Cultura

NOVO LIVRO DE TASSO FRANCO COMEÇA COM EXPLICAÇÃO SOBRE SUA ALDEIA

O Homem Verde do Ginásio e outros contos de horror e encantados da Serrinha. Leia no site www.wattpad.com
Tasso Franco ,  Salvador | 26/08/2023 às 10:34
O Homem Verde do Ginásio e outros contos de horro
Foto: Stúdio Borega
    Primeiro vou apresentar minha aldeia onde tudo acontece de bom e de ruim. Daí que o que eu vou narrar são contos de "horror, de amor e de virtudes" (Contos de Avejão), da minha boca e da boca dos meus interlocutores tudo ficção de minha mente malévola embora vocês possam identificar, aqui ou acolá, alguém que se pareça com a pessoa que narra, mas, óbvio, é mera coincidência. 

  A minha aldeia - Serrinha - existe de verdade e se localiza na Bahia e tem esse nome porque é uma localidade cercada de serras pequenas daí o nome. Não poderia ser Serra Grande; nem serrote que também serra, porém, não tem formato de montanha. Um dos nossos montes é assemelhado ao Gólgota onde Jesus Cristo foi crucificado (toda sexta santa tem peregrinação nele); um outro intitula-se da Santa (que virou bairro) Senhora Sant'Anna e há um terceiro chamado de Morro do Fundo. 

  Não sei qual deles foi escolhido para ser Serrinha e não Serrinhas se fossem considerarmos os três morros, assim abençoados por Deus, embora, o criador, provavelmente, estivesse de mau humor quando determinou que descendentes de portugueses e africanos se estabelecessem nessas paragens, uma vez que não colocou para nós um rio, um braço de mar, uma lagoa, uma floresta, um bosque de bétulas, ursos, veados, jacarés, condores, nada. A maior parte do nosso território é no semiárido, caatinga, cactus, macambiras, espinhos e mandacarus, os bichos mirrados e peçonhentos - cobras, lagartos, tatus, teiús, urubus - e os moradores nativos eram chamados de Tocós. 

  Creio, que a coroa de espinhos colocada em Cristo veio daqui, e não temos como em Cantuária, Inglaterra, um santo milagreiro como São Tomás Beckett; e um São Tiago como há em Santiago de Compostela, Espanha; nem uma cova da iria, onde floresceu Fátima, Portugal. Ainda assim tempos um povo cristão ao extremo, temente a Deus, católicos e crentes, e existem em nossa localidade muitas histórias de assombrações, visagens, almas penadas, caiporas e lobisomens. E tem uma procissão do fogaréu, o fogo de Deus para trazer chuva, milhares peregrinando nas ruas e até o morro da santa.  

  Tanto assim que o jornal "O Serrinhense", nosso hebdomadário local, promoveu um concurso Na Taberna da Agripina, a mais famoso da aldeia, situado na rua da Barão, em mesa que se assemelhava a távola redonda dos cavaleiros que foram premiados na corte do rei Arthur, sendo neste formato para não ter uma cabeceira e um líder dando ordens, todos tendo o direito de expressar seus contos e causos encantados.

   Sou testemunha desse encontro e participei como jornalista, contador de causos e intermediador de possíveis tertúlias mais exaltadas e estavam presentes, pelo que pude anotar, representantes de várias comunidades, da Associação dos Moradores da Chapada de Santo Antônio; igualmente de associações de Nossa Senhora da Conceição do Raso; dos bairros do Cruzeiro, Bomba, Rodagem, Ginásio, Abóboras e Centro; do Lamarão do milagreiro frei Antônio; de Nossa Senhora do Belém da Manga que o povo também chama de Biritinga; de São João Baptista da Barrocas; de Nossa Senhora de Fátima da Coruja; dos artesãos, da igreja católica, da igreja batista, da Filarmônica 30 de Junho, dos artífices do Só Falta Você, dos magarefes, dos professores, dos padeiros e afins, dos fazendeiros, do comércio, da indústria, o que vocês podem notar que havia gente do povo e gente da elite, num total de 25 personalidades, creio.

   Inicialmente foi servido pelo garçom Xeiroso café com leite e biscoitos variados produzidos na Padaria do Limeirinha e depois rodadas intermináveis de vinhos variados produzidos no Fabrico do Lôro, de alta qualidade; e também uma aguardente bem forte do Armazém Andrade, o que, é certo, deixaram alguns falando bobagens. Mas, não houve agressões, nem desentendidos maiores, tudo acontecendo na santa paz de Nosso Senhor Jesus Cristo e os representantes jurando com a mão sobre a bíblia que estavam ali para dizer a verdade e somente a verdade.

  Não dá para descrever esses personagens, a priori, porque muitos eu não os conhecia, portanto, peço a compreensão dos leitores para, na medida em que forem se apresentando na contação dos contos, poderei traçar o perfil de cada um deles. 

 Lembro ainda que, a direção de "O Serrinhense" estabeleceu que aquele escolhido como o melhor conto receberia como prêmio uma ovelha de raça Santa Inês para sua comunidade; o segundo, um bode preto reprodutor garanhão premiado; e o terceiro um livro do Dumas. E, ademais, que a gráfica "A Vanguarda", do popular Ernesto, publicaria um livro dos contos. 

  Em sendo assim, todos a postos, presentes também alguns observadores como o diácono Euzévio, homem de grande saber; o juiz de Paz e Feitos, Dr. Tamboatá, baixinho, elegante, de picinê no pau do nariz; a decana entre as professoras, senhora Astrolábia, pedagoga de renome; a vereadora Tarsila, representando a Câmara, e autora do projeto que elevará nossa aldeia à condição de cidade; o Sr. Dantas Ribeiro representando a Intendência; e o escrivão Eliomério para tudo anotar e gravar, os ditos e narrados no início dos anos 1960.  

  Abri a palavra (democraticamente) para quem quisesse começar falando de um algum causo acionando uma sineta que levei comigo no bolso da minha jaqueta, mas, ninguém se manifestou. Sinetei de novo com mais força e disse que, talvez o representante mais velho no encontro, digamos, assim, por hierarquia em idade, deveria abrir a sessão, porém, Sêo Divino, o deão do Raso, apontado como sendo o mais velho, declinou e afirmou que o sineiro (no caso, eu) que contasse o primeiro. 

  Decidi, segundo os preceitos da democracia, realizar um sorteio, solicitando a senhora Agripina uma forma de cuscuzeiro onde o escrivão colocou o nome de cada um dos presentes a narrar contos e depois de balançando bem os papéis, o Dr. Tamboatá com sua mãozinha delicada e unha primorosamente feitas no salão de dona Ana, retirou um dos papéis e deu para o escrivão anotar e ler, sendo sorteado o meu nome.  

  Não saberia dizer se foi uma graça divina, porque não temos capacidade de saber o que vem do além, pus-me de pé, dei as boas-vindas a todos e passei a narrar o conto do "Homem Verde do Ginásio", que vocês vão conhecer na próxima semana.