIDADE MÃE PEDE PAZ

Na mitologia, renasce-se das cinzas com mirra e no Alto das Pombas vira-se cinzas para sempre, as balas são mortais
Tasso Franco , Salvador | 10/09/2023 às 08:01
A pomba com medo de voar
Foto: BJÁ
Uma cidade para ser grandiosa necessita livrar-se de alguns espíritos do mal e conter os melhores homens e mulheres

A cidade mãe do Brasil está alvejada, ferida, moribunda, a violência e os grupos do crime ocupam bairros e áreas dos confins e amedrontam fiéis e infiéis

Na Saramandaia enclave bairro que nasceu com nome de uma novela de TV um taxista de aplicativo foi metralhado só porque não atendeu as exigências da lei do crime, abaixar os vidros do veículo e se identificar

No Alto das Pombas, no Calabar, no Arenoso, na Sussuarana, na Santa Mônia, no IAPI, na Valéria, na Capelinha, no Pela Porco, em São Cristovão e em tantos outros locais vale a lei da bala 

Piedade irmãos, há vida nesses bairros uma luta permanente pela sobrevivência, acrescida, agora, com essa dupla luta pela sobrevida para evitar a morte por balas perdidas 

O símbolo da Cidade da Bahia é a pomba branca carregando um ramo e assemelha-se ao gesto de Cristo quando teria entrado em Jerusalém montado num jeguinho usando um ramo de palmeira

Concepção do fundador da fortaleza o português Thomé de Souza, homem de Deus, o qual com base na analogia da passagem bíblica, onde Noé do dilúvio solta uma pomba para encontrar terra firme e ela volta com um ramo de oliveira no bico

Thomé imaginou o mesmo saber. E, por conseguinte, está escrito na bandeira da cidade, em latim "Sic illa ad arcam reversa est" - a pomba retornou à arca 

O que governador geral queria com isso?

Ora, o encontro dos portugueses com uma terra onde poderiam se firmar e fundar a fortaleza como determinou o rei Dom João III, com quatro portas e trancas de ferro, muralhas e canhões por todos os lados temente aos tupinambás, da terra, e os invasores estrangeiros, pelo mar

E assim foi feito sem sabermos se Thomé, de fato, soltou a pomba em Kirimuré e ela retornou a paliçada onde hoje se encontra o Elevador Lacerda e a cidade foi fundada e habitada 

E houve uma mistura, com o passar dos anos, dos tupinambás com os brancos, dos negros com os tupinambás e dos negros com os brancos formando a mestiçagem que permeia toda a cidade e já dura 474 anos

E, eu, o Andarilho da Cidade da Bahia, que caminho por todos os cantos constato que os tupinambás já foram dizimados desde o século XVII e invasões estrangeiras pelo mar só aconteceram em 1604 e 1624-1625 pelos holandeses 

E que as trancas e as muralhas também desapareceram, as portas Norte, Sul, do Beco do Gasto e do Pau da Bandeira viraram lenha de cozinha e que vivíamos em paz, mesmo diante das enormes desigualdades sociais que remonta da colônia e persistiram no império e nas Repúblicas - a velha e a nova - mas havia civilidade e respeito 

Tirava-se o chapéu nas proximidades do palácio do governo, vestia-se branco, sentava-se nas portas das casas para prosar na Ribeira, no Canta Galo, na Liberdade, dançava-se nas festas de largo e fazia-se serestas na Lago do Abaeté

Que tempos de paz, no centro histórico, nos bairros, nas noites boêmias da Ladeira da Montanha, nas chácaras do Cabula e Brotas, nos povoados praianos da Pituba e Itapuã

Hoje, meus abençoados leitores, as muralhes voltaram em forma de grades e cercas de arames, cães e dispositivos de segurança, carros blindados e aplicativos de proteção e estamos enjaulados e os bandidos soltos 

Há uma guerra à vista, todos os dias, entre a força policial e os bandidos, e a população amedrontada no meio, os pobres da periferia sofrendo mais do que moradores dos arranhas céus

Deparei-me, recentemente, com uma pomba deitada nas pedras portuguesas do Farol de Santo Antônio. Que emblemático!

Arrulha-me pedindo para eu parar e prosar

- Vê-me! Sou a pomba símbolo da cidade. Nasci e me criei no Alto das Pombas e sobrevoava o Calabar, a Federação e Ondina donde, em terra, ciscando aqui e acolá, no verde da Centenário, nos canteiros da Sabino, tirava o meu sustento e, hoje, estou confinada aqui na Barra 

- Estamos diante de uma guerra, disse-lhe, pedindo que tivesse paciência que tudo isso será resolvido e a paz voltará

- Ah! meu filho, sou uma descrente, ouço falar nesse novo tempo desde a época da minha avó, nascida e criada no Alto e sepultada no Campo Santo. Mas, eu, para onde irei? Quando vão devolver-me a velha vida da paz? A sombria morte tolhe os meus voos 

Ora, anime-se, tenha coragem, seja a fênix, tenha fé, a esperança voltou

- Só rindo de você andarilho de tênis UK e pochete comprada em lojinha de chinês da Sete. Na mitologia, renasce-se das cinzas com mirra e no Alto das Pombas vira-se cinzas para sempre, as balas são mortais

Fui-me. Segui rumo ao Barravento e a cada cinquenta passos olhava para trás para ver se a pomba havia alçado voo. Lembrava Milton que comparou uma fênix ao anjo Rafael: Assim, cortando o céu, voa ligeira/ Entre mundos e mundos navegando? Ora os ventos polares enfrentando/ Ora, cortando, calmo, o róseo espaço

Até onde pude enxergar de minhas vistas, o símbolo da cidade da Bahia continuou deitada no piso das pedras portuguesas do farol do milagreiro Antônio