Livro está sendo publicado por capítulos, a cada domingo, no site de literatura www.wattpad.com
Tasso Franco , Salvador |
06/08/2023 às 10:09
Eis o Sotero
Foto: Borega ilustração
Quem é você? Eu sou o homem soteropolitano, cosmopolita e cidadão do mundo, assim penso e ajo
Nada! Sou um provinciano apegado a minha terra como caranguejo, daqui não saio; daqui
ninguém me tira
Sou diferente do homem baiano que é vário, mas também sou irresoluto, diverso, como não!
Os outros baianos são do Sertão, do São Francisco, da Chapada, do Recôncavo, dos Litorais Norte e Sul, da Serra Geral, do Piemonte
Por isso, cada qual em seu cada qual, na capital e no interior, com seus costumes e devaneios
Tem diferenças? E como tem. Catingueiro é uma coisa; beira mar é outra; chapadeiro tem tetras próprias; serranos seus ares; beira rios as águas doces
Onde vives e andas nesta Cidade da Bahia, Sêo Sotero, Sêo Soterópolis?
Não me chames assim que não gosto: prefiro que me trates de baiano, da Bahia
Saibas que há diferenças, mas é tudo um só; nossa cidade é a mãe que acolhe a todos e dá aconchego, trabalho e diversão
Moro e trabalho em Itapuã, na pedra da sereia a pescar; no campo do Lasca, a jogar futebol; na ladeira do Curuzu, a bailar
És um folgazão, beira mar da boa vida, um arcanjo, poeta que leva tudo na valsa?
Enganas meu caro inquiridor trabalho duro e firme para sobrevier nesta bela cidade
São tantos os meus labutar na orla do mar aberto, na orla da Baía de Todos os Santos, no Miolo, nas baixadas, nas colinas de Ondina e Sabina; no Calabar, no Caminho da Areia, no Coqueirinho, no Pau Miúdo, em Pirajá
Não penses que é fácil e altaneiro, que levo uma vida a bailar e cantar como dizem os incréus
Chega, vais entulhar minha prosa com conversa fiada
Quem és afinal?
Sou quem sou, todo canto é minha casa e minha pátria é a Cidade da Bahia
Sou o trabalho na arte das tintas da Ladeira do Sodré, tal Zu; nas forjas dos Arcos da Montanha com ferro e fogo, tal Badu; em São Joaquim na feira livre das frutas e verduras a mercar, tal Cadu
Trabuco na Sete Portas de feijões e farinhas, laboro no Japão da Liberdade entre carnes e temperos, pelejo na Calçada, na Barão de Cotegipe, nas Cajazeiras de 1 a 10, na Paripe de Santo Tomé, eu sou um visionário
Estou, portanto, em todos os lugares; sou onipresente, batalhador, íntegro
Sou sábio em produzir o sublime em letras, espetacular em artes visuais, escultural em aço e barro cozido
Sou médio, sou alto, sou forte, sou viril, sou guitarra, sou tuba e tambor, sou mestiço de todas as raças
Sofisticado e urbano; preguiçoso e ronceiro de sobrado e não copio o que está na moda noutros lugares porque sou a moda
O clima ajusta meu ser e andar e eu confronto o tempo com minhas vestes
Quando há sol me revelo de bata colorida e quando é sexta-feira uso branco dos pés à cabeça
Quando há chuva me agasalho com arte e quando há trovões raios oro para Santa Bárbara me protejo com Iansã
Para cada tempo e dia e noite mostro a minha moda
Busco sempre o culto do prazer; sou a alegria, a fantasia
Sou o rebolo, a voz, o canto, a espada, a beleza, a picardia
E tu, Salvador! Nada falas? Quantas gerações moldaste deste homem?
Que queres andarilho? Procura teu caminho e me deixas em paz
Os que estão vivos eu protejo; os que estão mortos descansam em seus barcos
Eu sou a cidade da Bahia, a mãe, o pai, o espírito, o vento Leste, o arco, a flecha a proteção
Que desejas mais? A perfeição?
Ah! meu distinto andarilho, andas pela cidade e vês que por mais que me esforce as desigualdades são gritantes
Por mais que eu seja a mais bela cidade do país não consigo a igualdade, o caminho da luz, acalmar essa dor que ecoa do mar, dos negreiros; e da terra, o grito dos nativos tupinambás
Ainda assim todos eles me amam, os vivos e os que partiram para o além que com suas almas e encantados nos observam e são, todos juntos, a força desta cidade