Cultura

OS MISTÉRIOS DE CATARINA E DA FUNDAÇÃO DA IGREJA DE N.S. DA GRAÇA (TF)

Veja comentário do jornalista Tasso Franco que esteve em Saint Malo, em 2022
Tasso Franco , Salvador | 28/07/2023 às 11:52
Jornalista TF, em 2022, na visita a igreja em que Catarina Paraguaçu foi batizada 1528
Foto: OG
     A história da igreja de Nossa Senhora da Graça, em Salvador, o primeiro oratório católico da Capitania da Bahia (1536/1549) necessita ser contada de uma maneira que mais se aproxime da realidade histórica e deixe o campo da ficção, de que Catarina Paraguaçu teve um sonho com visão da virgem Maria (versão reinante) a partir do naufrágio de uma embarcação espanhola, em Boipeba, donde Diogo Álvares (seu marido) teria ido socorrer espanhóis náufragos e encontrado na praia uma imagem da santa.

  Através de pesquisas que realizei na localidade de Saint Marlo, Bretanha, França, no ano passado, onde Catarina foi batizada na catedral de São Vicente de Saragosa, em 30 de julho de 1528, agora sabemos, pela informação contida no livro "Jacques Cartier -Le découvreur du Saint Laurent et des terres du Canada (Editora Franck Martin, France, 2021), de Elie Durel (ainda sem tradução em portugues) que a tupinambá morou na residência de Cartier e de sua esposa Catherine de Granges durante 6 anos.

  E que, sendo esta familia católica, frequentava com assiduidade a catedral de São Vicente de Saragosa - próxima de sua casa - e o oratório da virgem Maria na Grand Be - fortificação de corsários que fica em Saint Malo - e quando a maré baixa dá para ir ao local andando.

Ora, com tanto tempo na França e servindo como babá - ama de Catherine des Granges - a tupinambá fora batizada com o nome de Catherine du Brésil (em homenagem a mulher de Cartier) aprendeu a falar francês (pelo menos o básico) e frequentava com esta família os templos templos católicos se tornando uma cristã.

  A tupinambá não era uma prisioneira levada para Saint Malo por Cartier, nem uma empregada doméstica comum. Há um informe (não consegui me certificar) de que teria 15 anos de idade quando foi batizada pelo monsenhor Lancelot Ruffier (vigário curado) na presença do padrinho reitor de Saint-Jagu, Guyon Jamin, sendo madrinhas Catherine des Granges e Franzsoise (Françoise) Le Gobien, filha do donatário (procurador).

  Veja, portanto, que o padrinho da tupinambá era um nobre (reitor de Saint-Jagu) e a madrinha filha do donatário, a maior autoridade local, e ela morava na Rue Buhen, na casa de Cartier.

Tem sentido essa idade tão jovem, mas fica a dúvida se nessa época (1528) já era casada (ou amancebada) com Diogo Álvares ou se esse casamento se deu quando ela voltou da França. Ao que tudo indica o casamento se deu no retorno e o nascimento dos filhos.

  Só para efeito de melhor entedimento: não era anormal uma nativa de 15 ter relações sexuais e juntar-se a um homem. Catarina (nome aportuguesa) morreu em 1586. Portanto, levando-se em consideração seu batismo aos 15 anos de idade, teria 73 anos na hora da morte. Diogo morreu em 1557, 19 anos antes dela. A essa altura já eram donos da sesmaria (áreas da atual Barra e Graça) doada pelo donatário Francisco Francisco Pereira Coutinho em 20 de dezembro de 1536.  

  Diogo Ávares (Caramuru) foi sepultado na Sé Primacial e Catarina na igreja da Graça. Por que isso aconteceu um em cada local? 

Pela diferença de tempo. Na época da morte de Diogo (1557), a ordem religiosa primeira de Salvador foi a jesuita e seus restos mortais foram para o templo jesuita (ficava na praça da Sé) e Catarina foi sepultada na Graça (1586) porque, antes de falecer, doou a sesmaria aos beneditinos (ordem religiosa que se instalou em Salvador a partir de 1580).

Uma outra dúvida é saber como Catarina retornou de Saint Malo para a Bahia uma vez que a expedição que Cartier fez a soldo do rei da francês Francisco II e que descobriu o Canadá, em 1534, seu nome não consta na tripulação de Cartier (Le Triton). Ademais, a rota para o Canadá não passava pela Bahia. É provável que Cartier, já fazendo negócios de madeira com Diogo Álvares, tenha enviado um galeão para a Bahia onde carregaria de mandeira e neste galeão Catarina teria embarcado.

Mantive uma correspondência via e-mail com o escritor Elie Durel e ele me informou que seu trabalho sobre Cartier se detém mais sobre as viagens ao Canadá e não pesquisou a vida de Catarina, portanto, não saberia dizer qual foi a data que ela retornou e quem a levou.

  Em Saint Malo na minha visita de 2022 observei que há uma quantidade enorme de informações sobre Cartier e o Canadá, inclusive um museu, mas, nada sobre Catarina, salvo o documento de batismo que pertence ao Arquivo Municipal de Saint Malo, livro de registro de 1526-1533.

  O que se supõe é o seguinte: Catarina, de fato, não foi adotada como filha pela familia Cartier e deve ter manifestado desejo de voltar ao Brasil e Cartier achou por bem trazê-la de volta. 

Qual a embarcação que a trouxe? Quais são seu filhos com Caramuru? É o que vamos saber na matéria de sábado.